MÊS DO ROCK
Rebeca Matta: "Rock é machista, mas mulheres marcam de jeito especial"
Cantora destaca a necessidade de mais políticas públicas para fortalecer a cena rock e superar marginalização
Por Matheus Calmon
Encerrando as comemorações ao Mês do Rock, a cantora Rebeca Matta, em conversa com o Portal A TARDE, reflete que para ela, o rock não é apenas um gênero musical, é uma atitude, uma afirmação de liberdade e criação que se entrelaça com suas origens musicais e a diversidade cultural da Bahia.
Desde a infância, Rebeca já se sentia conectada ao gênero, encontrando inspiração em ícones como Rita Lee, que a ajudaram a abraçar sua diferença. No entanto, a artista não se deixa restringir por rótulos, explorando novos horizontes musicais com a eletrônica.
Ao abordar a ocupação dos espaços culturais em Salvador, Rebeca destaca a necessidade de mais políticas públicas para fortalecer a cena rock e superar a marginalização que historicamente enfrenta. Com uma cena diversa, onde o rock se funde com outras influências culturais, a artista exalta a riqueza criativa e a mistura característica da Bahia.
Envolvida em constantes experimentações musicais, Rebeca enxerga a indústria musical com olhos de criadora, sem perder de vista a importância de políticas que favoreçam a arte e a cultura. Na luta contra o machismo que permeia o cenário, ela celebra o protagonismo das mulheres artistas em Salvador, citando exemplos que marcaram e continuam a estimular a cena rock soteropolitana como Pedro Pondé, a Vivendo do Ócio, entre outros.
Confira a entrevista:
Como o rock surgiu em sua vida e qual sua história com o ritmo?
O rock, mais do que um estilo, é atitude, é uma forma de olhar a vida que está muito ligada a uma quebra de padrões estéticos e moralistas. É mais uma atitude de afirmação de liberdade e de afirmação de potência de criação, que ganha uma força característica quando tipicamente une baixo, guitarra e bateria em um power trio. Com a eletrônica pude ir além do power trio, novos horizontes musicais, liberdade de criar. O surgimento do rock na minha vida passa por uma forma de pensar e desejar me expressar livremente. Adorava cantar na minha infância “Ovelha Negra” da Rita Lee. Me sentia como ela. Eu queria assumir a minha diferença e não sabia ainda como. A Rita me ajudou a pensar isso. Essa é uma força própria do rock, de provocar mudança, de favorecer e estimular a diferença que somos, de transgredir e de enfrentar tudo que possa nos impedir. Porém eu não me defino como uma roqueira, embora o rock esteja presente em todos os meus discos. Nunca me apeguei a rótulos e mantenho aberta a minha liberdade de criar, desde que seja algo intenso.
Como você avalia a ocupação dos espaços culturais pela música rock em Salvador?
São sempre espaços pequenos e não são muitos, também. O Rio Vermelho ainda é o bairro que mais abraça a música que chamamos “alternativa”. O Pelourinho também e outros espaços que na maioria das vezes possuem uma estrutura menor, que não favorece a apresentação, perdendo em qualidade. Existe pouca abertura para políticas públicas que favoreçam o crescimento dessa cena aqui na Bahia. Acho que há uma marginalização evidente, comprovada historicamente, por exemplo, quando no carnaval o palco do rock fica sempre bem distante dos circuitos oficiais, tendo menos qualidade de som, menos visibilidade e menos segurança. São questões que precisam da atenção dos órgãos públicos ligados à cultura.
Como considera que o rock se entrelaça com a diversa cultura baiana?
