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Jornalista baiano lança "Conversas de Cafetinas"

Publicado quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009 às 10:28 h | Atualizado em 11/02/2009, 10:40 | Autor: Claudia Lessa, do A Tarde OnLine


Saiana é do tempo em que os pais levavam seus varões para perder a virgindade nos cabarés. Com ela, a prostituição foi uma opção de vida, por mero prazer do ofício. Nini, que amou um homem só, mas que ficou ao lado de outro, conheceu a "vida fácil" ainda criança. Tem ainda Cabeluda, Andréa, Gina, Minininha, Juci e Fátima, donas de bordeis e de instigantes histórias de vida, contadas pelo jornalista baiano Sérgio Maggio, 42 anos, no livro Conversas de cafetinas.

A publicação, da Arquipélago Editorial, será lançada hoje, às 19 horas, na Livraria Saraiva (Shopping Salvador). O trabalho reúne oito perfis jornalísticos de mulheres que comercializam o sexo em Salvador e cidades do interior baiano.

Com muito jogo de cintura, o autor conquistou a confiança de algumas delas, que acabaram falando abertamente sobre profissão, cotidiano, amores... “Foi um mergulho num mundo que, infelizmente, está renegado ao obscurantismo”, observa Maggio, que levou 11 anos para concluir suas pesquisas sobre o tema, iniciadas em função do projeto de conclusão do curso de jornalismo, na Ufba.

Face oculta – Além de trazer à tona a face mais oculta e complexa da prostituição, através das cafetinas (que tiveram seus nomes verdadeiros preservados), Sérgio Maggio usou da imaginação para escrever o texto teatral Cabaré das donzelas inocentes, incluído no livro. A peça foi inspirada nas pesquisas feitas na Bahia e em Brasília, onde o autor mora há oito anos. “O real se fez ficção”, pontuou. Na capital federal, ele investigou  as prostitutas que se vendem à porta dos hotéis.

O livro, ressalta o autor, busca mostrar o lado humano dessas mulheres fora-da-lei, que vivem “em estado de contravenção por organizar e lucrar com a prostituição“, aos olhos do Código Penal. O que chega para a população em geral “ou é folclorizado pelas telenovelas ou vilanizado pelo noticiário policial”.

Histórias de vida –   Entretanto, por trás dessas donas-de- casa – como elas preferem ser chamadas –, há histórias peculiares. Gina, por exemplo, saiu hippie de Brasília e, no meio do caminho, se tornou prostituta. Assumiu o ofício em Salvador, ganhou muito dinheiro e, depois, montou seu próprio negócio. Ali, a paisagem da Baía de Todos os Santos contracena com suas meninas.

Ela disse ao jornalista: “Quando sair daqui, sentirei muita falta deste pôr-do-sol. É o mais lindo que vi em toda a minha vida“.
Saiana, por sua vez, ganhou fama e virou uma lenda viva. Recebeu esse apelido ainda nova, quando virou mulher do cais. Encheu a bolsa de dólares e regressou para Nazaré das Farinhas, sua cidade natal. Da experiência, guarda o orgulho de ter colorido o sobrado de luzes e mulheres exuberantes. Curiosamente, conta Sérgio Maggio, ela vivia de facão na mão, defendendo “o patrimônio, as meninas e os amores”.

Já a romântica Dona Minininha diz nunca ter trocado uma noite de amor por dinheiro. O ofíco de administrar  um cabaré, entretanto, ela o faz há 26 anos. “Mãe“ dedicada das moças que comercializa, ela tem uma explicação para o fato de não ter acumulado dinheiro: “Sempre ajudei demais essas mulheres. Nunca deixei faltar nada nesta casa”.

Com o suposto fim da prostituição na Montanha, a partir da indenização do governo aos moradores da região do meretrício, a cafetina Juci vislumbra uma nova vida: “(...) Duas pessoas videntes disseram que, quando eu fizesse 37 (na época da entrevista ela tinha 36), me tornaria uma empresária”. Para a ex-prostituta (que largou a profissão por causa do amor de um cafetão), acabar com a zona no local está mais do que na hora: ”Isso aqui já deu o que tinha que dar”.

Há histórias também de quem deixou a prostituição e subiu ao altar, apaixonada. Andréa, que perdeu a virgindade aos 12 anos, vendendo o corpo, ficou casada por sete anos. Mas o marido a trocou por uma mulher da zona. Teve que voltar à função para dar conta do sustento dos filhos. Só que retornou como cafetina, não mais como meretriz.

Dona Cabeluda que, até tomar remédio para cair os pêlos em excesso dos braços e das pernas, fazia jus ao condinome, é tida como figura histórica na região de Cachoeira, onde foi dona de boate por 30 anos.  Testemunhou os altos e baixos da profissão. Mas nunca perdeu seu sonho de abrir um bordel num lugar distante.

“Construi perfis individuais para cada uma das oito mulheres, explorando aspectos próprios elucidativos para entender e descobrir faces da realidade delas e, ao mesmo tempo, revelar sua essência feminina”, detalhou o autor, no posfácio do livro.


FASCINADO POR INVESTIGAR A PROSTITUIÇÃO

Sérgio Maggio, autor de Conversas de cafetinas, conta que extrair um perfil das donas de bordeis foi “um exercício de obstinação, envolvimento, observação e, sobretudo, uma prática de jornalismo“.

Formado pela Universidade Federal da Bahia, atualmente subeditor de cultura e crítico teatral do jornal Correio Brasiliense, Sérgio Maggio, 42 anos, conseguiu o feito de revelar, com fascinação, histórias de acertos e desacertos e de sentimentos múltiplos.

Nas suas idas a campo, Maggio carregou o desafio de descobrir “faces que embaraçavam a realidade das cafetinas: a função no mundo da prostituição, a relação com as prostitutas, a origem do poder e as ambiguidades“.

O interesse por investigar a prostituição vem da infância, por conta do pai, que costumava frequentar a zona. “A atração que ele tinha por aquele universo nunca saiu da minha cabeça. Ficava dividido entre me solidarizar com minha mãe, que morria de ciúmes, e a curiosidade por aquele  mundo“, revela.


Conversas de Cafetinas | Lançamento hoje, 19h | Livraria Saraiva (3341-7020)| Shopping Salvador  | Grátis

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