MÚSICA
Marcia Short celebra mais de 35 anos de som com música nova
Novo trabalho da cantora questiona: “Que porra que fizeram com meu samba reggae”?
Por Lila Sousa*

A batida perfeita dos tambores baianos, a forte expressão dos corpos pretos e a potência vocal que ecoa uma reflexão pertinente ao Carnaval. Depois de 14 anos do lançamento do seu último trabalho, Márcia Short entregou ao público Meu Samba Reggae, uma canção inédita com produção musical e arranjos de Sebastian Notini para a composição de Vini Mendes.
“Vini Mendes, meu parceiro maravilhoso, compôs essa canção, me enviou e disse: ‘ó, só tem você pra cantar isso aqui. Na minha cabeça, sua voz é a voz’. Me senti muito honrada, lisonjeada em fazer esse chamado à reflexão de Cadê o nosso samba reggae?. Do nosso jeito peculiar de baiana, tirar riso da dor, protestar dançando e sorrindo”, ressalta a cantora.
Os 35 anos de carreira concederam a Márcia a maturidade de expressar com maestria as características do samba reggae na composição que traduz um canto ao gênero, raiz do Carnaval soteropolitano.
“É um sentimento de alegria e acolhimento, porque a realização desse trabalho foi uma junção de esforços, uma união de colaboradores em que as pessoas entendem que somos nós por nós e só vamos conseguir atravessar se formos juntos”, afirma.
Foram dois anos de produção desse trabalho que, após ter pronta a sua composição seguiu para produção com Sebastian Notini. O nome foi sugestão de Plínio Gomes, e a participação do produtor foi acolhida. “O Seba entrou como um colaborador. Como fã, um parceiro, uma surpresa muito grata, abraçou o projeto e convidou os músicos internacionais. Foi realmente uma colcha de retalhos construída com colaboração e amor”.
O single, com percussão de Anderson Souza, filho de Neguinho do Samba, ganhou um videoclipe vibrante em cores e ginga, com direção de André Ramos, Rafa Chaves e Plínio Gomes, que também assina a produção executiva do projeto. Sem esquecer de dar honra a quem tem honra, a cantora faz questão de expressar sua gratidão aos nomes que contribuíram para construção do conceito do clipe.
“A ideia era totalmente outra, que dependia de outros esforços, de outras pessoas. Repensamos e chegamos àquele resultado que eu estou tão orgulhosa, tão feliz, por nós todos, principalmente pros meninos que estão chegando agora no campo do audiovisual”, destaca.
Em cena, Márcia divide a tela com os dançarinos Dudé Conceição e Hugo Martins representando a realeza e majestade dos corpos pretos. “Dudé é meu amigo há mais de 20 anos. Nós trabalhamos juntos durante muito tempo, vi o começo da carreira dele. Conheço a força da expressão daquele corpo e sei como aquela cabeça se movimenta”.
A artista relata que, quando foi necessário refazer o conceito do clipe, queria que a expressão do corpo preto traduzisse através da dança o que estaria cantando: “Dudé, com a sua maturidade, trouxe o Hugo, que é parceiro dele. E naquela coreografia ele captou o espírito da música e trouxe no olhar, na expressão, na dança, essa indagação também”.
Acabaram com a alegria
Com um grito de protesto, a canção é introduzida: “O que fizeram com a alegria do folião?” – levando a um mergulho na musicalidade baiana que projetou o Estado para o Brasil e o mundo. Um passeio pelas ruas, blocos negros e diversidade do jeito baiano de ser. “A gente quer o nosso samba reggae de volta, ver os blocos afros no horário que a televisão está lá, queremos o bloco afro 18 horas na rua para que as pessoas que vem aqui ver nossas tradições tenham acesso a essa cultura. Porque isso é cultura”, destaca.
Márcia considera que com a chegada dos camarotes o folião foi perdendo espaço, o grito de protesto que ecoa ao longo da canção traz a tona o apagamento dos blocos afros na capital baiana.
“Quando o bloco afro passa já é de madrugada, muita gente já está em casa, está esgotada. Hoje quem carrega a bandeira do samba reggae são os blocos afros, voltamos para o colo da mamãe e do papai. Essas agremiações só passam na madrugada, que a gente vê no dia seguinte nos melhores momentos, são trechos, flashes”, menciona.
Short declara que o diálogo com o novo tornou confuso o espaço a ser ocupado pelo gênero baiano. “O samba reggae é nosso, uma referência da musicalidade do nosso povo, um traço da personalidade da nossa cidade, então eu vim perguntar: ‘que porra que fizeram com meu samba reggae?’. Queremos saber”.
O desabafo da cantora é para o folião merecidamente receber mais, com os afoxés desfilando na avenida durante o dia: “No finalzinho da tarde, quando a luz é boa. Acho que tem que ter um revezamento, pra nosso folião se alegrar. E Salvador precisa devolver a rua ao povo. Está muito espremido. Está muito apertado. Principalmente na Barra”.
Neguinho do Samba
Para Márcia, o samba reggae é o movimento que colocou a Bahia no lugar aonde está na atualidade. “Após a Tropicália, não teve nada mais importante do que o samba reggae para Bahia – e eu não estou falando de axé music, estou falando de samba reggae”.
A cantora cresceu no Engenho Velho da Federação e Engenho Velho de Brotas acompanhando nas quadras os ensaios dos blocos afros, acompanhando os tios paternos e a mãe, que a levava para ver os Secos e Molhados. E reconhece no povo a origem dos movimentos populares que dão voz a movimentos importantes que surgem a partir do samba reggae.
“Toda essa construção vem do povo”, assim a artista descreve o surgimento do samba reggae, que tem Neguinho do Samba como pai do gênero. “O que o Neguinho fez? Ouvindo o povo cantar desenvolveu aquela ritmia. São coisas que vem do povo – o que a gente fez foi harmonizar e organizar. Se tem um dono mesmo, um patrono a quem a gente deve se reportar, este é Neguinho do Samba”, afirma.
Márcia argumenta que Neguinho do Samba morreu triste, por falta de reconhecimento. “Muitos dos nossos morrem entristecidos e a gente precisa mudar essa foto. A gente precisa dar a César o que é de César. Demorou já de ter um Circuito Neguinho do Samba. Algo que fomente a Didá pra coloca-la em lugar de poder e visibilidade, porque foi ali que ele (Neguinho) saiu do Olodum e criou aquele embrião, trazendo as mulheres pra aprender línguas estrangeiras, ter empoderamento, pertencimento”, lembra.
Short defende que o nome de Neguinho do Samba precisa ocupar o lugar de direito. “Chega desse embranquecimento, dessa coisa que só convém à indústria, ao comércio”. Para a artista, cabe transformar esse legado como elemento de cultura, com informação do povo. “Quando os nossos mais novos olharem para trás, verem os nossos faróis acesos”, diz.
Meu Samba Reggae
Com boas expectativas para o Carnaval, Márcia já agitou alguns esquentas e marcou presença em shows que tinham um sedento por boa música e alegria: “Se você cantar ‘parabéns pra você’ o povo já sai dançando. Nesse Carnaval estarei em alguns palcos da cidade levando nossa música, o nosso samba reggae e eu espero que a gente se encontre nesse lugar de amor, de acolhimento, de união”.
Até junho, Márcia Short pretende lançar outra música, e conseguir aprovação para o projeto do disco comemorativo de 35 anos de carreira: “Estamos num momento de renovação. Então eu espero que essas renovações atravessem as pessoas que realmente precisam dela, que o fomento chegue para as pessoas que realmente precisam dele”.
O novo single está disponível em todas as plataformas de música.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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