TELEVISÃO
Na linha de frente o talento de dois grandes atores

Por Débora Rezende* l Especial para A TARDE

Durante o lançamento da série O Mecanismo, a pergunta que não quer calar, logo é levantada: seria essa uma nova narrativa em que a esquerda é perseguida pela direta? Ou na qual a direta é vilanizada pela esquerda? O diretor José Padilha discorda, salientando que partidos de todas as ideologias são alimentados e financiados pelas grandes organizações.
“Essas empresas financiam todos os partidos”, categoriza. “Deixam claro que o fato de dar dinheiro nada tem a ver com políticas públicas ou ideologias. A Lava Jato é um fenômeno histórico. Eu não compro nem a esquerda nem a direita, nunca comprei”.
É assim, propondo um afastamento do cabo de guerra entre partidos, que a série intenta falar de um modo mais amplo sobre como toda essa estrutura é montada. “Essa série tem uma característica. É muito fácil explicar polícia e ladrão. Mas fazer uma série sobre lavagem de dinheiro requer uma explicação”, diz Padilha.
Primeira temporada
Com oito episódios na sua primeira temporada (os chefões da Netflix ainda não confirmaram a segunda), O Mecanismo quer mostrar motivações, caminhos e desenrolares, sempre a partir de uma visão dramática. É, vale lembrar, uma obra de ficção que os representantes do streaming acreditam ter relevância lá fora.
“Tem muita coisa acontecendo no Brasil agora e temos muitas oportunidades”, expõe Erik Barmack, responsável pelo conteúdo original da Netflix. “Essa história [de O Mecanismo] é totalmente importante para a gente. No Brasil, é muito relevante. Boas histórias podem vir de qualquer lugar”.
Ele promete ainda que, nos próximos anos, uma média de 10 a 12 seriados nacionais estarão disponíveis no streaming, um dado referente às temporadas que retornam e também aos novos shows.
“Nós temos problemas de corrupção na América Latina”, afirma ele, que acredita que a série tende a ser um sucesso fora das nossas fronteiras. “De certa maneira, é uma história global”.
A potência da série como hit global é algo que Daniel Rezende, que dirige alguns episódios da série ao lado de Padilha, defende. “É uma história que não conecta só nós brasileiros como todo mundo que passa por esse mecanismo. O bom dessa série é que ela dá espaço para muitas temporadas, não acaba”.
De fato, o que não falta na história do Brasil é casos de corrupção e desvios. Coisas com as quais até House of Cards concorda que não dá para competir.
A figura da mulher
Em um cenário de política, ministérios, empresas globais e polícia, a figura feminina se esconde nas narrativas tradicionais. Não é o caso. Aqui, quem comanda as operações quando a série avança para 2013 (o motivo, não vou te dar spoilers. Veja a série dia 23), é a delegada Verena. “É uma satisfação pessoal”, conta a intérprete Caroline Abras, destacando tanto o fato de a personagem ser protagonista quanto o que ela representa frente à uma narrativa feminista.
Mulher na polícia em cargos de poder, diz, “ainda tem esse estranhamento”. Verena, no entanto, “não se masculiniza. Quando a personagem apareceu, isso me chamou muita atenção. A minha artista queria falar sobre isso. Ela pode ser jovem, feminina e tudo bem”.
Verena comanda operações, passa por cima de ordens de policiais corruptos e não se mostra masculina, não segue esse estereótipo. “Ela me provocou muito enquanto mulher. Experimentei muitas mulheres na Verena”.
Outras figurass fazem parte do destaque da trama. Uma é Susana Ribeiro, que interpreta a esposa de Ruffo e fala sobre os medos e perigos de ser casada com um delegado da polícia federal. A outra é Alessandra Colasanti, cuja personagem ajuda o doleiro Ibrahim na contabilidade da lavagem de dinheiro. Cada uma ao seu modo, elas vivenciam dores de amores e as consequências das suas escolhas.
Caim e Abel
Além da personagem de Caroline Abras, o centro se divide com a relação de ódio e fascínio de Ruffo e Ibrahim. A perseguição, o escárnio e a briga de egos fica evidente em cena e é fruto do trabalho de Selton Mello e Enrique Diaz.
“O Ibrahim não está nem aí para isso e acha engraçado o modo como ele quer mudar o mundo”, comenta Diaz. Seu personagem, o doleiro, é sarcástico, zomba das tentativas de Ruffo de extirpar a corrupção do sistema político do Brasil.
Para Selton Mello, o personagem é a oportunidade de adentrar em um tema que, desde quando o pai colocava para longe o caderno de política do jornal, não conhecia muito. “Desvendar toda uma sujeira que estava debaixo do tapete e, por sinal, não começou ontem. Estou crescendo muito fazendo esse trabalho”, diz o ator.
A maneira como os dois personagens interagem é de grande destaque em O Mecanismo. Gera empatia, a caçada diverta e causa indignação à mesma medida. “Para mim, é uma mistura de Caim e Abel com Tom e Jerry”.
Seria essa, afinal, uma boa definição da própria política brasileira?
*A colunista viajou à convite da Netflix para o lançamento da série
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