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Krajcberg acusa o governo de descaso sobre acervo

Publicado segunda-feira, 03 de novembro de 2008 às 23:21 h | Atualizado em 04/11/2008, 00:32 | Autor: Mário Bittencourt, da Sucursal Eunápolis

“Eu não quero ver gente entrando e saindo, fazendo anotações sobre o que tem aqui, eu enlouqueço. A doação que quero fazer é de tudo. Mas quero ter minha independência também para, se algum dia eu quiser vender alguma escultura para sobreviver, eu poder fazer isso”.

Assim resume o artista plástico naturalista Frans Krajcberg, 87, sobre o que pensa atualmente em relação ao processo de doação de todo o seu acervo, que se encontra no Sítio Natura, em Nova Viçosa, a 941 km de Salvador, no extremo sul da Bahia. Para o artista, o processo de doação que o Estado está fazendo “não é sério”.

Sentindo que seu estado de saúde piora a cada dia, desde que ele, há cinco meses, sofreu uma tentativa de envenenamento, Krajcberg afirma que o governo baiano está fazendo o processo de doação “de qualquer maneira”. “Se for para fazer assim, eu prefiro pensar um pouquinho mais. Não é isso que me interessa. Há funcionários, plantas e tudo mais que há aqui. Não tem limite essa doação”, diz Krajcberg, que possui mais de 200 obras, entre esculturas, fotos e quadros, e é o criador do primeiro museu artístico-ecológico do mundo, que se encontra em seu sítio de 51 hectares de mata atlântica preservada, uma das últimas da região.

PROPOSTAS – Krajcberg informou que tem recebido propostas de doação de empresas privadas do Canadá, França e Estados Unidos, onde querem também homenageá-lo com museus. “Mas, se eu doar para essas empresas, elas vão querer tirar as minhas obras daqui e eu não quero isso. A única coisa que desejo é que preserve o que está aqui e termine a construção do museu, que ainda faltam quatro prédios”, disse o artista, que está em Nova Viçosa desde 1971, ano em que recebeu o convite de um amigo proprietário de uma agência de viagens e veio para o Brasil, de onde não mais saiu. “Eu amo esse lugar e quero que ele seja preservado, só isso”.

Ao contrário do que deseja o artista, quando afirma que “não quer ver gente entrando e saindo” no seu sítio, a Secretaria Estadual de Cultura (Secult) anunciou que está com uma equipe preparada, com recursos já disponíveis, para fazer o inventário de tudo que ele tem.

O compromisso do Estado, segundo informou o secretário Marcio Meirelles, era transformar o sítio numa Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), feita em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente. “Os estudos todos já foram finalizados. No momento da doação, não é mais uma reserva particular, será um centro ecológico e artístico-ambiental”, disse o secretário, contrariando o artista.

Juridicamente, segundo a Secult, o processo de doação está bem avançado. “E tecnicamente e administrativamente também, porque a equipe está preparada, a gente tem orçamento. São R$ 200 mil só para diárias de hotel para os funcionários fazerem o inventário, que duraria cerca de quatro meses. Krajcberg é uma pessoa muito reclusa. Ele ficou um pouco com receio dessa questão de se fazer o inventário. Foram alguns técnicos lá para terem uma idéia inicial e uma estimativa de tempo de custo que isso levaria. Ele achou que seria uma coisa que poderia demorar muito tempo”, disse Meirelles.

ENVENENAMENTO – Desde que sofreu, há cinco meses, uma tentativa de envenenamento e um suposto roubo de dinheiro e pertences de alto valor sentimental, mistério que ainda não foi desvendado pela Polícia Civil baiana, o polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg anda recluso e conversa pouco. “Minha saúde piora a cada dia, eu sinto isso”, disse, com um tom de voz fraco, no sofá do seu escritório.

O artista se diz revoltado com as coisas que aconteceram com ele. Mas não é por isso que quer deixar a Bahia e o Brasil. “Saíram por aí dizendo que eu queria isso, mas é mentira. Eu quero ficar aqui e desejo que haja uma solução para essa doação. Por enquanto, eu estou muito desconfiado do que será feito, pois nada está sendo levado a sério”, disse, informando que dispensou 20 funcionários e que o museu está parado.

No ritmo que segue a “maré”, Krajcberg diz que vai desanimar de vez. “Eu preferia que tudo fique aqui. Mas eu não tenho confiança. Estou perdendo o interesse para entregar as coisas para a Bahia. Precisa ser claro: se eu quero entregar tudo, não é um quadrinho, mas tudo que deixar depois da minha morte vai pertencer ao Estado. Esse terreno é do Estado, pois foi doação. Mas não posso dizer agora e entregar já. Não é sério isso tudo. Eu acho que precisamos pensar que não se entrega os bens assim”.

Marcio Meirelles informou que “o governador tem um empenho pessoal nisso e o governo como um todo também”. “Mas aí acontece que ele ficou fragilizado, meio inseguro em relação ao andamento da coisa. Tenho conversado com o secretário de Segurança Pública para saber em que pé andam as coisas e já foi uma equipe duas vezes para investigar e já descobriram pelo menos um dos criminosos e já tem ordem de prisão para o cara, que está foragido e está sendo buscado”, disse Meirelles.

A informação do secretário vai na contramão do que disse o delegado titular do Complexo Policial de Nova Viçosa, Samuel Martins Neto: “Não encontramos prova alguma do roubo com os acusados por Krajcberg”.

*colaborou Daniela Castro

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