CULTURA
Fechamento de casas de show prejudica bandas iniciantes
Por Lucas Esteves
Se a batalha pelo underground é ingrata em Nova Iorque, que dirá em Salvador. Como se esforço pouco fosse bobagem por parte das bandas iniciantes na cena pop/rock da capital baiana, uma série de casas de show fecha as portas e restringe os locais para que os novatos possam aprender como se faz rolar as pedras da forma correta.
Em apenas poucos meses, locais de referência como o Tangolomango, na Pituba, o French Quartier, no Jardim dos Namorados, Frankfurt Beer, Miss Modular e Café Calypso, no Rio Vermelho, fecharam as portas por diversos motivos, incluindo entre eles o mais capital de todos: o financeiro. A restrição faz com que as dezenas de bandas do gênero em toda a cidade disputem uma data à tapa nas casas que restam.
É o exemplo da banda Eskaravelho, que teve a preocupação de investir no primeiro CD enviando o trabalho de masterização para um produtor dos Estados Unidos, mas que está com a divulgação do disco presa por falta de locais de apresentação. O guitarrista da banda, Manoel Sancho, conta que não toca há quase dois meses e que não sabe o que fazer para conseguir novas apresentações.
"O grande problema é não conseguir uma divulgação `presencial` para as pessoas, porque o ideal para fazer com que uma banda ganhe fãs é trazê-la até o público", avalia. Para ele, a diminuição de pequenas casas impossibilita a um grupo iniciante a evolução de espaços para formar uma platéia e alcançar as casas mais famosas. "Em alguns locais de shows maiores e mais famosos chegam a nos cobrar R$ 12 mil para uma apresentação no sábado à noite. Ainda dividimos a bilheteria com a casa e não ganhamos um centavo do rendimento da consumação no bar. Assim não dá para pensar em fazer um show com maior projeção, porque não temos como formar público para lotar este espaço", desabafa.
A promoter cultural Tânia Ribas, que trabalha com promoção de eventos e bandas na cidade há 10 anos, aponta mais dificuldades na situação do gênero em Salvador. Na sua opinião, a maioria das casas de show da capital chega ao fim porque falha em dois aspectos fundamentais: a divulgação e a estrutura para o artista. "As bandas precisam levar de tudo para fazer um show, desde a bateria até os aparelhos de som de uma forma geral. Além disso, quase nenhuma casa separa uma reserva para a divulgação no espaço. Então não pode haver público.
A vocalista da banda Desvelo, Ilana Oliveira, concorda com a promoter e expõe a situação de uma forma mais prática. "Muitos lugares exigem que você traga até o som que vai usar. Alugar essa estrutura custa mais de R$ 150, dinheiro que não temos todo dia". A idéia da banda é trabalhar para poder comprar caixas de som e mesas de controle para não depender mais de outras pessoas. Mas como conseguir o recurso? "Nunca temos onde tocar, as casas estão todas lotadas, não conseguimos ganhar nada, só gastamos em ensaios", desanima.
Tânia critica também a posição assumida por alguns donos de casas, que exigem que as bandas escaladas para a grade semanal tragam um grande volume de público para consumir no local. "Se nenhuma casa se abre para que uma banda desenvolva sua qualidade no palco é impossível que ela forme público para consumir lá dentro". A promoter afirma que o fim-da-linha nesta relação é a desmotivação causada na maioria das bandas, que não consegue converter o esforço em frutos financeiros e artísticos.
O público também avalia negativamente o fechamento das casas. Para o estudante Leandro Cunha, de 21 anos, menos casas significa menos diversão na cidade. "Não gosto de ir em shows grandes. Prefiro os alternativos em bares e casas pequenas mesmo. Se as casas não existem eu não vejo show quase nenhum", lamenta. Entretanto, para alguns freqüentadores dos bares os próprios fãs também têm elevada parcela de culpa.
De acordo com a publicitária Helenira Meira, 22 anos, muitas pessoas que integram o público das pequenas casas preferem manter o clima semi-profissional da cena. "Tem gente que não admite que uma banda queira fazer uma coisa mais elaborada e, por causa disso, cobrar um ingresso mais caro. Acham que o underground tem que continuar assim até o fim e que o preço de um ingresso nunca pode ser mais que R$ 5". O resultado, na sua análise, é uma autodesvalorização das bandas, locais de show e da própria música.
Dificuldades - Um dos grandes exemplos de espaço aberto aos novatos, o Café Calypso, que funcionou por quase 10 anos, teve o último evento com bandas no início de novembro. Na ocasião, teve o show interrompido pela Sucom, que alegou falta de estrutura na casa para seguir com a programação sonora. "Colocaram aqui um embargo administrativo e nos aplicaram uma multa. Não tenho como segurar o bar sozinha, então coloquei o espaço para aluguel", conta Lourdes Oliveira da Silva, dona do bar.
Lourdes reclama da atuação dos vizinhos, que fizeram o órgão municipal determinar que a casa só poderia funcionar em dias de sexta-feira e sábado. A administradora reclama do volume de gastos que o bar gera e não pode ser mantido em apenas dois dias de funcionamento. "Quando funcionávamos de segunda a sábado podíamos pagar todas as contas e ainda investir na acústica e melhoria das coisas, mas só com esses dias é impossível".
A empresária Rosely Cunha, dona do French Quartier, que fechou as portas no dia 1º de novembro, teve problemas parecidos. Com uma estrutura mais voltada ao pop, jazz e blues, o restaurante, que gerava grandes gastos e investia em músicos novos da cidade, não conseguiu o retorno de público necessário. Para ela, Salvador não está preparada para investimentos alternativos às opções culturais dominantes como o Axé.
"Tentamos oferecer à cidade uma estrutura mais aconchegante e com boa música, mas o público de Salvador tem muitos outros gostos com relação a entretenimento e não se dispôs a pagar pelo que oferecíamos. Então quando trazíamos um artista de nome de fora da cidade ou do país não tínhamos o retorno suficiente para cobrir os enormes custos e acabamos impossibilitados de continuar", explica.
Alternativas no alternativo - Com menos opções de apresentar o trabalho, Ilana Oliveira acredita que uma boa estratégia para tocar é associar-se às bandas mais conhecidas da cidade. "A idéia é propor a outras bandas para abrir os shows delas. Assim nós, que não temos muito público, mostramos a banda aos fãs das bandas maiores e assim ainda dá pra conseguir, com sorte, pessoas que gostem", explica.
Para Tânia Ribas, uma dose de coragem aos empresários de casas do show faria bem ao cenário do pop/rock em Salvador. A promoter explica que as temporadas de artistas e reservas de datas melhores, como sextas e sábados, aos novatos pode gerar lucro e aumento de qualidade das atrações. "O problema é que as casas não acreditam nas bandas e preferem chamar os mais famosos para o fim-de-semana, freando trabalhos que iam bem".
Já o baixista e produtor Jerry Marlon, que toca na cidade há 23 anos, afima que não tem uma receita para melhorar a situação, mas aposta em propor o fim das reclamações entre os músicos. De acordo com o músico, a união entre as bandas e produtores, antes de tudo, é o que mais faz falta para o cenário do rock em Salvador.
"Devíamos parar de reclamar do Axé e do Pagode porque eles conseguem mais coisas do que nós e sermos mais cooperativos. Temos também que ser mais humildes, pois em Salvador há um excesso de pessoas sem modéstia, cheios de soberba e com a certeza de que são todos ótimos e talentosos músicos. Muitos ainda não são, mas deveriam lutar para ser", critica.
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