CULTURA
‘Iconografia baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir’ traz arte e história
Vislumbres da velha Bahia
Por Chico Castro Jr.

Se por “iconografia” podemos entender um conjunto de imagens e / ou símbolos de um lugar ou uma época, o livrão de arte Iconografia baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir (Editora Capivara) cumpre com louvor a tarefa de nos mostrar a velha Bahia em profundidade e diversidade.
Magnífico conjunto de imagens e documentos que retratam a Bahia entre os séculos 17 e 19, o volume traz um recorte da maior e mais importante coleção privada do país em sua categoria. Com organização de Pedro Corrêa do Lago, Iconografia baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir reúne 269 imagens e uma cuidadosa análise desta produção artística, cartográfica e documental, hoje abrigada no Instituto Flávia Abubakir.
Além de Pedro Corrêa, o livro conta com textos e estudos de importantes autores: Daniel Rebouças e Pablo Magalhães (também colaboradores associados ao Instituto Flávia Abubakir), Dilson Midlej, Francisco Senna, João Dannemann, Rafael Dantas e Sávio Queiroz Lima.
Como se sabe, antes da invenção da fotografia, os monarcas e nobres costumavam contratar os chamados “artistas viajantes” para irem aos seus domínios mais distantes e, lá, produzirem desenhos, aquarelas, gravuras e telas à óleo retratando aquilo que lhes pertencia mas eles sequer sabiam como era – e que riquezas continham.
Diversos artistas viajantes percorreram o Brasil Colônia e Império. Alguns dos mais famosos são Albert Eckhout, Frans Post, Thomas Ender, Marc Ferrez e Carl Friedrich Philipp von Martius, entre outros. Este último está no livro da Coleção Abubakir, assim como outros grandes artistas, como Giuseppe Leone Righini, Johann Moritz Rugendas, Maria Graham, Manley Hall Dixon e William Smyth.
Há paisagens naturais, cenas de trabalho, as ruas de Salvador (vista por dentro ou a partir do mar), mapas, figuras humanas, documentos: uma infinidade de informações que nos transportam para a Bahia de séculos passados.
Frank e Flávia Abubakir vem colecionando este acervo há mais de vinte anos. Para ele, a iconografia é uma porta aberta, um convite para vermos a realidade de outras formas. “(A iconografia) Provoca aquilo que chamo de deslocamento do olhar: ver de outra maneira, sob outro ângulo, descobrir outra verdade ou até mesmo a mentira. Você vê como era e como é”, afirma.
“Sem contar, claro, a beleza estética das pinturas e daquilo que é retratado desse mundo, do qual sempre sobra algo, mas que também desapareceu, seja na arquitetura, nos costumes, nas vestimentas, até no modo de trabalho, alimentação, cultura, religião. Acho que a iconografia tem essa grande vantagem: ela está de portas abertas para você, não tem o hermetismo que muitas vezes acompanha as obras de arte”, observa.
Belos registros
Em seu prefácio, Pedro Corrêa reputa algumas peças vistas no livro como "entre os mais belos registros visuais do país". Para Frank, “Eles são belos por uma técnica do passado que não se usa mais, e com isso eles fogem do comum porque muitas vezes as coisas são bonitas, mas são tão vistas e tão dadas que se tornam clichês. No caso, você está falando de retratações que eram muito caras no tempo e são muito raras hoje, até porque parte disso se perdeu”, afirma.
“Sei que meu querido amigo Pedro Corrêa do Lago gosta muito dos quadros de Righini. Eu diria serem eles o grande símbolo da cidade do Salvador do século 19, retratando a região do Forte São Marcelo. Há dois na coleção Flavia e Frank Abubakir e um no Museu de Arte da Bahia, que são realmente belíssimos”, acrescenta o empresário e colecionador.
Curiosidades holandesas
A possibilidade de ter um vislumbre da antiga Salvador é algo que, de fato, fascina: “Gosto muito de uma cena da Salvador do século 18, provavelmente de um aluno do Antonio Caldas, mostrando como era a região que hoje é a Praça Castro Alves. Vamos para um passado do qual não há imagens, então há beleza na raridade disso. Eu sempre vou apreciar mais a singularidade e a raridade do que a imponência do tamanho ou do valor de mercado”, garante Frank.
A passagem dos holandeses pela Bahia, em uma breve, porém arrasadora ocupação entre 1624 e 1625, rendeu algumas curiosidades em Iconografia Baiana. Uma delas é a gravura retratando um famoso (na época) pirata holandês que atuou muito na Bahia, conhecido pela divertida alcunha de Rock Brasiliano. Com seu cabelo lambido e portentoso bigode, se chamava na verdade Gerrit Gerritszoon
Outra curiosidade neerlandesa é mais técnica: na parte cartográfica do livro fica nítida a superioridade dos mapas produzidos pelos holandeses, em relação àqueles desenhados pelos colonizadores portugueses. E não é por que os holandeses fossem melhores cartógrafos. É porque os portugueses não queriam alardear o tamanho e a riqueza do Brasil para o resto do mundo, justamente a fim de desencorajar invasores – como os holandeses.
“Eu não vou dizer que não haja (bons) mapas portugueses. Inclusive, muito recentemente, não tem um mês, nós descobrimos um dos desenhos da coleção que mostra o último momento dos holandeses no Nordeste, que foi feito por um português, o Aldo Hernández. E, sim, eles são mais raros porque esses documentos eram tidos como documentos muito secretos, eles não gostavam de divulgar a informação, enquanto a Holanda tem uma tradição de preservação de memória e de registro muito forte desde daquele tempo”, conta Frank Abubakir.
“No pouco tempo em que a Holanda esteve no Brasil, eles tentaram registrar o máximo possível, e após isso Portugal radicalizou ainda mais no sentido de tornar o Brasil secreto”, acrescenta.
Acessibilidade
Com mais de 50 mil itens, o Instituto Flávia Abubakir oferece acesso digital à boa parte do seu acervo pelo site da instituição. (institutoflaviaabubakir.org).
Frank conta que a questão do acesso à tamanha riqueza artística e histórica é uma prioridade do Instituto. “Certamente a função social do acervo sempre foi uma preocupação, desde o começo. Não achamos que faz sentido haver coleções que simplesmente não são divulgadas. Hoje, com as novas tecnologias, a gente faz um trabalho diário de digitalização em altíssima definição dos quadros, das aquarelas, mapas, manuscritos, dos livros. A gente quer pelo menos disponibilizar os livros muito raros para que qualquer pessoa possa acessar pela internet, a forma de divulgação mais democrática” conta.
Por enquanto, porém, não há planos de criar uma casa ou museu específico para o acervo. “Eu não acredito nesse modelo, de simplesmente ter um acervo, jogar em um museu e aquilo ficar parado”, afirma.
“Sempre que somos convidados, enviamos os quadros para exposições e exibições. Por exemplo, agora a gente tem alguns quadros no MAC – Museu de Arte Contemporânea de Salvador. Temos convites, às vezes, de instituições internacionais. A Universidade de Salamanca está nos convidando agora para enviar mapas para uma exposição por lá. Quem sabe um dia, à medida em que as oportunidades forem surgindo, vamos seguindo esse princípio do qual eu gosto muito. Quem sabe a gente venha a ter um espaço para fazer exposições, mas não exposições estáticas”, conclui.
Iconografia baiana na Coleção Flávia e Frank Abubakir / Pedro Corrêa do Lago (org.) / Capivara/ 320 p./ R$ 195
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