LITERATURA
Frans Krajcberg ganha biografia oito anos após sua morte
Um dos mais emblemáticos ativistas ambientais
Por Eugênio Afonso

Nascido em uma comunidade judaica na Polônia, Frans Krajcberg (1921-2017) tinha 18 anos quando as tropas nazistas invadiram o país, dando início à 2ª Guerra Mundial. A maioria de seus familiares próximos (com exceção de uma irmã) foram mortos nos campos de concentração.
Em 1948, Krajcberg emigrou para o Brasil. Morou em vários cantos do País e finalizou a vida no sítio Natura, em Nova Viçosa (BA), onde montou ateliê e plantou mais de dez mil mudas de espécies nativas.
Agora, oito anos após sua morte, toda a história deste pintor, escultor, gravador, fotógrafo e artista plástico naturalizado brasileiro, tido como um dos mais importantes ativistas ambientais do seu tempo, pode ser conhecida no livro Frans Krajcberg: a natureza como cultura (Sesc São Paulo e Editora da Universidade de São Paulo - Edusp), já disponível nas melhores livrarias físicas e virtuais.
Resultado da encomenda que Krajcberg fez ao também ativista socioambiental, amigo e escritor João Meirelles, em 1985, a obra traz fotos exclusivas e depoimentos inéditos. Quase 40 anos após o pedido e depois de muita pesquisa, finalmente a biografia de Krajcberg vem a público.
Meirelles acredita que um artista plástico da relevância de Krajcberg estava por merecer, há décadas, uma biografia.
“Havia alguns livros, trabalhos acadêmicos e, mesmo, uma biografia na França, mas nada que se aprofundasse. O livro procura acompanhar a trajetória desse dinâmico artista, ouvindo seus pares, críticos e aqueles com quem ele conviveu”, detalha o autor.
“Tive a sorte de conhecê-lo quando tinha 24 anos e ele, 65. Nos demos muito bem e logo realizamos viagens ao norte de Mato Grosso, que o marcaram profundamente e a mim também. Em 1985, ele me pediu que escrevesse sua biografia. Fiquei radiante com a homenagem”, acrescenta.
Alma profunda
Krajcberg teve uma história pessoal de grandes desafios e superações, desde a infância numa comunidade judaica do Leste Europeu, ao fim da adolescência em plena II Guerra Mundial, quando perde a maior parte da família, à migração ao Brasil e à sua busca incessante por um fazer artístico que expressasse a sua alma mais entranhada.
O que o tornou um ambientalista ativo e feroz foi conhecer a Amazônia profunda – o norte do Mato Grosso, o Acre, o Pará – e as mudanças radicais da ocupação iniciada nos anos 1980.
“Ele vivenciou a destruição ambiental na guerra, e nos anos 1950 viu as mudanças sofridas pela Mata Atlântica no norte do Paraná. Foi sempre um viajante pelo Brasil profundo, reclamando que todo artista deveria embrenhar-se pelo interior para conhecer seu país. Sentiu na própria pele a substituição das florestas e dos povos originários por um desenvolvimento questionável. Bradava aos quatro ventos: ‘eu sou um homem queimado, o Brasil é um país queimado, não deveria se chamar Brasil, deveria se chamar queimada’”, comenta o escritor.
No final da vida, Krajcberg, conhecido pelas grandes esculturas em madeira feitas principalmente com troncos e raízes calcinadas, doou seu acervo pessoal de obras e objetos, bem como seu sítio em Nova Viçosa, ao Governo do Estado da Bahia, responsável por seu legado.
“Pessoalmente, estive em Nova Viçosa somente antes da pandemia e não saberia dizer a situação do sítio Natura, porém, em função do centenário de seu nascimento (1923), que não pôde ser comemorado por conta da pandemia, agora seria uma excelente ocasião para celebrar patrimônio tão relevante para a Bahia”, cobra Meirelles.
“O sítio poderia ser cogerido por uma organização da sociedade civil ou uma OS (organização social). A COP30, em novembro, em Belém (PA), seria uma ótima oportunidade para o Ipac apresentar estas iniciativas em parcerias com empresas privadas. Aliás, um dos sonhos de Krajcberg era expor na Amazônia. Chegamos a combinar uma exposição e uma viagem, mas ele adoeceu e não fomos. Quem sabe, completamos o sonho dele de expor as obras sobre a Amazônia na Amazônia”, sugere o autor.
Para Meirelles, as insatisfações ambientais de Krajcberg continuam ecoando por aí. “Eu diria que Krajcberg continua gritando. Ninguém sai impune diante de uma exposição de suas obras, na observação de suas fotografias, ouvindo suas frases bombásticas. A sua obra é a sua vida e elas se confundem o tempo todo. O seu ambientalismo é inegociável, esta é a principal característica do seu grito”.
Sem retoques
Na orelha do livro, o professor da Universidade de São Paulo, Jacques Marcovitch ressalta que João Meirelles consegue decifrar Krajcberg sem retoques. Segundo ele, a fusão do homem e do artista é feita com o distanciamento de um psicólogo ou de outro dedicado estudioso da natureza humana.
E embora seja nitidamente admirador da arte de Krajcberg e demonstre algum fascínio por sua personalidade mutante, Meirelles não passa do ponto, segundo Marcovitch. O autor se mantém invariavelmente sóbrio e contenta-se em repartir opiniões que colheu durante a pesquisa, cuidadosa e objetiva.
Por fim, o próprio João Meirelles diz que Frans Krajcberg “cumpria o seu papel de arauto da conservação e, inclusive, dizia-se mais ambientalista que artista ao fim da vida”.
Além dos 34 capítulos que compõem um quadro completo dos 96 anos de vida do ambientalista polonês, esta edição traz 32 páginas coloridas com obras selecionadas e um anexo com manifestos do artista, além de cerca de 50 imagens de arquivo em preto e branco que retratam o ativista e sua história.
Frans krajcberg - A natureza como cultura / João Meirelles / Edições Sesc SP - Edusp/ 376 páginas/ R$ 122
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