ADMIRÁVEL CHIP NOVO
Vinte anos após, Pitty traz show de primeiro disco a Salvador
Repertório completo do álbum estará em show gratuito no Rio Vermelho neste domingo, 17
Por João Paulo Barreto | Especial A TARDE
A noite do Rio Vermelho, no Largo da Mariquita, voltará às suas raízes rockeiras neste domingo, 17, a partir das 19h, com um show gratuito da cantora Pitty. Em 2023, ela comemora duas décadas do lançamento do petardo Admirável Chip Novo, disco que a projetou nacionalmente no começo deste século. Parte da turnê ACNXX, o concerto é um retorno de Pitty aos palcos de sua cidade natal e acontece de modo muito simbólico em um dos bairros que mais serviu de celeiro da cena roqueira aqui em Salvador.
Na ocasião, o disco será tocado na íntegra por Pitty e sua banda. Mas o evento, como bem frisa sua divulgação, não é um convite à nostalgia, mas, sim, uma visita àquelas canções dentro do que elas representam hoje. E, de fato, o diálogo que as letras de Pitty, escritas há vinte anos, não passa despercebido quando travado diante da geração atual.
Sobre esse alcance diante de uma geração nova, Pitty, em entrevista ao A TARDE, demonstra admiração e felicidade por suas letras ainda travarem esse diálogo atual. “Tenho observado, tenho sido espectadora dessa reação, dessa reflexão e do efeito que esse disco tem hoje, vinte anos depois. Eu procuro observar, entender, e fico admirada e muito feliz dessas letras e dessas canções terem atravessado esse tempo com tanta saúde, digamos assim. Com tanta contemporaneidade para muitas pessoas. Uma coisa que não imaginava quando fiz o disco", destaca.
É importante salientar como as mudanças nas últimas duas décadas desde 2003 também se somam a essa reflexão. Ao observar o contexto em que Pitty despontou para o cenário rocker brasileiro, em uma época em que as redes sociais não existiam, tampouco os smartphones, e a internet ainda engatinhava, impossível não pensarmos no impacto de Admirável Chip Novo à época e compará-lo aos dias de hoje, com as audiências que, na maioria das vezes, assistem aos shows pelas telas dos seus celulares, mesmo presentes em plateias ao vivo. Pitty, que iniciou sua carreira nos palcos bem antes da fama de seu primeiro disco, comenta essa tendência de público, mas frisa um respeito pela liberdade de cada pessoa.
“Há um movimento de muitas bandas, inclusive, pedindo ou, pelo menos sugerindo, propondo. Eu gosto dessas palavras mais gentis em relação a lidar com o outro e com as escolhas dos outros, do público. Não vou mandar ninguém fazer nada. Não vou dizer: 'façam isso!' Quem sou eu? Não sou a dona da verdade", pontua.
“Mas gosto dessa proposta de bandas que sugerem isso e sou entusiasta desse lance de incentivar as pessoas a assistirem ao show, a olhar para o palco, a viver aquela experiência no momento e não assistir ao show através de uma tela. Mas, de novo: são as experiências que as pessoas escolhem viver. Algumas pessoas, não todas. Cada um faz as suas escolhas e tudo bem”, observa.
O show
Sobre os dois momentos nessa linha temporal e como a comunicação, além das formas de interação entre artista e audiência, mudaram no decorrer dessas duas décadas, Pitty destaca que o show de amanhã usará essa tecnologia da comunicação de forma, justamente, a criar esse diálogo entre as duas épocas. Mas tudo isso sem preciosismo ou saudosismo. “Eu me considero bastante entusiasta da tecnologia. Ela proporciona coisas incríveis. A comunicação e tantas outras coisas mudaram demais. Isso está no show ACNXX“, contextualiza a artista.
