O PRIMEIRO CHÃO
Espetáculo conta a história do primeiro terreiro de candomblé
Espetáculo acontece no Espaço da Barroquinha
Por Gláucia Campos*
O Candomblé Ketu, uma das maiores e mais populares nações do Candomblé no Brasil, teve a história do seu primeiro terreiro em terras brasileiras transformada em ficção no espetáculo O Candomblé da Barroquinha. Idealizada por Daniel Arcades e Thiago Romero, a peça teve sua estreia no último sábado, 25, e segue em cartaz até o dia 9 de fevereiro, no Espaço Cultural da Barroquinha.
A performance busca resgatar as origens da religião afro-brasileira e sua importância cultural por meio da história de Marcelina e suas vivências com a comunidade do terreiro. A personagem é uma abian, que no Candomblé significa alguém que ainda não passou pelo processo de iniciação, e os outros personagens também representam funções típicas dos terreiros, como a Mãe de Santo, a Ekedi, o Ogan e outros.
Nas palavras de Daniel Arcades, que assina o texto da peça, os personagens foram pensados para que o público consiga se identificar e se divertir, seja praticante da religião ou não. “A história também trata do desejo das pessoas de se aproximarem do Candomblé e do receio que sentem, devido à falta de conhecimento ou ao peso da responsabilidade que acreditam existir. Criamos personagens muito populares, e o humor tem um papel forte na peça. Quem é do Candomblé se identifica de imediato porque todas as casas têm essas figuras. Quem não é também se identifica pelos arquétipos que elas representam”, comentou.
Segundo Thiago Romero, diretor do espetáculo, a história é ambientada no dia a dia de um terreiro, trazendo elementos rituais do Candomblé. Segundo ele, a ritualidade aparece nos pequenos gestos cotidianos. "O espetáculo se passa no Espaço Cultural da Barroquinha, que se transforma no Terreiro da Barroquinha. A ritualidade está no ato de oferecer um presente ao orixá, tomar um banho de ervas, trocar uma bênção, preparar uma comida de santo. É uma história que dialoga com o presente e o passado", explica.
A origem da ideia
A peça nasce do desejo de Arcades e Romero de contar histórias sobre o povo negro que foram silenciadas ou invisibilizadas. Segundo Daniel Arcades, a construção do espetáculo foi um processo de pesquisa e amadurecimento que levou três anos. "O espetáculo surge com a necessidade de desmistificar o Candomblé para o público que desconhece o dia a dia de um terreiro e, ao mesmo tempo, contar a história de uma religião essencialmente brasileira. O Candomblé salvaguardou muito da cultura e dos costumes dos povos diaspóricos africanos no Brasil", afirma Arcades.
A partir de uma pesquisa iniciada em 2022, quando Thiago Romero, diretor do espetáculo, trabalhou em um documentário sobre a Casa do Gantois, a dupla decidiu que era o momento de levar essa história ao teatro. Segundo Romero, que também é pesquisador doutorando, participar do documentário fez com que ele lembrasse de algumas leituras que já havia feito e pensar sua própria experiência como pessoa de Axé.
“Me fez lembrar do livro O candomblé da Barroquinha de Renato da Silveira. Decidi, então, propor a Daniel que criássemos um espetáculo sobre o Candomblé da Barroquinha, e que ele acontecesse no próprio Espaço Cultural da Barroquinha, para reafirmarmos esse lugar como sagrado, emblemático e histórico. Esse espaço marca muito a fundação do primeiro Candomblé de Ketu na Bahia”, comentou.
A oralidade e os registros
Com um elenco formado majoritariamente por praticantes do Candomblé, a peça alia uma forte pesquisa acadêmica à tradição oral preservada pelos terreiros. O livro O Candomblé da Barroquinha, de Renato da Silveira, e os estudos de Lisa Vieira foram algumas das referências acadêmicas utilizadas.
“Tanto eu quanto Thiago, assim como 80% da equipe e 95% do elenco, somos do Candomblé. As histórias contadas pelos nossos mais velhos e o entendimento sobre a origem das nossas casas foram fundamentais", destaca Arcades.
Para Thiago Romero, a construção do espetáculo se apoiou em um conceito chamado "afrofabulação", que busca criar espaços para narrativas negras que vão além da história oficial.
“As narrativas negras precisam de espaços que permitam desvios da história oficial, que muitas vezes negligencia e limita nossa própria compreensão do passado. Queríamos um espetáculo que fosse contado pela oralidade e pela memória do corpo, trazendo a história preservada pelo povo de santo", explica Romero.
Teatro é vivência
A estreia de O Candomblé da Barroquinha aconteceu em uma sexta-feira, com a equipe vestida de branco em sinal de respeito e celebração. A recepção do público superou as expectativas dos criadores: "Foi uma noite emocionante. Queríamos um espetáculo respeitoso, celebrativo e bem-humorado, no qual o público se reconhecesse. A resposta das pessoas tem sido incrível, e sentimos que conseguimos estabelecer essa comunicação direta com quem assiste", relata Romero.
Mais do que um espetáculo teatral, O Candomblé da Barroquinha se propõe a ser uma experiência sensorial. Antes das apresentações, o público pode participar de um circuito pelo entorno do Centro Cultural da Barroquinha e experimentar um menu inspirado nos orixás, criado pela chef Paloma Saia.
“O teatro também é vivência. Queremos que o público experimente a história, a oralidade, a corporeidade e a memória do Candomblé para além do palco", finaliza Thiago Romero.
Candomblé da Barroquinha / Hoje, 19h, sábado (01) e dia 08.02, 16h e 19h (sessões acessíveis - libras), dias 06, 07 e 09.02, 19h / Espaço Cultural da Barroquinha (Rua do Couro, s/ n - Barroquinha) / R$ 60 e R$ 30 / Vendas: Sympla / Classificação indicativa: 14 anos
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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