CULTURA
Leia trecho de Mãe Menininha do Gantois Uma Biografia
Por A Tarde On Line
O livro Mãe Menininha do Gantois Uma Biografia, de Cida Nóbrega e Regina Echeverria, foi lançado nesta quinta-feira no terreiro em que vive a memória da ialorixá, que morreu em 13 de agosto de 1986, aos 92 anos.
Leia abaixo a íntegra do capítulo 13 do livro, Depois do Fim, gentilmente cedido pelas autoras.
Capítulo 13
Depois do fim
Em respeito à morte de Menininha, o prefeito da cidade de Salvador decretou luto oficial de três dias.2 Mais de cem telegramas, de várias partes do mundo, chegaram ao terreiro do Gantois, somente na manhã seguinte à morte da ialorixá. De todos os cantos do Brasil, filhos-de-santo
desembarcaram no terreiro para as cerimônias fúnebres.
Filhos de Menininha que viviam em São Paulo e no Rio de Janeiro encontraram-se no mesmo avião para Salvador, todos vestidos de branco, num vôo de triste memória e lágrimas.
Em homenagem a ela, templos umbandistas e de candomblé de São Paulo respeitaram o tradicional minuto de silêncio antes de suas sessões. Os principais terreiros da Bahia fecharam as portas em reverência e só reabriram sete dias depois. No Jardim da Saudade, onde Menininha foi sepultada, muita gente apareceu no dia seguinte, inclusive mães-de-santo de outras cidades.
O luto dos terreiros nagôs pela morte da ialorixá se estendeu por um mês, com a interrupção de todos os trabalhos religiosos. Encerrado este prazo, os atabaques puderam voltar a tocar e as casas retomaram as obrigações religiosas, sem que se quebrasse a hierarquia e o próprio luto do Gantois.3
Na reportagem de Veja, sob o título Morte reverenciada, a revista destacou o fato do corpo de Mãe Menininha, assim como o do presidente Tancredo Neves, ter sido conduzido por um carro do Corpo de Bombeiros, e concluiu que Tancredo Neves mereceu a honra, impulsionado por uma unanimidade política, quase sem precedentes na história do país. Mãe Menininha foi parar ali, levada por um fenômeno cultural de origem religiosa, também sem precedentes.4
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Uma mãe-de-santo é como um chefe de Estado para sua comunidade, uma rainha que tem um poder que nem um ditador possui, é a mãe no sentido mais total, declarou a Veja o escritor baiano Jorge Amado, na mesma reportagem. E mais: As homenagens que os representantes do poder prestaram à ilustre senhora do Gantois, por ocasião de seu sepultamento, mostraram até onde haviam chegado sua influência e o seu prestígio.
Conforme a tradição, pelos quatro dias que se seguiram ao enterro, os objetos que pertenciam à Menininha foram recolhidos, já que não podiam ser utilizados pela sucessora.
No Gantois, todos vestiam o branco do luto. Estavam lá pais e mães-de-santo do sul do país. Ao lado dos filhos da casa, cumpriram o conjunto do ritual fúnebre, chamado de axexê, e que deve ser feito sempre por ocasião da morte de um filho-de-santo. No caso de uma ialorixá, as obrigações repetem-se periodicamente durante um ciclo de 21 anos. No Gantois, guardam-se os primeiros sete dias depois da morte.
As cerimônias se repetem quando se completa um mês, três e seis meses. Depois, um ano, três, sete, 14 e 21 anos.
O período do luto inicial por Menininha terminou um mês depois de sua morte, exatamente em 13 de setembro de 1986.
Mas, pelos três anos que se seguiram, os atabaques não puderam tocar no terreiro. Festas também não foram celebradas, apenas cumpriram-se as obrigações internas para os orixás. As
canções, durante as cerimônias, foram acompanhadas apenas pelo som das cabaças, até a conclusão do axexê de três anos, quando se encerrou definitivamente o luto. Só então o terreiro
foi aberto ao público e anunciada a sucessão de Menininha.
No primeiro aniversário da morte, o Gantois voltou a reunir seus filhos, dando seguimento à seqüência das cerimônias fúnebres num ritual que se prolongou por toda a noite, até às 5 horas da madrugada, seguido de outra cerimônia, desta vez católica uma missa na Igreja do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. Mais tarde, houve o lançamento, pela ECT (Empresa de Correios e Telégrafos), de um carimbo comemorativo com a efígie de Menininha, que ficou em uso na agência central dos correios, na Cidade Baixa, por sete dias, quando foi enviado para o Museu Postal Nacional, em Brasília.
A sucessão da ialorixá passou a ocupar o noticiário e a curiosidade do povo-de-santo e de fora dele. Menininha já havia se pronunciado a respeito e no Gantois, como se sabe, o cargo, além de hereditário, só pode ser ocupado por mulheres.
