TEATRO
Grupo Os Argonautas volta à cena em comédia de Molière
Peça retrata a hipocrisia moral e religiosa na figura do personagem-título
Por Eugênio Afonso
Parece que 2025 está se materializando como um ano de retomada e fortalecimento de grupos de teatro na Bahia. Primeiro foi a volta de Los Catedrásticos com Macetando o Apocalipse (em cartaz no Módulo), e agora é a vez de Os Argonautas com uma clássica comédia francesa.
Comemorando 25 anos de atividades, o grupo de teatro baiano estreia amanhã, na Sala do Coro do Teatro Castro Alves (TCA), Tartufo – O Impostor. O espetáculo fica em cartaz até 01 de fevereiro, de quinta a domingo, às 20h, sendo que aos sábados haverá sessões duplas – 17h e 20h.
Considerada uma das comédias mais célebres do dramaturgo francês Molière (1622-1673), a peça retrata a hipocrisia moral e religiosa na figura do personagem-título, aqui vivido pelo ator baiano Marcelo Flores, também responsável pela direção do espetáculo.
Marcelo revela que o protagonista é um verdadeiro enganador. “Tartufo abusa da confiança e da fé de um homem rico para ludibriá-lo e roubar seu dinheiro. Ele finge ser uma pessoa de fé, uma pessoa de atitudes, digamos assim, mais corretas, um homem temente a Deus, e usa a religião, a credulidade, para tirar proveito próprio, enganando as pessoas”.
Molière sempre mirava sua comédia nos vícios, nos defeitos das pessoas. “E esse texto sobrevive ao tempo justamente por denunciar, digamos assim, a farsa em nome da religião, a enganação em nome da fé das pessoas”, define o diretor.
Para Flores, o propósito do espetáculo é levar ao público de Salvador um clássico do teatro mundial de todos os tempos. “Revitalizado pela estética do grupo e em comemoração aos 25 anos de trajetória dos Argonautas”, complementa.
No elenco, dois fundadores de Os Argonautas, o próprio Marcelo e a atriz Alethea Novaes, e também Celso Jr., Beatriz Conceição, Marcos Barreto, Rapha Gouveia e Tiago Querino, todos artistas convidados para este espetáculo.
Moral e fé
O dramaturgo francês criou Tartufo como um farsante religioso, hipócrita e inescrupuloso, que consegue, com sua aparente fé e devoção, enganar Orgon – pessoa influente na sociedade parisiense –, passando a viver em sua casa e a controlar a vida de sua família.
A partir daí, a trama se desenrola entre situações cômicas e desencontros amorosos, uma vez que Orgon deseja casar sua filha com Tartufo. No entanto, os demais familiares irão desmascarar o impostor para tentar impedir o matrimônio.
Esta versão baiana de Tartufo quer colocar em xeque a perigosa associação da religião com o poder e os chamados valores tradicionais da sociedade – família, moral e fé. Molière cria com astúcia um jogo engenhoso de crenças, paixões, golpes, mentiras e fé cega. O autor não está criticando uma religião específica, mas a impostura, a farsa. E como qualquer comédia, Tartufo quer divertir as pessoas.
Na pele de Orgon, um pai de família e um homem temente a Deus, Celso Jr conta que a personagem está totalmente deslumbrada por um protagonista pilantra que usa a fé religiosa para obter favores e vantagens.
“Orgon coloca Tartufo dentro da própria casa, sem saber que ele está dominando tudo, com regras e falso moralismo. Todos da casa (filhos e criada) tentam abrir os olhos de Orgon, mas ele está totalmente ‘bitolado’ pelo falso profeta”, explica Celso.
O ator diz ainda que é impressionante como uma peça escrita em 1664 consegue ser tão atual. “Molière mexe num vespeiro perigoso, que é o mau uso da fé e da religião para obter lucro e poder. E foi perseguido por isso. Hoje, mais de 360 anos depois, continuamos testemunhando esses mercadores da fé alheia, que se fingem de santos e profetas, mas que são picaretas espertos, que usam recortes de passagens dos livros sagrados (Bíblia, Talmud, Corão) para oprimir, roubar e ganhar poder”.
Três décadas
Em 2025, dois fundadores de Os Argonautas, Marcelo e Alethea, estão comemorando 30 anos de carreira. Conhecido também de algumas novelas da Globo (Quanto Mais Vida, Melhor), Marcelo diz que o balanço dos 25 anos dos Argonautas e dos 30 de sua carreira é o signo da existência e resistência. “Quero continuar seguindo a minha vocação, a minha paixão e também a escolha estética e ética de trabalhar em um grupo”.
Já Alethea, que faz duas personagens na peça – a criada e a esposa –, diz que estas duas décadas e meia de existência são muito importantes para celebrar porque comprova a resistência de levar adiante o teatro.
Ela ressalta que montar os clássicos teatrais sempre foi uma decisão do grupo. “É impressionante como a atualidade da temática sobrevive ao longo do tempo. E é muito oportuno, para os dias de hoje, uma montagem de Tartufo. Esses personagens sobrevivem porque ainda têm muito a falar para nós e sobre nós”, finaliza a atriz.
Felizmente, a montagem de espetáculos maiores tem sido facilitada graças aos editais da Lei Paulo Gustavo, com apoio do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura.
Afinal, sem suporte financeiro para as atividades culturais das artes cênicas baianas fica quase inviável desenvolver um projeto teatral, que não seja um monólogo, nos tempos atuais. Parabéns a todos os envolvidos.
Tartufo – O Impostor / 17 de janeiro a 01 de fevereiro / quinta, sexta e domingo, 20h, sábado, 17h e 20h / Sala do Coro do Teatro Castro Alves / R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)
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