PROTESTO E POESIA
'Enquanto Existe Azul’, de Carlos Barral, encanta e alerta
Mostra está em cartaz no Museu de Arte da Bahia até 30 de março
Por Grazy Kaimbé*
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No livro Os Sertões, publicado em 1902, o jornalista e escritor Euclides da Cunha (1866 - 1902) menciona uma profecia do beato Antônio Conselheiro: “O sertão vai virar mar”. Embora a previsão não tenha se concretizado literalmente, o sertão se transformou em inspiração para muitas obras de arte — como as fotografias do baiano Carlos Barral, reunidas em um livro e em uma exposição agora em cartaz.
A mostra Enquanto Existe Azul está no Museu de Arte da Bahia (MAB), no Corredor da Vitória, desde o dia 12 e segue aberta ao público até 30 de março. Com curadoria de Diógenes Moura, a exposição apresenta cerca de 45 obras de diferentes dimensões, nas quais Barral explora a relação entre arte, natureza e sua trajetória como artista.
Durante a inauguração, o fotógrafo realizou uma sessão de autógrafos do livro homônimo, uma edição de luxo em capa dura com 260 páginas, permitindo que os visitantes levassem para casa um registro dessa imersão visual no sertão.
O fotógrafo, nascido e criado no sertão baiano, às margens do Rio São Francisco, explica sua relação com a natureza e as inspirações para o seu trabalho.
“A natureza abrange todas as águas do mundo, e meu vínculo com ela começou pelo Rio São Francisco. Sou um beiradeiro. Dediquei meu livro ao rio, que ainda corre largo e profundo dentro de mim, apesar de, hoje, estar estancado em vários trechos do seu curso”, comenta Barral.
Um dos produtores da exposição, João Perene, detalhou o processo de execução do projeto.
“O trabalho começou com o livro. Antes mesmo do primeiro encontro com o curador oficial, Diógenes Moura, realizamos uma pré-curadoria, que conduzi junto com Barral. Sempre quisemos trazer essa exposição para Salvador, mas encontrar um espaço adequado não foi fácil, já que a mostra reúne mais de 40 fotografias, cada uma com 1,5 metro de comprimento. Depois de muita busca, conseguimos firmar uma parceria com o Museu de Arte da Bahia”, relata João Perene.
“As imagens funcionam como um protesto, mas também têm um caráter poético tão forte que, muitas vezes, se assemelham a pinturas. Há referências visuais que remetem a grandes mestres da pintura, criando essa dualidade entre fotografia e arte plástica”, diz o produtor.
Os elementos
A mostra e o livro Enquanto Existe Azul estão organizados em quatro blocos, cada um representando uma dimensão essencial da produção fotográfica de Carlos Barral. A estrutura revela um percurso visual que transita entre a água, a terra e os ciclos naturais, compondo uma narrativa sensível e poética sobre a relação entre o artista e a natureza.
No primeiro bloco, ‘As Águas e a Natureza’, Barral explora o movimento e a essência da água em suas diversas formas, enquanto amplia o olhar para a vegetação, destacando cores, texturas e elementos que compõem o universo natural. O fotógrafo explica como essa divisão surgiu intuitivamente em seu processo criativo: “Essa organização nasceu da maneira como eu separava as fotos que imprimia. ‘As Águas e a Natureza’, como primeiro bloco, abrange o céu, os reflexos, o movimento das águas e as luzes submersas”, detalha.
O segundo bloco, ‘O Adubo’, traz uma abordagem simbólica sobre os ciclos da vida. Aqui, Barral traduz em imagens a transformação contínua da natureza. “O adubo representa tudo o que cai na terra e nas águas, promovendo a renovação da vida. O processo de decomposição de folhas e frutos revela cores belíssimas e inesperadas”, explica.
Na sequência, ‘Manguezal’ se apresenta como um ecossistema essencial, onde a fotografia captura o equilíbrio entre terra e água, além da riqueza de vida característica desse ambiente. Barral descreve sua experiência ao registrar essa paisagem única: “O manguezal, com sua floresta singular de varas contorcidas e sua vegetação peculiar e inesquecível, me levou a buscar as nuances furta-cor da gordura sobre as águas”, comenta.
O último bloco, ‘A Linguagem das Águas Negras’, encerra a jornada da exposição e do livro com uma cena de impacto visual e poético. Segundo Barral, essa série retrata águas vindas de uma floresta próxima à praia de Boipeba, em um dia de chuva intensa.
“A terra preta, arrastada pela correnteza, desenhava formas na areia da praia, criando uma linguagem belíssima, acima da minha compreensão”, reflete.
Viés ambiental
As imagens, que se destacam pelas belíssimas cores, não apenas capturam a beleza da natureza, mas também carregam um forte viés social e ambiental, funcionando como um protesto contra a degradação do meio ambiente.
“O livro foi, de certa forma, um desabafo. Uma das afirmações presentes nele reflete minha incompreensão sobre a exploração de petróleo na foz do Rio Amazonas. Por outro lado, o título Enquanto Existe Azul simboliza nossas expectativas sobre o futuro, diante do sofrimento evidente do planeta e das catástrofes ambientais que o afligem”, explica o fotógrafo.
A escolha das imagens, segundo Barral, também foi pensada para destacar a beleza da natureza como um elemento capaz de sensibilizar e conscientizar sobre os riscos que corremos no planeta. "A beleza, neste contexto, é uma ferramenta poderosa para chamar a atenção para o que está em jogo", complementa.
Ainda Segundo o fotógrafo, o fato de ter nascido às margens do Rio São Francisco e presenciado seu processo de degradação teve um impacto profundo em sua decisão de fotografar a beleza do rio.
“Esse contexto me levou a comprar minha primeira câmera profissional, com o objetivo de registrar a beleza que estava sendo destruída no Rio da Integração Nacional, o rio que antes era conhecido como o ‘Nilo Brasileiro’. A degradação me comoveu profundamente, especialmente quando vi as pessoas atravessando o rio a pé – um rio que já foi largo e profundo, com trânsito de vapores de Pirapora a Juazeiro, de Juazeiro a Pirapora. Esse cenário de destruição me impulsionou a buscar, em todas as águas, a beleza que iluminou minha infância e juventude”, conclui Barral.
‘Enquanto Existe Azul’, de Carlos Barral / Visitação até 30 de março, de terça-feira a domingo, das 10h às 18h / Museu de Arte da Bahia (MAB, Corredor da Vitoria) / Gratuito
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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