HQ
Em quadrinhos, a luta da vida real pelo direito à memória
Autor tem obras vastamente aclamadas por crítica e público
Por Chico Castro Jr.
O sucesso avassalador do filme Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, escancarou uma questão muito séria, especialmente entre os jovens brasileiros: crimes cometidos durante regimes de exceção não podem ser relegados ao esquecimento eterno. Olvida-los é abrir a porta para novos pretensos ditadores. É justamente disto que trata a HQ O Abismo do Esquecimento, de Paco Roca, em parceria com o jornalista Rodrigo Terrasa.
Autor de obras vastamente aclamadas por crítica e público como Acasos do Destino, Regresso ao Éden, A Casa (adaptado em um premiado longa-metragem) e Rugas (adaptado em uma animação longa-metragem), entre outros), o espanhol Roca tem na questão da memória um tema central em sua obra.
Em Rugas, acompanhamos o lento declinar cognitivo de um homem com Alzheimer. Em A Casa, três irmãos e suas famílias debatem, durante um fim de semana, se devem ou não vender a casa onde cresceram, suas lembranças impressas em cada pedra. Em Regresso ao Éden, uma foto de uma família na praia, em 1946, é o ponto de partida para o cavoucar da história desta família ao longo do regime franquista. Por fim, Acasos do Destino é o resgate histórico da La Nueve, a companhia de combatentes da Guerra Civil (1936-39), que rumou à Paris em 1944, sendo o primeiro batalhão a adentrar na cidade libertada dos nazistas.
Temas caros ao autor, a Guerra Civil Espanhola e a ditadura militar que se seguiu estão novamente em pauta em O Abismo do Esquecimento. Regime crudelíssimo de inspiração fascista, o governo do General Francisco Franco perdurou entre 1936 e 1975. Estima-se que até 150 mil pessoas foram executadas nesse período (fora os estupros). Boa parte foi enterrada em valas, sem identificação.
Levantados do abismo
Mesmo após o fim da ditadura, o assunto era um tabu na sociedade espanhola. Somente após a virada do século, durante governos de esquerda, essa bola começou a ser levantada. E aí se inicia a HQ.
Nela, acompanhamos o périplo (verídico) de Pepica Celda, uma senhora que teve seu pai, José Celda, executado e desaparecido em 1940, com mais 190 pessoas. O que chamamos de massacre, era só mais um dia de trabalho para a máquina de morte franquista. Quando valas comuns foram descobertas no Cemitério de Paterna, em Valência, Pepica entrou em contato com os arqueólogos responsáveis pelas escavações para lhes oferecer material genético.
O revirar dessa história é contada com brilhantismo por Roca e Terrasa, que vai e volta no tempo, além de tratar o tema com leveza poética, utilizando os próprios mortos, saindo de suas valas, do Abismo do Esquecimento, enfim, para contar suas histórias.
Macabra, porém poética, esta história acabou revelando um herói improvável: o coveiro Leoncio Badia, que escondido dos militares, ocultava em cada cadáver pequenas garrafinhas com objetos pessoais dos mortos, o que foi fundamental em suas identificações.
O abismo do esquecimento / Paco Roca e Rodrigo Terrasa / Devir/ 296 páginas, capa dura/ R$ 165
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