MÚSICA
Dori Caymmi mostra um país bucólico em 'Voz de Mágoa: Música do Brasil'
Por Daniel Oliveira | Especial para A TARDE
“Encontrei uma casinha na Serra de Petrópolis (no Rio de Janeiro), um lugar tranquilo, com floresta perto e um rio claro e limpo. O que parece um mistério, né? Vamos nos mudar em breve, porque aqui embaixo não dá para viver”, diz o cantor e compositor carioca Dori Caymmi sobre os planos para a nova fase.
Após mais de 20 anos morando em Los Angeles, nos Estados Unidos, ele retornou ao Brasil. Ao chegar, concluiu inconformado: “Não foi o que me prometeram. É muito descaso”. Começou a procurar, então, o lugar mais próximo ao idealizado para se estabelecer.
Esse país imaginado por Dori está presente em seu novo álbum, "Voz de Mágoa: Música do Brasil", lançado no início do mês via Acari Records, com 16 canções, 13 em parceria com o compositor Paulo César Pinheiro.
“O que eu fiz, com as letras do Paulinho, fala de uma coisa quase utópica. É uma voz de mágoa sem ressentimento”, afirma. Acompanhado somente do seu violão, ele trilha solos rurais profundos e navega por universos praieiros.
“A gente aprende com as pessoas que nos antecederam. No meu caso, por exemplo, com as coisas da Bahia, de meu pai (Dorival Caymmi), Jorge Amado, Carybé. Essas pessoas foram muito importantes. E com o que vivemos. Ter estudado em Minas Gerais, conhecido a fazenda, ter lido os escritores mineiros. Tenho paixão pelo Guimarães Rosa e a visão dele. Tudo isso está na música, na poesia do Paulo. Gosto do jeito que ele fala do Brasil”, explica Dori, que também assina a produção e os arranjos de "Voz de Mágoa".
Menos de consumo, mais brasileiro. Menos da tatuagem e da academia e com um pouco mais de carinho pela terra. Estamos perdendo a identidade
Ele revela que dificilmente vai circular com o show do disco por muitas cidades. “As pessoas ficam hoje na sofrência. Mas estamos tentando fechar alguns espetáculos. Não é para 400 mil pessoas em um festival”.
A obra sucede "Foru Quatro Tiradente na Conjuração Baiana", no qual Dori musicou a poesia de Mário Lago sobre o acontecimento histórico. A maior parte das canções é inédita. Somente "Voz de Mágoa", abertura, e "Viver na Fazenda", ambas com Paulo César Pinheiro e gravadas por Maria Bethânia no CD e DVD ao vivo "Abraçar e Agradecer" (2016), além de "Me Levem Embora", parceria póstuma com Jorge Amado, já tinham ganhado registros. A última foi lançada por Ivete Sangalo na trilha sonora do remake da novela "Gabriela", na TV Globo, em 2012.
Dori percorre em "Voz de Mágoa" ambientes bucólicos, como fazendas, colinas, moinhos e gotas de orvalho, imerso em sentimentos profundos – amor, saudade, desejo. Ou seja, ele conecta as paisagens ao seu universo interior. O álbum começa com a faixa-título, muito inspirada em violão, letra e melodia. Os versos “É feliz a voz do vento / E é contente a voz da água / Mas o meu contentamento / Sai de mim com voz de mágoa” introduzem aspectos marcantes do trabalho.
"Sombra" tem forte dramaticidade e texturas que variam, já "Preta Velha" evoca a personagem mística brasileira. Nessa rota, São Bento também remete às religiões afro-brasileiras. “Paulo tem um olhar diferente do Candomblé, uma visão carioca. E na poesia dele isso aparece”, explica Dori.
Em "Canção Sem Fim", ele entra na discussão se o formato vai ou não acabar. “A canção quem faz é o vento / É o pássaro no ar / É o som da cachoeira / É o ritmo do mar”. A seguinte, "Disco", é um nostálgico soneto de P.C. Pinheiro musicado em ritmo de samba lento.
O caminho saudosista de Dori também tem espaço para a reflexão sobre acontecimentos recentes, em Padroeiro (com P.C. Pinheiro), que é uma espécie de continuação de "Saudade do Rio", também da dupla. “Paulo ficou impressionado com a morte do ciclista, que foi esfaqueado por garotos na Lagoa, e fez a letra”. Em uma das estrofes “Ninguém quer mais chorar / Porém essa triste dor / É uma dor a mais no olhar / Do redentor”. “É um Rio de Janeiro que foi tão bom e poderia voltar a ser. Esse disco é uma esperança também, de uma virada consciente”, afirma.
Nas faixas "Água do Mar" e "Manhã de Pescaria", Dori herda a temática praieira de Dorival. “Quando falo do mar, tenho até uma certa cerimônia. E assumo que volto aos meus cinco anos de idade, ouvindo meu pai cantando e tocando Canções Praieiras”.
Em "Voz de Mágoa", ele canta um fado, "No Coração das Procelas" (com Paulo Frederico e Pedro Amorim), e a mineira "Serra do Espinhaço" (com Fernando Brant). A obra é dedicada a este compositor e também ao ator e escritor Luis Carlos Miele. “Foram amigos muito queridos”.
O músico diz que espera, com o novo trabalho, ajudar a construir um país “menos de consumo, mais brasileiro. Menos da tatuagem e da academia e com um pouco mais de carinho pela terra. Estamos perdendo a identidade”, opina.
Dori não usa celular, que, segundo ele, “é utilizado para tudo menos falar”, é crítico ao que chama de “progresso burro” e acredita que a sociedade brasileira tem caminhado para um preconceito generalizado. “Estão chamando Jorge Amado de racista, querem abolir o termo mulato. Quer dizer, as pessoas ficaram muito intolerantes”, completa.
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