LUTO NO TEATRO
Morre dramaturgo Zé Celso, após incêndio em São Paulo
Dramaturgo, considerado um dos maiores do país, guardava relações de afeto com a Bahia
Por Da Redação
Morreu, aos 86 anos, na manhã desta quinta-feira, 6, o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, vítima de um incêndio em seu apartamento. Ele estava internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, desde a manhã de terça-feira, 4, dia em que as chamas atingiram o imóvel, e teve quase 60% do corpo queimado.
Segundo testemunhas, o fogo começou no quarto do artista, que dormia após trabalhar a noite toda. No apartamento, moravam Zé Celso e o marido, Marcelo Drummond, além dos atores Victor Rosa e o baiano Ricardo Bitencourt. Os três sofreram queimaduras ao socorrer o dramaturgo, que tem problemas de mobilidade.
O cachorrinho do casal, Nagô, saiu da clínica veterinária e não apresenta lesões graves. O animal de estimação está sendo cuidado pelas irmãs de Zé Celso.
A polícia investiga se o fogo começou no aquecedor, que estava ligado no quarto de Zé.
Histórico de sucesso
Nascido em 1937, na cidade de Araraquara, São Paulo, Zé Celso é considerado um dos principais dramaturgos do país. Ele foi o fundador do Oficina, um dos maiores e mais conhecidos grupos teatrais no país.
Criada em 1958, ao lado de Amir Haddad, Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap e Ronaldo Daniel, a companhia com sede na capital paulista ficou marcada pelo uso de uma linguagem teatral definida pelo próprio Zé Celso como "pulsão dionisíaca". Entre os anos 1960 e 1970, a trupe começou a incomodar o governo pelas montagens que traziam grande interação com o público e quebravam tabus, ao ironizar normas sociais.
Em 1974, ele foi censurado e preso pela ditadura militar, indo, em seguida, para Portugal, onde dirigiu um documentário sobre a Revolução dos Cravos e a independência de Moçambique. Quatro anos depois, o dramaturgo voltou para o Brasil e se dedicou ao Oficina.
Zé Celso chegou até a cursar Direito, mas foi a Arte quem lhe conquistou. Ele é tido como um verdadeiro mestre por artistas diversos, entre eles, Reynaldo Gianecchini, Julia Lemmertz e Alanis Guillen.
No ano passado, ele dirigiu a peça "Fausto na travessia brasileira", uma releitura da obra do dramaturgo britânico Christopher Marlowe. Um dos seus últimos trabalhos foi o livro "A origem da tragicomédiaorgya no corpo da música: di-ti-sambo", que vinha escrevendo em parceria com Beto Eiras.
José Celso estava casado há um mês com Marcelo Drummond.
Afeto na Bahia
Zé Celso guardava diversas relações de afeto com a Bahia. O ator baiano Ricardo Bitencourt morava no apartamento do dramaturgo e estava com ele no momento do incêndio. A parceria dos dois começou nos palcos: Ricardo atuou por mais de uma década no Teatro Oficina sob a direção de Zé Celso Martinez.
Ricardo foi um dos integrantes do cultuado grupo teatral baiano Los Catedrásticos, fundado em 1989, na Faculdade de Teatro da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A companhia surgiu com o intuito de ser um anti-besteirol à época em que o axé music ganhava força na Bahia.
Zé também era um grande amigo e admirador do baiano João Gilberto, um dos ícones da bossa nova. Em entrevista à Revista Continente, ele disse que amava o juazeirense e destacou a importância de suas performances ao trazer a corporalidade para a criação artística.
“O canto de João Gilberto, vindo do corpo, das cordas vocais, do coração e do sexo, é uma presença visível. A voz dele é um corpo que ele deixou gravado. Ele era uma figura maravilhosa que construiu um outro dele”, destacou.
Tragédias recorrentes
No entanto, o incêndio que matou Zé Celso não foi o primeiro que o atingiu durante a sua trajetória. Em 31 de maio de 1966, o Teatro Oficina pegou fogo, após um curto-circuito no teto.
Na época estava em cartaz o espetáculo "A criação do mundo segundo Ary Toledo", de Augusto Boal. Cerca de 80 artistas se reuniram em frente ao teatro em ruínas na manhã do dia 1º de junho, e decidiram que seriam realizados dois espetáculos com a finalidade de angariar fundos para a reconstrução do prédio: um musical, sob orientação de Ary Toledo, e um humorístico, dirigido por Jô Soares.
Dois anos depois, os teatros que apresentavam "Roda Viva", peça de Chico Buarque dirigida por Celso, acabaram retaliados, devido ao caráter questionador da obra, que irritava o regime militar e seus apoiadores. No Teatro Princesa Isabel, no Rio de Janeiro, conservadores agrediram parte do elenco e destruíram o cenário. Já no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, a sala Galpão foi invadida pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC), que também depredaram o local, agrediram os artistas e danificaram equipamentos. O elenco foi agredido ainda em Porto Alegre, antes da exibição, no hotel onde estava hospedado.
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