MÚSICA
Leo Cavalcanti lança novo disco com participação de Caetano
Álbum, que vem sendo elaborado desde a chegada do artista à Salvador, é descrito como uma "fogueira musical"
Por Tamires Silva*
Paulista residente em Salvador, o cantor e compositor Leo Cavalcanti lançou ontem seu mais novo disco, Canções em Chamas realizado pela gravadora Deck. Inspirado pelas infelizes circunstâncias políticas, sociais, diplomáticas e ambientais pelo qual o mundo tem passado, o cantor espera que seu projeto traduza a intensidade dos sentimentos que incendeiam seu coração no momento.
Para promover o lançamento, no último domingo, dia 24, o cantor também realizou uma audição do álbum completo no Teatro Cambará da Casa Rosa, com entrada gratuita para o público.
O álbum, que vem sendo elaborado desde a chegada do artista à cidade de Salvador, é descrito como uma "fogueira musical" alimentada desde 2017. Assombrado por diversos questionamentos, Leo Cavalcanti agora busca as respostas: “Minha vontade inicial era de fazer um álbum que expressasse a intensidade e as urgências dos tempos atuais. As canções sempre são um reflexo do nosso mundo, dos nossos tempos — seja de que tempo e lugar elas forem. Portanto, entendo que as canções estão morrendo, renascendo e se transformando, num momento da humanidade em que nos vemos diante de crises e grandes e aceleradas transformações”, nota Leo.
“Principalmente, para mim, as canções estão em chamas, junto com um mundo em chamas. Comecei a pensar no fogo para personificar essas diversas intensidades – o fogo que queima nas matas, mas também o fogo que nos aquece e ilumina; o fogo que mata e o fogo que cria; o fogo da paixão, o fogo do ódio, o fogo da vontade de viver. Daí veio a ideia de Canções Em Chamas. Achei o nome forte, possibilitando diversas interpretações, e comecei a compor as músicas pensando nisso tudo”, acrescenta.
Impulsionado por muitas perguntas sobre si mesmo, sua arte e o mundo que o cerca, Leo compôs como quem se olha no espelho depois de uma jornada de muita luta. “São muitas as leituras possíveis. A ideia de que as canções estão em chamas junto com as chamas do mundo, morrendo, renascendo e se transformando com ele, me puxa a seguinte pergunta: quais são os cantos que quero cantar nesse aqui agora? Para que quero usar a minha voz? O que é ser artista em 2024, no Brasil? Sobre o que cantar, o que evocar. Não à toa, esse é o disco mais político que já fiz”, observa.
Nesse processo de olhar para si mesmo a partir do caos instalado, o artista percebeu que o perigo de viver em um mundo em constante ebulição também pode ser “excitante”: “(Este novo disco) É, também, o mais erótico. Porque acredito que o erotismo é uma potência muito importante de nossas vidas, e expressá-la é também se auto afirmar em nossa natureza básica e, portanto, também é política. E, nesse disco, expresso minha sexualidade de forma inédita até então”.
“Como homem cis gay, me permito falar com abertura, prazer e também me colocando politicamente em relação à isso. No fundo, acho que a mensagem principal do disco é sobre acender a chama da nossa potência e a chama das canções que fazemos das nossas vidas. Sobre aprender a dançar na beira do abismo, num mundo em chamas, e deixar queimar a chama do que há de melhor em nós, mesmo que as perspectivas de futuro para a humanidade neste momento sejam um tanto preocupantes”, observa.
Caetano, Hiran, Josyara
Muitas das canções compostas por Leo para o álbum evocam diversas qualidades do fogo. Ele fala de amor, de dor, de Salvador, do Brasil, de abismos, de desejo, de tesão, de potência, luta, movimento, mistério. As chamas são eróticas, políticas e, inevitavelmente, queimam com as angústias de nossos tempos.
Musicalmente, surge um pop cheio de pulso e sem muros, em que o artista retoma seu lugar como produtor musical e arranjador. Ainda sobre as suas composições, Leo afirma que não há receita para compor, que todas as suas músicas nascem a partir de uma fagulha própria e singular.
Sua mudança da cidade de São Paulo para Salvador teve um papel incrivelmente relevante para a produção do projeto. A capital baiana trouxe para o cantor um universo infinito de riquezas, cores e sabores, despertando novos desejos e novas inquietações. Das treze músicas trazidas em seu álbum, Leo destacou cinco. Em Nós Nus, ele com ninguém menos que Caetano Veloso, a baianidade em pessoa. A faixa foi lançada como single em janeiro. Além de Caetano, Leo teve o prazer de realizar mais duas parcerias para esse projeto com outros (e novos) baianos que ele admira: Hiran e Josyara.
"É difícil escolher favoritas para mim, pois cada uma tem seu lugar. Nós Nus, com Caetano, certamente é das minhas favoritas. Tudo De Tu, uma bossa nova explicitamente homoerótica, é uma que sempre me emociona. Jogue Duro é a mais autobiográfica do disco, dizendo um pouco do meu processo dos últimos anos, em que me senti profundamente perdido e desiludido, ao mesmo tempo é um levante. Amor No Front, com Hiran, é o meu xodó do momento, hino antifascista e LGBTQIAP++ que parece uma mistura de Michael Jackson com Rosalia e Lil Nas X. Deixa Queimar, que abre o álbum, e que é uma espécie de introdução ao conceito geral de Canções em Chamas“, descreve Leo.
De todo o processo do disco, o que mais marcou Leo foi, certamente, duetar com Caetano Veloso, algo que ainda o faz se beliscar de vez em quando, para ter certeza de que não foi só um sonho: “Cantar com Caetano foi algo que nunca irei me acostumar totalmente. Ele é um dos maiores gênios e artistas de todos os tempos e de todos os lugares. Ver ele cantando a letra que escrevi, dizendo o que ela diz, sobre ‘o estar nu com tudo o que se é’, é algo forte e belo demais pra mim”.
“Quando tive a ideia de chamá-lo, imaginei que fosse impossível, mas preferi correr o risco de receber um ‘não’ do que de nem ter a chance. Aconteceu que ele adorou a música e topou gravar. Mal pude acreditar. E tem tudo a ver com a música mesmo. É algo que sempre ouço como se fosse a primeira vez”, conta.
Leo também não economiza elogios aos amigos Hiran e Josyara, artistas com os quais ele não apenas se identifica, mas admira de fato: “Hiran foi o primeiro amigo que eu fiz na Bahia, desde que me mudei para cá. E foi uma paixão instantânea pela arte dele e pela pessoa. Os versos que ele escreveu de rap em Amor no Front me arrepiam sempre”.
“Com Josyara, pensei que seria perfeito vê-la cantando os versos de Abraça a brasa, Brasil, uma das mais políticas do álbum. Adoro o canto dela e pra mim ela é a maior violonista de música popular do Brasil da atualidade. Hiran e Josyara foram dois presentes que a Bahia me deu”, conclui Leo Cavalcanti.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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