CULTURA
Espetáculo luso-afro-brasileiro trata da migração e da luta
Montagem conta a história de uma mulher que é forçada a migrar de sua terra natal
Por Eugênio Afonso
O sofrimento passa, o que não passa é ter sofrido. Esta é uma das grandes questões de quem vivencia a travessia do caminho. De quem é tirada de sua terra natal, biológica e vai para um outro continente ser criada por uma nova e diversa estrutura sociopolítica, cultural e familiar.
Esse Caminho Longe, espetáculo luso-afro-brasileiro que estreia hoje, às 19h, no Museu de Arte da Bahia (Corredor da Vitória), lida com matizes deste universo diaspórico. A peça fica em cartaz até 08 de dezembro, sextas, sábados e domingos, às 19h.
Com direção de Marcio Meirelles e do diretor anglo-português Graeme Pulleyn, a montagem conta a história – livremente inspirada na vida da poetisa luso-santomense Olinda Beja – de uma mulher que é forçada a migrar de sua terra natal ainda criança e precisa lidar com os impactos culturais dessa mudança. Fala da luta para regressar e se reencontrar depois de tantos séculos de escravidão real e metafórica.
Para Meirelles, esses intercâmbios culturais são sempre motivadores. “É exatamente sobre isso o espetáculo. Sobre os deslocamentos de identidade, não um deslocamento desejado, mas forçado pela colonização. Isso continua a acontecer com os migrantes”.
“E como é se adequar a um outro lugar?”, questiona o diretor baiano. “[A peça] gira em torno de colonização, capitalismo, escravização, e do ser humano que está nessa travessia movido pela necessidade de sobrevivência”.
Graeme corrobora com Marcio e informa que a montagem é sobre o passado, mas também é contemporânea, já que fala sobre os desafios que enfrentamos hoje. Ele diz ainda que o propósito do espetáculo nasce da vontade de fazer um projeto intercontinental.
“Uma segunda vontade é a de fazer um trabalho a partir da obra de Olinda Beja, contar um pouco da sua história de vida conturbada. Uma menina com dois anos de idade que foi, por todos os efeitos, roubada de sua mãe e que, passados 40 anos, regressa à sua terra natal e descobre sua ligação àquele território”, detalha Pulleyn.
Imersivo, Esse Caminho Longe é um amálgama de teatro, vídeo e música ao vivo com textos da dramaturga Lígia Soares e de Olinda Beja. A encenação parte da dualidade vivida pelas pessoas que transitam entre São Tomé, na África, e Portugal, na Europa, para discutir o tema universal do êxodo humano, realizado em diversos territórios, físicos e simbólicos.
“No fundo, a história de Olinda serve como metáfora para explorarmos as movimentações humanas entre diferentes países africanos. As que foram feitas por vontade própria, como a dos brancos que foram da Europa para a África explorar o continente, mas também a das pessoas que viajaram contra sua vontade, como os cabo-verdianos que foram deslocados de São Tomé para trabalhar nas roças”, enfatiza Pulleyn.
Momentos de dor
Em cena, três atrizes – Filipa Fróis, Marta Espírito Santo e Vanessa Faray – narram histórias, fazem perguntas e convidam o público a apontar caminhos. A música, tocada ao vivo por Gongori (Gonçalo Alegre), pode ser considerada uma quarta voz.
Vanessa, que interpreta a protagonista Olinda Beja, conta que o objetivo do espetáculo é criar um diálogo entre a comunidade dos países que dividem a mesma saga com relação à colonização territorial.
“Parte da história de vida de Olinda, que é nascida na era do colonialismo, e extrapola para a história de tantos outros que viveram algo parecido. Mas também vem realçar a problemática da crescente imigração”, reforça Faray.
Ela lembra que, absurdamente, a poetisa lusófona foi praticamente arrancada dos braços da mãe quando tinha quase três anos de idade. “Através dos seus poemas, ela vem contar os horrores que viveu enquanto negra num país [Portugal] que, naquela época, colonizava o seu país de origem [São Tomé e Príncipe]”.
Esse Caminho Longe quer deixar no ar uma indagação: conseguiremos, reconhecendo os erros do passado, recomeçar no presente um outro futuro? Questão dirigida ao público para que ele possa ruminá-la pós espetáculo.
A encenação tem ainda cenografia, figurinos e desenho de luz do próprio Marcio, apoio coreográfico de Cristina Castro, e também Ricardo Cavalcanti - RCD Produção de Arte à frente do cenário. Para mais informações, é só acessar o Instagram @teatrovilvelha e o site teatrovilavelha.com.br.
Esse Caminho Longe / Museu de Arte da Bahia (Corredor da Vitória) / 29 de novembro a 08 de dezembro (sexta, sábado e domingo) / 19h / R$ 40 (inteira); R$ 20 (meia) / Ingressos através do Sympla e na bilheteria do espaço / Classificação: 14 anos
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