VISUAIS
Em ‘Espelho D’Água’, Igor Rodrigues vê o mar como referência de identidade
Mostra fica em cartaz até o dia 20 de dezembro
Por Israel Risan*
Desde a última terça-feira (19) está aberta a visitação para a exposição Espelho D’Água, primeira mostra individual do artista visual Igor Rodrigues na Bahia. Sob curadoria de João Victor Guimarães, a exposição reúne obras que exploram memórias afetivas ligadas ao mar, identidade negra e novas experimentações técnicas.
A mostra fica em cartaz até o dia 20 de dezembro, na Acervo Galeria de Arte. A construção curatorial se baseou em uma escuta atenta às intenções de Rodrigues, que, segundo o curador, é um artista que domina a própria linguagem.
“Foi um processo de escutar e respeitar, porque Igor sabe exatamente o que quer. Ele resolve tecnicamente seu trabalho muito bem, mas também experimenta, o que foi um dos pontos que mais discutimos”, explica Guimarães. A narrativa da exposição começa com uma obra suspensa que transmite sensações de pertencimento e paz, conforme detalhado pelo curador.
O tema central, o mar, é tratado de forma simbólica e material. Igor utiliza elementos que remetem ao oceano, como pérolas, areia e água do mar, para construir texturas e sensações. “Queria que o mar aparecesse de formas menos óbvias, criando texturas e dimensionalidade com materiais que evocassem essa memória”, comenta. A abordagem permite uma conexão sutil, mas profunda, com as memórias que o mar carrega.
A obra-título, Espelho D’Água, é a única em que o mar aparece diretamente representado, mas as referências marítimas se expandem para evocar a identidade e a subjetividade negra. Seres como estrelas-do-mar e águas-vivas são reinterpretados como metáforas visuais para cabelos e penteados negros. “A relação entre as ‘ondas’ do mar e as ondas do cabelo é simbólica. O que antes parecia um problema se tornou uma beleza que hoje enxergo e ressignifico no meu trabalho”, diz o artista.
A exposição também destaca a sua trajetória técnica. Inicialmente influenciado pelo artesanato da avó, Rodrigues explora técnicas que vão da pintura digital ao uso de materiais naturais. “O bordado que faço agora, como no cabelo da obra Estrela-do-Mar, é uma herança direta da curiosidade que minha avó me ensinou”, relata Ígor. O gesto artesanal se mistura com experimentações contemporâneas, como a combinação de acrílica e água do mar, que trouxe desafios técnicos e visuais únicos.
Para Guimarães, o trabalho de Rodrigues dialoga com questões estéticas e sociais de maneira inovadora no panorama contemporâneo. “Igor tem um domínio técnico que permite que ele brinque e experimente. Ele habita um espaço que vai do artesanal, herdado da avó, ao mais experimental. Isso é o que o diferencia e o coloca em destaque”, comenta o curador.
A relação entre identidade e arte é central no trabalho do artista, que utiliza sua vivência como fio condutor de suas obras. Ele reflete sobre como sua trajetória pessoal se conecta com questões coletivas, como representatividade e direitos humanos. “Meu trabalho é autobiográfico, mas ele também se conecta com outras histórias. A arte é uma ferramenta para curar minhas angústias, e também para promover reflexões no espectador”, afirma.
Afirmação da beleza
Além da técnica, o conteúdo político é camada essencial de Espelho D’Água. A exposição oferece uma visão sobre as representações da negritude na arte, buscando evitar estereótipos e abrir espaço para novas narrativas. “Eu me preocupo em não reproduzir lugares de sofrimento nos quais insistem em nos colocar. Transformar minha dor em arte é uma forma de ressignificação e cura”, explica Rodrigues.
Guimarães complementa que a exposição reflete um momento de liberdade e afirmação. “Há um movimento de afirmação da beleza e da identidade negra. Igor ensaia essa liberdade em seus trabalhos, e isso é um resultado das mudanças sociais e políticas que estamos vivendo”, observa.
Espelho D’Água também se diferencia de outras participações de Rodrigues em eventos como SP-Arte e ArtRio por ser profundamente enraizada em Salvador. Guimarães ressalta o contexto da cidade, onde a negritude ocupa um lugar central na cultura local. “Trazer essa produção para Salvador é significativo, especialmente considerando as memórias afetivas que o mar carrega para Igor e para os baianos”, diz.
Com ênfase na subjetividade e na experimentação, a mostra reúne obras que vão além do visual, convidando o público a se conectar emocionalmente. “As imagens têm poder, e meu objetivo é que elas gerem identificação e reflexões profundas. Quero que quem veja meu trabalho encontre nele algo que reverbere em si”, finaliza Rodrigues.
"Espelho D'Água", exposição de Igor Rodrigues / Até 20 de dezembro / Acervo Galeria de Arte (Alameda dos Umbuzeiros, 25, Caminho das Árvores) / Visitação: de segunda a sexta-feira, das 9h às 18h, e aos sábados, das 9h às 14h
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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