CULTURA
Dupla exposição e um livro resgatam obra do pintor Alberto Valença
Tudo começou com um retrato, e terminou em uma mostra com 70 deles. A partir de quinta-feira, 21, os salões do Museu de Arte da Bahia e do Museu Carlos Costa Pinto serão lar da exposição Conversando com a Pintura de Alberto Valença, que celebra a obra do pintor impressionista baiano, muito prolífico durante o século XX.
A concepção da mostra é guiada pelo livro de mesmo nome, um romance histórico escrito por sua nora, Vera Spínola, com lançamento simultâneo. O filho, Alberto Valença Filho, vê a mostra não apenas como um tributo ao pai, mas como um lembrete de sua geração e importância da sua arte. “Nós descendentes, incluindo o neto dele, nos sentimos no dever de não deixar que a comunidade não tenha conhecimento da obra. A gente não pode deixar o tempo passar, não pode deixar essa época cair no esquecimento”, diz.
Ele aponta Vera, sua esposa, como líder desse processo. Para o filho do artista, “essa mostra é uma necessidade. Já faz muito tempo que fizemos uma exposição de grande porte das obras de Alberto, isso foi no centenário dele, em 1991, na Galeria Cañizares”, conta. A exposição do centenário de Alberto Valença pode ter sido sua última grande mostra, mas foi o ponta-pé inicial do livro de Vera – que teve lá seu primeiro contato com a obra do sogro, que nunca chegou a conhecer em vida.
Com formação em economia e administração, Vera retornou à universidade para estudar Letras após inúmeras pós-graduações. Em uma disciplina de criação literária, ela conta que nasceu o primeiro capítulo de Conversando com a Pintura de Alberto Valença: “um professor falou de um conto de Edgar Allan Poe, O Retrato Oval, e depois pediu que os alunos criassem seus contos. Em casa, comecei a olhar e pensei que, como Poe fez, eu podia criar um conto com um dos retratos que estavam na parede. A gente tinha vários retratos que foram pintados por Alberto Valença, ele não fazia só paisagens”.
O quadro que atraiu seu olhar e sua caneta foi o retrato do jovem Claudionor. “Meu marido me mostrou o retrato de um menino cuja história foi marcada por uma farra no Tabaris. É um ponto trágico, mas achei que dava um bom conto. Pesquisei sobre aquele ambiente boêmio da Bahia, e dai surgiu o conto”, relembra a escritora. Claudionor é um dos capítulos de seu livro.
Tendo como base teórica o livro sobre Alberto assinado por Clarival do Prado Valladares em 1980, Vera opta em sua obra criar uma imagem menos técnica. “Queria dar uma abordagem de romance histórico, bibliográfico”, ela descreve seu ângulo, e conta que também usou como suporte depoimentos de alunos e outos artistas coletados por sua cunhada.
“Eu vi que eu tinha um material muito rico e que não era muito conhecido pelo público. Alguns deles já faleceram, como Yêdamaria, Lygia Sampaio, Lygia Milton… Eu fui juntando os pedaços e fui criando uma história da vida dele, colocando tudo dentro de uma cronologia”, explica. Além disso, suas visitas para conhecer as paisagens pintadas por Alberto também lhe inspiraram: “sempre tentei usar os quadros, sua vida e o que ele manifestava dela na pintura para escrever”.
Pintor da luz
Nascido em Alagoinhas em 1890, Alberto Valença foi um dos nomes da pintura impressionista na Bahia. Com uma bolsa de estudos na França, ele registrou ao ar livre em tinta paisagens da Bretanha – um hábito seu desde seus tempos na Escola de Belas Artes, onde mais tarde passou a lecionar.
“O que mais chama a atenção em sua obra é a subjetividade da interpretação da paisagem. Ao mesmo tempo em que ele pinta o que vê, ele também pinta o que sente. Ele não captava só o momento em que a luz solar estava incidindo sobre a paisagem, imprimindo nela aquela aparência, mas fazia uma comunicação emocional dele em relação ao que vê e ao que pinta”, descreve Luiz Freire, curador da mostra e autor dos textos da mostra.
“Aos poucos eu fui mergulhando na obra dele”, conta Vera. “Ele era um pintor impressionista, então muitos detalhes eram dissolvidos em pinceladas. Alberto é um pintor da luz. A preocupação dele era sempre retratar o reflexo, o efeito da luz sobre as figuras humanas, sobre as paisagens, nos interiores de igrejas… E ele preferia sempre a luz até nove horas da manhã ou depois das dezesseis horas, porque achava que a luz perpendicular do sol a pino distorcia o movimento do mar”.
Vera descreve o homem que conheceu através de pinturas e relatos como tímido. “Ele pintava só pelo prazer de pintar. os quadros dele não eram de grandes dimensões. Ele ia para os lugares de bonde, carregando todo o material, o cavalete, o banquinho, a caixa de tintas…”
Seu filho dá um olhar mais íntimo sobre Alberto. “Meu pai foi um pintor extremamente exigente e rigoroso consigo mesmo. Ele não fez concessões, de nenhum tipo. Ele e outros companheiros que pintavam naquela época. O que eles faziam era um trabalho, um grande trabalho”, ele diz sobre a geração que, de acordo com Luiz, contribuiu para formar uma consciência coletiva sobre o patrimônio natural e urbano da Bahia.
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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