“O conceito para montar a turnê é também trazer as pessoas para aquele lugar de comunicação. Então, eu uso, no show, interlúdios em áudio. Optei por utilizar muito mais recursos auditivos e tecidos, por exemplo, na cenografia, e fugir um pouco daquela coisa imagética, tecnológica, 4K, enfim. Eu queria trazer as pessoas para esse universo da comunicação, sem dizer que aquilo é melhor ou pior, mas situar as pessoas no tempo que esse disco foi feito. Como ele foi enviado, por exemplo. O roteiro foi montado desse jeito para que as pessoas passeiem pela história do ACN. Então, vou dar um spoiler já: o show começa com um telefonema de mim para Rafael (Ramos, produtor) dizendo que eu ia mandar a demo. Daí começa a história”, afirma Pitty.
Mudanças midiáticas
Independente de sua proposta como turnê, a ACNXX acaba por permitir uma reflexão sobre os rumos que o mercado musical tomou desde 2003, seja com a internet passando a dominar os meios de divulgação, o streaming sendo a nova forma de consumo e a TV perdendo protagonismo em relação ao que se propõe como mídia. Pitty reflete sobre tais mudanças. “Realmente, nessas duas décadas, passamos por muitas mudanças em termos de comunicação, tecnologia, informação, e acho que todas as mídias passaram por transformações enormes. Os formatos também foram mudando. Hoje, tem menos revistas impressas, tem as redes sociais. É tudo mais no digital. A mídia, hoje, não está concentrada só na mídia. As pessoas também são a própria mídia”, observa.
“Acho que essa foi a grande mudança com muitos desdobramentos. Por um lado democratiza, por outro lado não tem mais uma curadoria. São milhares de músicas colocadas nos aplicativos de música diariamente. Então, onde você vai dar seu clique? Para o que você vai dedicar seu tempo? E aí as estratégias vão mudando. Hoje, as pessoas têm investido muito mais no marketing visual, digital e em fotos do que, necessariamente, na música, eu acho. O que é uma pena. Mas, ao mesmo tempo, acredito que a música boa sempre prevalece e atravessa os tempos", explica.
Maturidade
Aos 45 anos, encarando uma turnê de comemoração de duas décadas de seu primeiro trabalho (e com cinco discos solo no currículo, além do duo Agridoce, ao lado do guitarrista Martin Mendezz), Pitty responde aqui a uma pergunta um tanto introspectiva: O que você diria àquela Pitty de vinte e poucos anos batalhando em um cenário rocker como o de Salvador? Sua resposta acaba por trazer uma coragem inerente àqueles que se arriscam.
“Cara, não sei. Acho que diria: 'Só vai! Continua tendo coragem, apesar de tudo apontar para o avesso'. Tudo apontava para o lado contrário. Absolutamente tudo. O lugar onde eu nasci; o tipo de música que me encanta; a arte que me toca; o que escrevo; o fato de não ser necessariamente popular, fácil; o fato de ser uma mulher; o fato de ser uma mulher nordestina. Tudo me apontava para o lado avesso. Parecia, realmente, uma coisa absurda e impossível", relembra a cantora.
Como se vê, nem tudo foi apenas encorajamento. “E me foi dito, obviamente, muitas vezes: 'você está apostando numa coisa que não existe. Você esta perdendo seu tempo'. E também minha condição social. Eu não tinha, ali, grana nem condições para ficar brincando de ter banda. Eu trabalho desde os 14 anos. Eu me sustento desde muito nova. Saí de casa muito nova. Então, não tinha tempo de bancar isso como um hobby. Não podia ter uma banda de final de semana. Então, foi uma aposta. E que bom que funcionou porque eu não sei o que seria de mim. Sou muito grata por viver de rock no Brasil, que eu digo que é o underground do underground. E pretendo continuar fazendo isso. Tentando aprender cada vez mais e contribuir cada vez mais para criar arte e música”, comemora. Vida longa!
Pitty: ACNXX / Amanhã, 19h / Largo da Mariquita (Rio Vermelho) / gratuito
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