MÚSICA
“James Baldwin dizia ‘os artistas estão aqui para perturbar a paz’. Pra mim, essa é a direção”, diz Johnny Hooker
Por Eugênio Afonso
Não parece, mas Johnny Hooker, 33, já tem quase 20 anos de carreira. Seu primeiro show foi em um concurso de bandas, lá nos idos de 2002. De lá pra cá, o cantor e compositor pernambucano, nascido John Donovan Maia, tem construído uma carreira popular recheada de músicas e atitudes fortemente influenciadas pelo glam rock, pop e tropicalismo.
Com dois discos de estúdio, Johnny tem uma forte ligação com o cinema e já produziu inúmeras trilhas sonoras para filmes, além de participar como ator em algumas produções. O cantor, fã assumido de Madonna, é conhecido também por ser um dos principais artistas da nova geração a empunhar a bandeira do movimento LGBT+ e falar abertamente do amor entre dois homens em suas canções.
A música Flutua, de autoria própria e gravada em dueto com Liniker, que diz “somos dois homens e nada mais... ninguém vai poder querer nos dizer como amar” já pode ser considerada um hino da diversidade sexual e afetiva.
Esse mês, Johnny acaba de disponibilizar, em todas as plataformas digitais de música e com registro audiovisual no YouTube, o DVD Macumba Ao Vivo em Recife, transcrição de um show feito em 2016, na capital pernambucana, baseado no seu primeiro disco Eu Vou Fazer uma Macumba pra te Amarrar, Maldito!.
Com participações especiais de Otto, Karina Buhr, Fafá de Belém e da cantora recifense Isaar, o DVD é alicerçado em um trabalho que deu a Johnny projeção nacional e o título de Melhor Cantor no Prêmio da Música Brasileira naquele ano.
Por WhatsApp, o cantor pernambucano conversou com o Caderno 2+ sobre o novo DVD, influências musicais, sua relação com a música baiana, responsabilidade sobre militância LGBT+ e porque adotou o nome Johnny Hooker.
O que você quer com esse DVD? Qual o propósito dele?
Agora, depois de lançado, sinto que o propósito dele é ser como um portal de esperança para dias melhores. É fazer com que as pessoas possam se ver ali, naquele momento de tanta alegria, com todo mundo aglomerado, emocionado, vivendo a catarse da música ao vivo. É para lembrar que um dia a gente pode ser feliz assim de novo.
Por que só lançar agora, cinco anos depois do show?
Depois que gravamos o DVD e terminamos a turnê do Macumba, muitos outros compromissos entraram na frente. Já saímos da turnê direto para o estúdio para gravar Coração, o disco seguinte. Depois do lançamento de Coração, teve Rock in Rio, turnê nacional, duas turnês internacionais e o projeto de finalizar o DVD foi ficando pra depois. Até chegar a pandemia.
As músicas são todas suas?
Com exceção dos covers, das participações especiais, são todas minhas, sim. No primeiro disco, todas são de autoria minha, e no segundo disco só tem uma que não fui eu que escrevi.
O que te inspira a compor?
A vida. Observar as pessoas, suas histórias, seus dramas, seus conflitos. Isso me move. E, claro, tudo também sai perpassado pela minha própria experiência, como é natural a todo escritor.
Você já declarou seu amor a Caetano, inclusive fez uma música em homenagem a ele. Qual sua relação com a música baiana?
A música baiana é de uma potência estética revolucionária. Desde os Doces Bárbaros, passando por Novos Baianos, Daniela Mercury, Pitty e a novíssima geração com Luedji Luna, BaianaSystem, ÀTTOOXXÁ, Josyara, Hiran e Majur. Sou apaixonado.
Por que o nome Johnny Hooker?
Esteticamente, é uma homenagem aos cantores do punk rock que eu escutava quando adolescente. No Sex Pistols, todos eles tinham sobrenomes punks: Sid Vicious, Johnny Rotten. Coloquei Hooker por conta de uma frase de Moonage Daydream, de David Bowie. Ele fala “I’ll be a rock ‘n’ rollin’ bitch for you” (algo como “eu serei uma prostituta do rock para você”). Procurei no dicionário um sinônimo de “bitch” e achei “hooker”. Me pareceu sonoro e certo. E ficou desde então.
Você tem uma relação intensa com o cinema. Ator, compositor, diretor. Como isso se dá?
O cinema foi a minha primeira grande paixão. Na adolescência, veio a música e ela me sequestrou desde então. Mas ainda consigo exercitar meu lado cinéfilo nos meus clipes, que tendem a ser bem cinematográficos. De vez em quando, faço algo como ator, como a novela Geração Brasil.
Por que não lança os discos em formato físico?
Porque ninguém mais lança. Ninguém mais nem tem onde tocar. Virou um item de colecionador. Tivemos tiragens físicas dos dois discos e, de vez em quando, lançamos mais uma e vendemos online e nos shows. Agora, vamos relançar o primeiro disco em vinil. Mas é tudo item de colecionador, não é uma coisa que venda realmente, e substancialmente, mais.
Você tem noção da sua importância como artista para a militância do movimento LGBT+?
Acho que a gente nunca tem a noção exata porque a música vai viajando e entrando na vidas das pessoas das maneiras mais inesperadas. Mas tenho noção da minha responsabilidade de estar falando para jovens sobre liberdade e amor.
Quais suas influências musicais?
A primeiríssima foi Madonna, depois que assisti Na Cama com Madonna, quando criança, e fiquei apaixonado. Depois veio David Bowie. Me identifiquei muito com o “ser ET”, ser “o outro” e me senti acolhido pela música dele. E, no começo da vida adulta, veio Caetano, com seu gênio de esteta inquieto, que também me apaixona pela ousadia de compositor.
O que te interessa como artista?
Provocar o olhar das pessoas. Provocar elas a questionarem as próprias crenças. (O escritor afroamericano) James Baldwin dizia “os artistas estão aqui para perturbar a paz”. Pra mim, essa é a direção.
Como tem sido criar na pandemia?
Bem, eu finalizei o DVD e agora estou quase concluindo meu disco novo, então não deixei de criar. Mas tem sido um pesadelo, pois me inspiro na vida e nas pessoas. E não tem tido nem muita vida, nem muitas pessoas pra observar. Só guerra, violência, abandono e tragédia.
Quais os próximos projetos? O que vem por aí?
Vem um disco novo de músicas inéditas. Isso, se eu sobreviver até o final do ano num país que deixa um vírus mortal correr solto, sem comprar vacinas.
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