Exatamente como ela havia dito: A tradição é muito importante aqui no Gantois. A ordem vem da nossa seita, de mais de cem anos: vem da minha bisavó, Maria Júlia da Conceição Nazareth, depois passou para minha tia, Pulquéria da Conceição Nazareth, minha mãe, Maria da Glória Nazareth, e, agora, eu. Mas acredito que minhas filhas não queiram tomar conta da casa. Essa decisão, contudo, fica a critério dos encantados [os orixás]. O que eles decidirem estará bem decidido. A missão é muito árdua e eu pessoalmente, não desejo que minhas filhas passem o que estou passando. Eu estou cumprindo a missão por mim e por elas, também.5
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A sucessão se legitimou após o axexê de três anos, quando assumiu definitivamente a filha mais velha, Cleuza Millet, que estava com 65 anos. O terreiro foi reaberto ao público para a festa das Águas de Oxalá, na última sexta-feira de setembro de 1989.
Em seu período como mãe-de-santo do Gantois, Cleuza Millet inaugurou o Memorial Mãe Menininha do Gantois, em 10 de fevereiro de 1991, dia em que a homenageada completaria 97 anos.
Até os dias de hoje, o Memorial ocupa os antigos aposentos de Menininha. Durante o mesmo evento, Caetano Veloso deixou suas reflexões sobre a ialorixá. Em seu texto, ele pergunta: Quem poderia sequer começar a entender o que queremos, o que podemos, o que somos, sem sentir a presença doce e firme da ialorixá que cuidou dos santos e dos seus filhos, no período de sutilíssimas dificuldades da sinuosa transição, para o reconhecimento do culto pela sociedade como um todo?
[...]
Que a memória de Mãe Menininha seja, também, daqui e de qualquer lugar do mundo, uma sugestão de superação do medo. Nunca a esqueceremos, nunca abandonaremos sua sabedoria. É assim que gosto de pensar na entrada do Brasil no terceiro milênio. [...]6
Três anos mais tarde, em 10 de fevereiro de 1994, quando se comemorou o centenário do nascimento de Maria Escolástica da Conceição Nazareth, uma grande festa aconteceu no Gantois. No convite para as comemorações, a frase ficou gravada: Emabalatibó Milerê Nilê Alá Fia7
Que a felicidade permaneça em sua casa. Naquela noite de festa, a água da chuva não poupou as centenas de pessoas que se acotovelaram na Praça Pulquéria, para celebrar a memória de Menininha e ouvir o coral formado pelas vozes conhecidas do terreiro somadas às de Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa, além do tom marcante da voz cristalina de Delza, filha-de-santo e iadagã do terreiro, que comandou os solos.
Para todos, Menininha devia estar por perto e feliz, pois se manifestava através da água da chuva, que seu orixá Oxum havia mandado cair sem piedade. O povo delirou debaixo de tanta água.
Porém, o ciclo das cerimônias fúnebres de Menininha ainda não havia se encerrado. Em 2000, aconteceu o axexê pela passagem dos 14 anos de sua morte. A próxima e última deverá acontecer no ano de 2007, quando se completarão 21 anos da partida da ialorixá.
Cleuza Millet, a mãe-de-santo do Gantois que comandou os festejos, morreu nove anos depois de assumir a casa, em 1998. Tinha 74 anos.
Depois de se cumprirem os três anos de luto oficial do terreiro, os orixás confirmaram no cargo a filha caçula de Menininha, Carmen Oliveira da Silva, ialorixá do Gantois desde 2001.
Três mulheres e um só destino. Assim sempre esteve escrito.
NOTAS
1 NAZARETH, Maria Escolástica da Conceição. Entrevista a Ramalho
Neto. RAMALHO NETO. Mãe Menininha do Gantois, LP 034 405 140,
Phonodisc/Continental.
2 Em nota ofi cial, o então prefeito de Salvador, Mário Kertész,
declarou: Com ela some um pouco de uma Bahia que vai fi cando
cada dia mais oculta. É fundamental, portanto, que nós, que tivermos
o privilégio de sua convivência, saibamos guardar sua memória bem
viva. GANTOIS perde sua Oxum mais bonita. A Tarde,
Salvador, 14 ago. 1986, p. 3.
3 MÊS de luto pela Mãe Menininha chega ao fi m. Tribuna da Bahia,
Salvador, 15 set. 1986, Capa e p. 6.
4 MEMÓRIA Reverenciada. Veja, São Paulo, 20 ago. 1986, p.75.
5 SEGUNDO, Jorge. Menininha do Gantois e as herdeiras do trono.
O Cruzeiro, Rio de Janeiro, ano 46, n. 2, 09 jan. 1974, p.120.
Fotografi as de Luís Gomes.
6 VELOSO, Caetano. Memorial Mãe Menininha do Gantois. Catálogo.
Salvador: Fundação Cultural do Estado da Bahia, ago. 1993, [p. 2].
7 Emaa bálátìbò ni il´re àlàáfíà, grafi a corrigida, conforme indicação
do terreiro.
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