Existem experiências dentro do rock na Bahia que são mais carregadas no próprio estilo, mas sempre com aberturas em outras direções. A banda Cascadura, por exemplo, sempre foi aberta a outros ritmos e estilos. Bandas como a Crack, a Inkoma (banda de origem da Pitty), Dois Sapos e Meio (que foi muito cultuada por aqui no final dos anos 90, tendo o Peu Sousa como guitarrista e compositor). Eram bandas mais ligadas ao funk metal, ao punk e já se abriam para o hip hop, o rap. A Rabo de Saia, com Lanlan e Márcio Melo, tiveram um lugar muito especial na cena, assim como Márcio Melo com sua carreira solo de punk romântico. Havia outras bandas que também mesclavam sons, como a Catapulta, misturando sons e ritmos, com elementos da capoeira, do candomblé e do hardcore. Lampirônicos, que trazia mais regionalismo, xote, baião e outros elementos, afro beat e a guitarra baiana, é outra que também foi influenciada pelo Manguebeat, que foi um movimento fortíssimo de contracultura e muito rock n' roll! Mas uma banda como Nação Zumbi parece-me estar muito mais ligada à liberdade da experimentação e de afirmação de nossa cultura do que preocupada em carregar uma bandeira do rock. E essas experiências anteriores foram fundamentais para o surgimento do Baiana System, por exemplo, trazendo junto rock e muitas influências do carnaval de Salvador e da nossa cultura musical de forma mais ampla. E nós todos, antes, bebemos da fonte que surgiu com o Tropicalismo e com os Novos Baianos ou com o próprio Raul Seixas. Somos esse caldeirão quente de criação.
Bandas foram surgindo assim e há muitas que nem citei. Há uma diversidade e muita riqueza criativa. Se entrelaçam quando permanecem abertas a essas fusões e experimentações, que fazem parte da nossa forma de ser e sentir a música. Faz parte da nossa cultura. Aqui na Bahia, tudo se entrelaça, tudo se mistura e surge sempre algo que escapa dos formatos e estilos, dos rótulos, possibilitando que o rock não seja um estilo fechado, mas algo aberto para outros afetos e ritmos que possam surgir.
Quais suas experiências, desafios e perspectivas na indústria musical em Salvador?
O desafio, para mim, sempre está mais relacionado ao meu processo de criação, do que qualquer outra coisa. O que eu posso experimentar com a música? Como? Quais os aliados e parceiros? É sempre um desafio para mim. Tenho criado muito e ao mesmo tempo, tenho aprendido e compreendido mais ainda. Durante a pandemia, criei muito, muita música, estudei muita coisa. Então, sinto a necessidade de experimentar, de sentir algo novo. Eu nunca pensei em termos de carreira, de mercado, de indústria. A arte digital, a música eletrônica, as novas tecnologias, me interessam. Como criadora, vou continuar me reinventando. Hoje a gente vive em uma aceleração constante. Tudo acontece e passa muito rápido. Às vezes é assustador, mas isso é também fascinante. A internet, os novos meios de divulgação, os streamings, as conexões facilitadas, escancaram um mundo paralelo, independente do espaço físico em que a gente mora. Daí, é preciso se mover desse lugar não físico para o outro, ocupar a cidade, encontrar os apoios e conexões necessárias para produzir, aprendendo como lidar com esse novo contexto, que muda o tempo todo. É preciso estar atento. Antes a gente dependia muito de selo, de uma gravadora. Isso foi mudando e hoje o que precisamos é continuar com as políticas públicas favorecendo a arte e a cultura que foram muito desfavorecidas no ultimo governo e também encontrar o caminho dos algoritmos e das ressonâncias nos afetos saindo para o campo físico. Salvador é uma das cidades mais calorosas e sensíveis para a música que eu conheço. É uma cidade especial. É preciso apostar e investir na sua diversidade sempre, e alguns gestores públicos mais sensíveis estão percebendo e fomentando isto.
E como avalia a presença do protagonismo das mulheres na cena, rock soteropolitana?
Sinto muito forte a conexão com as mulheres artistas aqui. O rock é bem machista, mas muitas mulheres, como a Pitty, a Larissa Luz (que começou com uma banda de rock também), Lanlanh, a banda Penélope, a Andrea Martins, Nancyta, a banda Lilith, Dirty Dolls, Thathi, Lorena Martins, são exemplos que marcaram ou ainda marcam de maneira especial essa cena e certamente estimularam muitas outras mulheres em suas produções musicais.
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