MÚSICA
Documentário celebra trajetória de Rogério BigBross na cena underground baiana
“Bahia Underground” contará a história do produtor cultural que marcou gerações
Por Maria Raquel Brito*

Produtor cultural, agitador incansável e um dos ícones da cena alternativa baiana. Bastam poucas palavras para que qualquer admirador da cultura underground do estado saiba a quem elas se referem: o nome é Rogério Pereira Brito, o Rogério BigBross, que, à frente do selo BigBross Records, vem desde os anos 1990 lançando álbuns, organizando shows e abrindo caminhos para novos artistas.
É com o objetivo de celebrar essa trajetória que surge o documentário Bahia Underground - A Saga de Rogério BigBross, com direção de Nêio Mustafa, co-direção de Pedrinho Semanovschi e assistência de fotografia de Sora Maia.
O filme, que será rodado em Salvador em setembro deste ano, promete um mergulho na vida e na obra do produtor, contando a história de Rogério a partir de suas memórias, locais icônicos e depoimentos de parceiros, amigos e artistas que passaram pela sua vida e pelos palcos alternativos de suas produções.
“Acompanho a trajetória de Rogério há muito tempo, mesmo à distância, e sempre me impressionou sua persistência e a força com que construiu espaços para a música alternativa no Brasil. Contar a sua história é, de certa forma, também contar a saga de toda uma cena cultural que resistiu, inovou e deixou marcas profundas”, conta o diretor Nêio Mustafa.

Para Pedrinho Semanovschi, Rogério é um símbolo de resistência no universo underground. “Ele inspira muitas bandas continuarem a carreira num mercado que parece não ter espaço para música dita ‘não comercial’” diz o co-diretor, que conhece BigBross desde os anos 1980, quando frequentava shows de bandas punk nas periferias e no centro, muitos dos quais produzidos pelo próprio BigBross.
A ideia de realizar o documentário nasceu dentro do projeto audiovisual “Histórias de Vida”, idealizado por Mustafa, através do qual registra trajetórias de personalidades notáveis e suas contribuições para a cultura e para a sociedade. Desde que começou a tocar o projeto, já fez filmes sobre Willyams Martins, Eduardo Tavares, Lúcio Mustafá e Ednilson Sacramento – estes dois últimos circulando em festivais internacionais e disponíveis em seus respectivos sites de divulgação.
Se os resultados são gratificantes e essenciais para manter viva a memória de importantes nomes do cenário alternativo, dar vida aos títulos que integram o projeto de maneira autoral é um desafio. Pensando nisso, Mustafa lançou uma campanha de financiamento coletivo para o filme, por meio da plataforma Catarse, com o valor mínimo de apoio de R$ 10.
O objetivo é chegar a R$ 37.361 até o dia 7 de setembro – até o momento, com o apoio de 94 pessoas, a campanha arrecadou R$ 12.306.
O valor arrecadado já viabilizou parte da primeira etapa do projeto – vinda da equipe de São Paulo a Salvador, cobrindo custos básicos como passagens aéreas, hospedagem, transporte, alimentação e materiais necessários para a captação das imagens. Agora, a meta é cobrir a pós-produção: edição, correção de cor, trilha sonora, recursos de acessibilidade, legendas em português, inglês, francês e espanhol, além da inscrição em festivais e o lançamento oficial em Salvador e em São Paulo. O orçamento detalhado também pode ser visto na página da campanha. (www.catarse.me/bahia-underground)
“Fazer um filme autoral, sem editais ou grandes financiamentos, é uma tarefa que exige mais do que técnica: exige vocação. Cada integrante da equipe fez, em sua trajetória, a escolha pela arte como forma de vida – e isso, em um mundo marcado pelo ‘ter’, é um gesto raro”, diz o diretor.
Para os próximos passos, segundo Semanovschi, as expectativas da equipe são as melhores possíveis. “Somos uma equipe pequena, adaptada para o custo do projeto. Vou fazer a Direção de Fotografia e a co-direção e ser o motorista também. Todos estão fazendo mais de uma função para poder realizar esse filme. Mas somos uma equipe underground de velhos amigos e vamos encarar esse trampo com muita alegria”.
BigBross, a força propulsora

