TELEVISÃO
"Edgar é um dos personagens mais difíceis que já fiz", diz Caco Ciocler

Por Amanda Silva | A TARDE SP

A paixão de Carlos Alberto Ciocler (Caco Ciocler) pela dramaturgia surgiu aos 12 anos, quando passou a fazer parte do mundo teatral. Alguns anos depois entrou no curso de engenharia química, na Universidade de São Paulo (USP), porém, em paralelo, não abandonou o mundo da arte. Aos poucos, percebeu que a carreira como engenheiro não era para ele. Foi assim que, quatro anos depois, decidiu largar o curso de engenharia e entrar de cabeça na atuação.
Fez parte de diversas produções cinematográficas, televisivas e também de peças teatrais. Em decorrência disso, foi indicado a grandes prêmios, como o Hollywood Brazilian Festival e o da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), sendo vencedor de ambos. Seu próximo personagem, Edgar, estará presente na nova novela da Rede Globo, O Segundo Sol. Na entrevista a seguir, Caco conta um pouco do personagem, dos desafios para interpretá-lo e também fala um pouco de como foi sua primeira experiência como autor no romance Zeide, que, com um texto emocionante e bem-humorado, conta a trajetória de uma família judaica no Brasil.
Conte um pouco aos leitores de A TARDE sobre Edgar, seu novo personagem.
Edgar é um dos personagens mais difíceis que já fiz. Um tipo complexo, com características aparentemente inconciliáveis. É um cara folgado, que nunca trabalhou na vida, mora ainda com os pais, embora já seja casado. Ao mesmo tempo toca piano, adora música clássica, é sensível. Um cara que vive sendo humilhado pela família, mas que se sente potente para conquistar pessoas. Um pouco raso, bobo, machista, mas que adota uma filha por quem é muito afetuoso e dedicado. Enfim, são características aparentemente difíceis de conciliar se você não aprofunda e tenta achar uma bela de uma liga coerente para elas. Então meu trabalho tem sido esse, achar essa liga, uma liga que faça tudo fazer sentido e que seja ainda carismática, para que o público possa gostar de Edgar.
Como você acha que será a recepção do público?
Edgar vai fazer muita besteira, mas não queria que o público sentisse raiva dele. Ao contrário, queria que sentisse compaixão, que ficasse o tempo todo torcendo para ele não cair no próximo (e inevitável) buraco.
Quais foram as mudanças mais drásticas na sua dieta para poder dar vida ao personagem? Tem alguma comida pela qual é apaixonado e teve que abrir mão?
Praticamente tirei todo o carboidrato e o açúcar, até das frutas. A única fruta que podia comer era o morango. Mas não fiz isso apenas para dar vida ao personagem, para isso a gente faz outro tipo de coisa. Ao contrário. Fiz isso para tirar a vida de mim. Para mudar, ter outro corpo, para matar um pouco de mim em mim.
Edgar, pelo que parece, é "vilão", mas no fundo tem uma alma sensível. O que as pessoas podem esperar desse seu novo trabalho?
Não acho que ele seja um "vilão". Acho que ele também é vítima. Vítima de uma educação construída para a manutenção oligárquica daquela família. É um privilegiado que nunca teve sequer que pensar em esforço. Então não cresceu, não suou, não apanhou. Tem uma boa alma, mas muito limpinha ainda, sem cicatriz, entende? Vai ter que apanhar um pouco para crescer.
A trama acontece na Bahia. Quais particularidades são encontradas ao interpretar personagens regionais?
Depende do caso. Sempre foi dito para nosso núcleo, a família Athayde, que éramos os representantes da poderosa elite rica branca baiana. Uma elite que manda seus filhos para faculdades em países da Europa ou para os Estados Unidos, que não frequenta praias se não forem as particulares, que tem motorista e que, inclusive, faz questão de falar com pouquíssimo sotaque. Então é uma gente regional que fica querendo não parecer regional.
Você já conhecia a cultura baiana? O que gosta mais?
Claro que sim. Gosto da demora, do sossego, da rede, do peixe, do acarajé, da ginga, da cocada e da alegria.
Na trama, seu personagem descobre que é irmão de Roberval, que é filho da empregada doméstica e negro. Por outro lado, Edgar é branco, rico e estudado. Como ele lidará com essa situação?
Essa história é linda. O João, com sua genialidade, colocou esses dois vivendo como irmãos, na mesma casa, desde sempre, sem saber o que eram de fato. Na hora de dormir, porém, um ia para o quarto de empregada e o outro para a "casa-grande". Então, quando tudo escancara, quando a verdade é colocada na mesa, a revolta de Roberval é muito violenta, porque ele passou a vida assistindo de longe Edgar viver uma vida que ele também desejava, mas não sabia que tinha direito. Eu não sei quando e nem como o Edgar vai descobrir isso, muito menos como vai reagir.
Muitos dizem que não há mais racismo no Brasil, porém diariamente vemos e ouvimos relatos que contradizem esta afirmação. O que você acha que falta nas pessoas – ou no Brasil – para que este pensamento tenha fim?
Falta a gente, que é branca e branco, ficar quieto e ouvir o que as negras e os negros têm para nos dizer.
No final do ano passado você lançou seu primeiro livro. Como foi essa primeira experiência no mundo da literatura?
Foi como toda grande experiência, maravilhosa, extenuante, regada a choro, a risos e muito suor. Noites mal dormidas, noites bem dormidas, noites em branco. Medos, coragens e revisões infinitas, mas agora acabou. O riso, as lágrimas e o afeto que ele desperta ficarão a cargo agora de quem se interessar a ler. Chama-se Zeide e foi lançado pela editora Planeta. Está disponível nas melhores lojas e sites.
Há planos para o segundo?
Planos há, mas a muito longo prazo.
Você cursava engenharia química na USP e já no quarto ano decidiu largar para investir nas artes cênicas. Como foi essa transição?
Eu já fazia teatro amador desde os 12 anos e sempre foi uma atividade que me consumiu muito tempo, dedicação e energia. Porém, com 17 anos, a gente é meio obrigado a escolher algo para ser quando crescer e, com essa idade, eu não tinha nem maturidade e nem coragem para assumir que queria viver do teatro. No meio da faculdade de engenharia ingressei na EAD (escola de arte dramática da USP). Cursei as duas escolas ao mesmo tempo. A engenharia foi fazendo cada dia menos sentido. Já trabalhava dando aula de teatro, mas fazia estágio em uma empresa. Ainda morava na casa dos meus pais, dependia financeiramente deles. Não sabia muito bem como resolver essa equação da minha vida. Então, joguei para o universo resolver para mim. Até que em 1995 fiz minha primeira peça profissional, um infantil, e ganhei meu primeiro prêmio. Nesse elenco conheci a mãe de meu filho e descobri que seria pai. Uma semana depois dessa descoberta, recebi um convite para um teste para uma novela e passei. Era O Rei do Gado, da Rede Globo. Por esse trabalho recebi o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) como o ator revelação do ano. Ou seja, o universo resolveu a conta para mim.
Atualmente boa parte dos jovens segue determinada carreira apenas para agradar aos pais ou à sociedade. Não fazem o que gostam por medo. Qual seu recado para essas pessoas?
Seria: meus amigos, desculpa informá-los, mas não existe muito mais coisa do que a vida que vocês têm. Então, ou vocês usam seu tempo para se conhecer, para conhecer o que vocês são e do que vocês gostam, e a outra metade do tempo usam exercitando coragem para se tornarem aquilo que vocês querem, ou vocês vão acabar ficando tristes, raivosos, frustrados e vão passar por aqui sem terem aproveitado a viagem.
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