ENTREVISTA
Lázaro Ramos relembra infância no Garcia: “Cheguei onde estou pela força do coletivo”
Ator será homenageado pelo conjunto da obra no 31º Festival de Cinema de Vitória
O Festival de Cinema de Vitória, que acontece na capital do Espírito Santo, tem nesta quinta-feira, 25, uma ocasião muito especial para a cultura baiana. Um dos filhos mais ilustres do nosso estado, o ator, diretor e escritor Lázaro Ramos, será homenageado por sua rica trajetória nas artes desde os anos 1980.
Em um momento como esse, para alguém que galgou tantos degraus dentro do teatro e do audiovisual baianos como Lázaro, é inevitável não seguir por uma estrada de reminiscências, lembranças e reencontros com a sua própria memória.
Em um papo com o A TARDE, o ator soteropolitano refletiu sobre um encontro consigo mesmo nesse caminho de sucesso, mas, também, de muita luta, trabalho e foco no futuro.
“Essa pergunta aparece de vez em quando durante a minha trajetória profissional. E, felizmente, a resposta vai mudando. Porque todas as vezes que eu falo para o menino, eu falo para o adulto, também. Eu acho que o que eu falaria a esse menino Lázaro, hoje, é: 'dobre a aposta em você mesmo'. Porque em muitos momento não apostamos em nós, não investimos na gente. E mesmo quando conquistamos algumas vitórias, tem um momento que parece que chegou a um topo, ou nós não sabemos exatamente o que é esse topo. O meu topo, hoje em dia, tem muito a ver com a questão pessoal e profissional de conseguir levar conteúdos relevantes para as pessoas", afirma.
Atento ao que o circunda e distante de qualquer acomodação, Lázaro também aborda em sua resposta sobre esse reencontro consigo uma necessidade de não se deslumbrar com a fama e de não se esquecer do seu entorno.
“Para ser relevante, é preciso escutar muito o seu tempo. Então, eu diria para esse menino: 'escute o seu tempo e dobre a aposta em você'. E é o que eu estou fazendo agora nesse momento. Depois de ter construído tanta coisa, de ter vivido tanto, eu tenho me preparado cada vez mais para ler melhor o meu próprio tempo e continuar produzindo coisas que sejam relevantes para as vidas das pessoas. Levando assuntos e discussões que sejam importantes e que façam diferença no dia a dia e na hora das pessoas tomarem suas decisões. É isso. É um acredite em você com outras camadas essa resposta (risos)”, pontua o ator sempre bem humorado, entre sorrisos.
Mestres e discípulos
No papo com A TARDE, Lázaro relembrou momento marcantes de sua trajetória, como quando atuou, ainda criança, ao lado do gigante Mário Gusmão. Sobre sua convivência com outros mestres, como Zózimo Bulbul e Zebrinha. Este último, em entrevista ao A TARDE em 2023, falou sobre como enxergava no próprio Lázaro a figura de um dos seus próprios mestres.
“Zebra faz uma fala muito generosa. Mas o que eu aprendi, inclusive com ele, é que os meus mestres continuarão sendo mestres em inspiração. Por isso, inclusive, eu falo tanto com ele. Porque o que me fortalece são essas vivências compartilhadas dos profissionais que vieram antes de mim. E o Zebrinha é um deles. Se ele fala isso, eu acolho com generosidade”, comemora Lázaro, relembrando esse momento de conselhos para com o próprio mentor.
"As conversas que eu tive com Zebrinha sobre o documentário (Ijó Dudu -Memórias da Dança Negra na Bahia), muitas vezes era só ser somente um ouvido para algo que ele já sabia o que queria fazer. Então, mais do que ser mestre, como ele fala, eu acho que fui um ouvido, uma escuta, uma pessoa para conversar. Eu me sinto muito orgulhoso por ter essa confiança dele para compartilhar comigo esse momento tão importante na sua vida, que foi a construção desse documentário, que eu acho um marco no cinema baiano. E esses mestres se tornam sempre um norte para mim”, diz.
Sobre as lembranças de Bulbul, Lázaro crava uma forte mensagem que o diretor de Alma no Olho (1974) lhe transmitiu e como isso reverbera no modo como ele enxerga sua própria importância diante de outras pessoas.
"A frase que o Zózimo me disse depois que eu o entrevistei pela primeira vez, de que a câmera era uma arma, que era para eu me sentir à vontade para usá-la, é uma frase que volta sempre. Essas frases que eu ouvi ao longo da minha vida, dessas pessoas que tão generosamente compartilharam suas experiências, são o que me compõem. Hoje em dia, tem outras pessoas que me procuram nessa função de inspiração também, e eu fico muito atento. Porque eu sei que, às vezes, uma frase ajuda a pessoa a mudar sua trajetória", assegura Lázaro.
“Sei que para algumas pessoas eu tenho esse lugar, mas eu faço isso com muita responsabilidade, sabendo do meu tamanho, do meu papel, e entendendo, também, que as pessoas não vão contar histórias como a minha. A minha história é uma e as pessoas terão a oportunidade de contar suas histórias e serem quem elas querem, desejam e sonham em ser. É muito esse lugar que eu procuro ocupar. O do estímulo, mas sem imposição de nada, até porque cada um contará a sua história. Principalmente porque, mesmo as minhas inspirações, são pessoas muito distintas e que tiveram histórias muito distintas. E isso é uma grande qualidade que eu vejo. O direito à individualidade, também", destaca.
Ao relembrar do seu primeiro trabalho profissional, aos dez anos de idade e ao lado de um gigante como Mário Gusmão, Lázaro Ramos explana sobre a importância dos seus diálogos com ele e como esse tipo de contato vem se perdendo para as novas gerações.
“Sou apegado ao Mário Gusmão e às conversas que eu tive com ele, quando fiz o meu primeiro trabalho, na TV Itapoan, O Menino e o Velho (1988), dirigido pelo Bertrand Duarte, e o último trabalho dele em vida, o Zumbi dos Palmares, onde eu fazia o Zumbi e ele fazia o Ganga Zumba. Foram conversas diárias que sempre foram muito estimulantes. E eu acho que sou muito fruto disso. Da oportunidade de ter conversado com pessoas. De não só ter assistido, mas conversado com essas pessoas. Essas conversas me preenchem muito. E eu falo isso porque vejo pessoas, hoje, inclusive da nova geração, que quando têm alguém do seu lado com quem podem trocar um papo, preferem ficar no celular olhando coisas que estão distantes de si. Esse olhar para quem está perto é muito importante, também", afirma.
Ajuda do coletivo
Oriundo do bairro do Garcia, Lázaro pontua como os coletivos organizados tanto em sua infância quanto em todos os lugares por onde passou em sua trajetória inicial, foram formando em sua consciência a importância de se fazer parte de um todo. "Para a gente chegar em algum lugar, pelo menos a minha experiência é essa, eu cheguei a algum lugar pela força de coletivos. Seja o coletivo do Projeto Recreio, quando eu comecei a fazer teatro no meu bairro; ou o coletivo dos estudantes do Centro Integrado Anísio Teixeira, que faziam teatro comigo; ou o coletivo dos funcionários da época em que eu era técnico em patologia, onde um apoiava o outro para conseguir realizar o nosso trabalho. E chegando ao Bando de Teatro Olodum, que me deu toda uma formação e acolhimento para executar melhor e melhor essa profissão. Essa força do coletivo não pode ser esquecida. Mesmo que eu tenha feito isso com as minhas características individuais, o fortalecimento foi um investimento no coletivo", finaliza Lázaro.
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