TEATRO
Espetáculo aborda ancestralidade e desigualdades sociais com blues ao vivo
‘Furacão’ resgata resistência negra e racismo ambiental na tragédia do Katrina
Por Gláucia Campos*

No dia 29 de agosto de 2005, o furacão Katrina atingiu o sul dos Estados Unidos, causando uma enorme destruição. A região metropolitana da cidade de Nova Orleans foi o local mais atingido: mais de um milhão de pessoas tiveram que deixar suas casas. É neste cenário de catástrofe ambiental que a personagem Joséphine Linc Steelson é apresentada no espetáculo Furacão.
A peça estreia em curta temporada nesta quinta-feira, 27, e segue em cartaz até sábado, 29, no Teatro Sesc-Senac Pelourinho, com sessões às 19h, e na sexta-feira com sessão extra às 15h. Além das sessões no teatro, será apresentada gratuitamente no domingo, 30, no quilombo Dandá. Na terça-feira, 25, houve uma apresentação gratuita no quilombo Alto do Tororó. Dirigido por Ana Teixeira e Stephane Brodt, a história é baseada no livro de mesmo nome do escritor Laurent Gaudé.
Furacão tem a personagem Joséphine Linc Steelson, uma mulher negra de quase cem anos, como figura central. Por meio de sua narração e da música, vai sendo construída a história, que aborda questões climáticas, racismo ambiental, ancestralidade e desigualdades sociais e econômicas. Nova Orleans é conhecida pelo jazz e a ambientação do espetáculo tem isso como referência e se inspira no Preservation Hall, espaço considerado um “templo do jazz” na cidade.
Stephane Brodt, diretor do espetáculo, comentou que a escolha de trazer a personagem para os palcos veio após uma conversa com o escritor do romance Furacão, Laurent Gaudé. “O romance aborda diversos personagens da comunidade negra de Nova Orleans no momento do furacão Katrina, mas há essa personagem central, Josefina. Pedimos autorização para adaptar a história, focando apenas no percurso dela durante esses cinco dias, quando 80% da cidade foi submersa. Ela é uma personagem que atravessou diversas épocas: a segregação racial dos anos 1940, 50, 60. Sua vida reflete a história da resistência negra”.
Ana Teixeira e Brodt já trabalharam com outras obras do escritor francês, e o espetáculo Furacão faz parte de uma trilogia chamada Trilogia da África. “O primeiro espetáculo era um texto de Laurent Gaudé, tratava-se de uma África ancestral, mítica e ritual, chama-se Salina, Última Vértebra. O segundo desta trilogia foi um texto de Mia Couto sobre a África pós-colonial, em Moçambique, no contexto da guerra de independência. Nesse terceiro, queríamos abordar uma África em diáspora. Quando encontramos esse romance, nos deparamos com um tema muito atual: a questão da emergência climática e da diáspora nas Américas”, explicou Ana.
O elenco é composto pelas atrizes Sirlea Aleixo, a atriz e cantora Taty Aleixo e os músicos Anderson Ribeiro e Rudá Brauns. Sirleia integrou o processo formativo que abriu o projeto Trilogia da África do Amok Teatro - com as obras "Furacão", "Salina - A última vértebra" (2015) e "Os cadernos de Kindzu" (2016).
Música como personagem
A música é um elemento vivo e atuante no desenvolvimento da história de Furacão. Stephane Brodt disse que, no teatro do grupo Amok, a trilha sonora não é apenas um fundo musical, mas um elemento dramatúrgico essencial. “Os músicos estão fisicamente presentes no palco e participam ativamente da dramaturgia. Desde o início dos ensaios, durante cinco meses, os músicos estiveram conosco”.
A direção musical buscou influências diretas do blues e da cultura musical negra estadunidense. Brodt destaca que a sonoridade do espetáculo foi inspirada também na tradição dos griôs, contadores de histórias da África Ocidental, que sempre foram acompanhados por músicos.
“No espetáculo, trabalhamos com essa referência, mas situamos a história nos Estados Unidos de 2005, no contexto do furacão Katrina. Josefine se torna uma espécie de griô moderna, acompanhada por músicos que utilizam instrumentos contemporâneos, como contrabaixo, violoncelo, guitarra elétrica e violão. Assim, mantemos o princípio da narração oral e da musicalidade ancestral, mas dentro do universo do blues”, explica.
Ao encontro do Outro
A diretora Ana Teixeira reforça a importância do Preservation Hall como inspiração para a atmosfera do espetáculo. “Nos anos 80, tive a oportunidade de conhecer o Preservation Hall em Nova Orleans. A potência desse lugar não é apenas musical, é um espaço de resistência e preservação da cultura negra estadunidense. Isso teve um impacto muito forte e determinou a linguagem do espetáculo”, pontua.
O grupo Amok tem como marca a abordagem de questões sociais e políticas em suas montagens. Para Ana Teixeira, o espetáculo Furacão reforça discussões urgentes sobre racismo ambiental e emergência climática.
“Nosso desejo é, sobretudo, falar do nosso tempo e da humanidade. Nós temos esse desejo dessa experiência da alteridade, de ir ao encontro do outro. No caso desse espetáculo, abordamos o racismo climático e, ao mesmo tempo, tocamos na questão da diáspora negra nas Américas. Como isso reflete séculos de luta e resiliência”, destaca.
Além das apresentações no teatro, a companhia leva a peça a territórios quilombolas, ampliando o acesso e promovendo o diálogo com comunidades que vivenciam diretamente os temas abordados. “Esse projeto que estamos trazendo para Salvador, e que já fizemos em Belo Horizonte, chama-se Furacão – Dos Quilombos às Cidades, e tem o desejo de levar o teatro onde ele não está”, explica Ana.
A expectativa para a temporada em Salvador é intensa, especialmente por conta da conexão da cidade com as questões levantadas no espetáculo. “Estamos em um estado onde essas questões abordadas no espetáculo são muito presentes. O Alto do Tororó, por exemplo, é uma comunidade que vive questões graves de racismo ambiental”, pontua a diretora.
“Queremos que o espetáculo toque as pessoas, que elas sejam arrebatadas pela potência dessa personagem, que representa luta e resistência”, conclui Stephane Brodt.
FURACÃO / Amanhã, sexta-feira (28) e sábado (29) / Amanhã e sábado, 20h, e sexta, sessões às 15h e 19h / Teatro Sesc-Senac Pelourinho (Largo do Pelourinho, 19) / R$ 20 e R$ 10 / Vendas: bilheteria ou Sympla / Classificação: 12 anos
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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