A história de Rogério BigBross com a música é antiga. Primeiro, ainda no início dos anos 1990, tocou nas bandas Obliteration e Chemical Death. Mas sentia uma inquietação: na cidade não tinha lugares para o que ele gostava de fazer. A questão foi como proceder depois disso – e a resposta veio rápido. Abriria seu próprio caminho.
“Tudo que fiz na vida foi desse jeito: quando eu não gostei de um festival, comecei a produzir um. Quando as gravadoras não se interessavam pelas bandas da cidade que eu gostava, eu montei a minha. E rodei a Bahia e o Brasil todo, em cada oportunidade que tive, mostrando esse rock para os outros. Eu era um divulgador não remunerado do que eu acreditava. Simplesmente fui fazendo e não parei mais”, relembra.
Mais de três décadas e muito chão depois, Rogério vem acumulando histórias com artistas baianos e de fora do estado – assim como homenagens nos mais variados formatos. Sem dar muitos spoilers do que o público verá no documentário, ele cita um momento que ficou marcado em sua mente.
“Teve coisas que me emocionaram muito, como na Feira da Música de Fortaleza de 2015, quando fizeram um gibi surpresa em que represento um anti-herói que ajuda uma banda nova em sua saga. Tenho muito afeto por isso até hoje”, conta.
"Ainda estou vivo"
Esse pioneirismo e a vontade de unir amantes do rock por um bem maior foram alguns dos elementos que chamaram a atenção de Nêio Mustafa para a história de BigBross.
“Em uma postagem de Rogério no Facebook, ele escreveu algo que me marcou muito: ‘nós nos tornávamos amigos apenas pela camisa da banda que o outro usava’. Essa frase simples, mas profunda, revela um tempo em que a amizade era construída sobre afinidades genuínas, sem colocar em primeiro plano diferenças de classe, cor ou poder aquisitivo. Esse espírito de união e autenticidade é, para mim, matéria-prima para a arte e reflexão que precisamos resgatar. Registrar a trajetória de Rogério é também deixar um legado para as próximas gerações, lembrando que cultura e amizade são forças de transformação social”, diz Mustafa.
Semanovschi concorda. Para ele, o documentário é muito simbólico, uma vez que contará a história de uma pessoa que se dedica verdadeiramente à cena independente. “Um cara que representa uma geração, talvez duas gerações de resistência de um universo de sonhos joviais e rebeldes, de guitarras e batidas pauleiras, de músicas com letras simples mais verdadeiras, de jovens inconformados com o velho acordo hipócrita de uma sociedade violenta e decadente. Rogério para mim é isso, um símbolo da contracultura e um símbolo de ‘não desista’. Penso que contracultura também é cultura e essa história tem que ser contada”, defende.
BigBross conta que nunca se sentiu tão privilegiado como ao ficar sabendo do documentário, que reflete a disposição de outras pessoas da cena a celebrar sua vida e obra e deixá-las registradas para as próximas gerações através do audiovisual. Ao longo dos anos, participou de projetos em homenagem a outros agitadores país afora, que descreve como “vários BigBross espalhados pelo Brasil”, e diz ser cobrado por amigos baianos e de fora do estado para contar suas próprias histórias em um livro.
Segundo o produtor cultural, esses depoimentos que sempre recebe já mostravam que ele tinha um legado, mas não imaginava que este legado fosse tão importante para tantas pessoas queridas.
“Poder eternizar isso para novas e saudosas gerações não tem preço. Acho que ainda tenho muita vida pela frente e das tantas perguntas que fiz ao diretor uma delas foi essa: ‘Nêio, ainda estou produzindo a cada dia, seja com o selo BigBross Records ou com a produtora. Ainda estou vivo, pô! E se eu fizer a coisa mais importante da minha vida após o doc?’”, provoca, em tom de brincadeira.
“Enfim, livros e docs podem ser reeditados, e continuarei botando o rock pra frente”, conclui Big.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Siga o A TARDE no Google Notícias e receba os principais destaques do dia.
Participe também do nosso canal no WhatsApp.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes