CULTURA
Em formato híbrido, XVII Panorama Internacional Coisa de Cinema terá 80 filmes
Por João Gabriel Veiga*

Luz, câmeras, ação! O festival Panorama Internacional Coisa de Cinema inicia nesta quarta-feira (1º) sua 17ª edição em formato híbrido, após uma edição completamente virtual, com exibições virtuais e presenciais no Cine Metha Glauber Rocha. Com encerramento na próxima quarta-feira (8), a semana dos cinéfilos baianos tem uma programação repleta de filmes, debates com cineastas e oficinas – uma alteração na agenda do Panorama que surgiu de última hora.
Com tudo pronto para um evento virtual, o grupo recebeu em setembro a proposta do Instituto Flávia Abubakir de patrocínio para também realizar o evento de forma presencial. “Estávamos com saudade da efervescência, da vibração do Panorama”, diz Cláudio Marques, diretor e curador do festival. “É uma logística que triplica, mas também é mais prazeroso”.
Sua parceira na direção, Marília Hughes, também está empolgada para receber os cinéfilos em seu lar, e diz que o Panorama é o início da reabertura da sala de cinema, fechada há 40 dias. “Algumas coisas passam no online, umas no presencial, e outras nos dois formatos”, explica ela. “O formato híbrido alcança o Brasil todo e abraça as pessoas que ainda não se sentem seguras para sair de casa”, diz.
Na mostra Competitiva Nacional concorrem oito filmes: Madalena, (Madiano Marchetti), A Felicidade das Coisas (Thais Fujinaga), Mata (Fábio Nascimento e Ingrid Fadnes), Edna (Eryk Rocha), A Matéria Noturna (Bernard Lessa); Os Ossos da Saudade, (Marcos Pimentel), 5 Casas (Bruno Gularte Barreto), e Receba!, dos baianos Pedro Perazzo e Rodrigo Luna.
Visibilidade indígena
Chegar a essa seleção de filmes em longa e curta-metragem, dentro e fora de competição foi um processo árduo. A dupla conta que o Panorama recebeu aproximadamente mil inscrições de filmes, que foram vistos e analisados por uma equipe de oito curadores. “Eu já vi 6, 7 longas metragens em um único dia, e isso é perturbador”, ri Cláudio.
O que buscam é algo que provoque o público. “A obra em si é muito importante, o que ela fala, o que esse falar dialoga com esse momento histórico, social e político. A forma em que isso está sendo falado na a construção visual e sonora desse discurso cinematográfico”, detalha Marília.
“Às vezes um filme não é necessariamente bom, pelo menos não no sentido de ser agradável de ver, mas tem momentos que ficam marcados na cabeça, então por si só já é merece ser exibido. É muito delicado porque cada filme traz uma característica, uma forma de mostrar e contar alguma coisa”, completa Cláudio, que visa “atualizar a cidade, a população, os cinéfilos, com o que há de mais interessante no cinema baiano, brasileiro e mundial”.
Marília destaca um filme em especial, Essa Terra É Nossa (Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu e Roberto Romero): “Vai passar fora de competição, mas a gente criou uma sessão especial para ele. Ele fala sobre a questão indígena. Circulou bastante entre os festivais, e tem que ser muito exibido mesmo, tem que ter todas as janelas nesse momento. Ele é muito importante, a população indígena e os povos originários estão sendo de fato destruídos”.
A importância das oficinas
Para além das exibições, o Panorama também terá discussões com os cineastas, sua habitual oficina de crítica e, na semana passada, realizou o PanLab, laboratório que oferece consultorias gratuitas de montagem e roteiro. “É apostar nos filmes antes deles nascerem”, declara Marília, que idealizou essa seção após a experiência que ela e Cláudio tiveram com um laboratório internacional pelo qual seu o roteiro de seu longa Depois da Chuva (2013) passou.
Entre os roteiristas selecionados, estão alguns “novatos veteranos” baianos, que mesmo com pouca idade, já carregam bagagem e refletem sobre as dificuldades da produção audiovisual. O diretor Calebe Lopes conta que tirou da gaveta o roteiro do curta Ensaio Para Um Crime para participar pela terceira vez do laboratório do Panorama. “A princípio, eu pensei nele como um filme que eu faria sem dinheiro quando as coisas voltassem ao normal”, explica.
Descrito como um faroeste espaguete baiano, o roteiro do curta companha “caras maus” às vésperas de um crime político. “Eles se reunem num galpão onde vai acontecer um comício de um político de esquerda, muito populista e querido. Eles querem fazer um último ensaio de como o assassinato vai ser, e o roteiro vai brincando com essa ideia de cinema, de teatro, de farsa”, diz o cineasta.
Calebe conta que, após as três consultorias, ele sai com uma perspectiva nova sobre seu trabalho. “Cada consultor tem um modus operandi. Tem quem gosta de ir passando anotações ponto a ponto, ir ajustando coisas técnicas. Tem consultor que pensa mais em termos de narrativa, de estrutura, uma coisa mais solta. E tem os que gostam de passar provocações para você pensar no seu roteiro”, diz.
Ato de amor e de política
A dupla Karol Azevedo e Eduardo Tosta traz para o PanLab o projeto de curta-animação Norma, a história de uma mulher trans na terceira idade com uma relação conflituosa com sua filha, e cheia de amor com seu neto.
A concepção do roteiro nasceu de experiências pessoais de Karol, que se identifica como uma pessoa não-binária, e sua escolha vem como uma denúncia e tentativa de trazer informação a pessoas que não tem acesso a essa discussão.
“É um roteiro voltado para o público infantil, mas também atravessa os adultos. Eles terão uma compreensão talvez maior sobre o assunto, mas as crianças vão entender porque são coisas que dialogam com o infantil. Tem o afeto de uma avó com o neto, que é muito forte, e uma relação de mãe e filha. A criança consegue identificar aquilo com coisas do dia-a-dia”, explica Eduardo.
“Está sendo um lugar mais de escuta do que de fala”, conta Karol. “O PanLab é importante porque pagar uma consultoria de roteiros não é barato, encontrar profissionais de confiança que possam ler seu roteiro gratuitamente é praticamente impossível. Ter essa oportunidade de ter esse feedback de profissionais da área é um privilégio”, diz.
Nenhum deles parou durante a pandemia – Calebe dirigiu o curta Modo Noturno e se prepara para gravar em breve Ataques Psicotrônicos, enquanto Karol e Eduardo fizeram a websérie As Aventuras de Fiu & Biu Dentro de Casa e foram para o Short Film Corner do Festival de Cannes com Maratonista de Quarenta –, mas todos relatam um sucateamento na indústria do cinema. “Sempre foi cinema de guerrilha aqui no Brasil, mas agora é de sobrevivência. Fazer cinema já era muito mais pela vontade do que pelo lucro, e agora eu vejo como um ato de amor e de política. O cinema faz parte da nossa manutenção de cultura, de identidade e do nosso patriotismo”, declara Karol.
XVII Panorama Internacional Coisa de Cinema / A partir de quarta-feira (1) até o dia 8 / Programação completa no linktr.ee/panoramacoisadecinema
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
Compartilhe essa notícia com seus amigos
Siga nossas redes