CULTURA
Livro conta a história do movimento Black Rio, ocorrido há 40 anos
Por Daniel Oliveira

Há cerca de quarenta anos, os bailes de soul tomaram conta dos subúrbios do Rio de Janeiro. Logo depois se espalharam por toda a capital e também por outros estados. O Movimento Black Rio se afirmava. Naquele contexto, o lema dos jovens era: “Sou Negro e tenho orgulho”, tradução de parte da letra da música Say It Loud – I'm Black and I'm Proud, do grande ídolo norte-americano James Brown, que ecoava nas intensas festas. Nas roupas, o colorido predominava, na cabeça, os pensamentos transformadores e o black power.
A história desse momento essencial da música brasileira, da sua estética sonora e cultura assertiva negra, que continua reverberando, ainda não havia sido contada como deveria – em toda amplitude e profundidade – até novembro do ano passado, quando enfim ganhou um registro documental. Foi lançado o livro 1976 – Movimento Black Rio 40 Anos, dos jornalistas e pesquisadores Zé Octávio Sebadelhe e Luiz Felipe Peixoto (Gaoners), apoiado pelo projeto Natura Musical e lançado pela editora José Olympio.
“Essa ideia estava na gaveta há muito tempo. Quando entrei no Jornal do Brasil, em 2001, tive acesso ao acervo de fotos do Almir Veiga para a matéria de Lena Frias que deu nome ao Movimento Black Rio. Quando vi esse material, fiquei fascinado, porque desde a minha juventude tinha contato e gostava das músicas, meu pai também curtia muito”, conta Sebadelhe sobre o ponto de partida da reconstituição.
Ele teve o insight imediato de realizar uma exposição com as imagens do fotógrafo. Mas somente em 2006 começou a desenhar o projeto e realmente colocar em prática. A mostra Retratos do Brasil - Movimento Black Rio aconteceu primeiro na rede Sesc, no Rio de Janeiro, com mesas de discussão e shows de Gerson King Combo e Carlos Dafé, dois nomes significativos da black music brasileira, citados com frequência no livro. A partir de 2008 outras edições aconteceram no Circo Voador.
“Até então, muito pouco se sabia. Com o livro a gente conseguiu unir toda a produção que já estávamos preparando. Tudo isso culminou num ensaio jornalístico do que foi. Nós, que já tínhamos consciência de causa do que representava o Movimento Black Rio, mudamos a nossa tese muitas vezes, porque descobrimos muita coisa”, diz.
Sebadelhe e Gaoners entrevistaram produtores das equipes, como eram chamados os grupos de DJ's que organizavam os bailes black nas comunidades, artistas, jornalistas, sociólogos e leram muitas biografias em busca de citações.
No livro, narram com leveza e, ao mesmo tempo, uma pluralidade de pontos de vista desde o ambiente social do Rio, com a remoção da população pobre (e negra) da Zona Sul para lugares afastados do centro, até o crescimento das festas black, que chegaram a atingir 1 milhão e meio de pessoas em um único final de semana, as suas características e o surgimento dos ícones Tim Maia e Tony Tornado e a aclamada Banda Black Rio. As imagens de Almir Veiga ilustram e contribuem para a criação dos cenários.
Boicote
Além disso, na pesquisa, os autores mergulharam em documentos de bibliotecas públicas e da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Lá descobriram o quanto o movimento foi perseguido e boicotado pelo governo e por parte da imprensa. Isso sem falar das críticas dos puristas e da esquerda radical, que criavam um antagonismo entre o samba e o soul, entre a música de raiz e o som importado dos Estados Unidos. Em suma, porrada de todos os lados.
Essa informação foi uma surpresa para Sebadelhe. “Sabia que o Movimento Black Rio foi atacado pela direita, pela Ditadura, mas a coisa foi além, porque também incomodou muito a extrema esquerda tradicional. Chegou a incomodar José Ramos Tinhorão, Gilberto Freyre, Ferreira Gullar, o Pasquim. E todos os veículos de grande alcance fizeram questão de dar um parecer, geralmente sensacionalista”, diz o jornalista, que é amigo de figuras que participaram da organização e vivenciaram a época.
A dimensão do cenário black no Rio de Janeiro era gigantesca. Mais de 300 equipes, espalhadas por diferentes bairros, e um público consumidor imenso, que frequentava os bailes e comprava as coletâneas produzidas pelas gravadoras multinacionais. As novidades chegavam, a TV e o rádio favoreciam. “Trouxe para um circuito de música internacional negra, que influenciou os artistas brasileiros. Nesse sentido, em vias paralelas, o Movimento Black Rio se consolidou e o Brasil virou o segundo mercado no mundo de black music”, fala Sebadelhe. Ele acrescenta que Tim Maia, Cassiano e Tony Tornado foram precursores.
O percurso de 1976 – Movimento Black Rio 40 Anos passa pelo quadro anterior à eclosão, o próprio movimento e a sua pregnância. Atualmente, em diversos cantos do Brasil, o estilo se impõe como música negra universal. Na Bahia, o grupo IFÁ, no Rio de Janeiro, BNegão & Seletores de Frequência, além da própria Banda Black Rio, agora sob o comando de William Magalhães (filho do fundador Oberdan), e em São Paulo, Funk Como Le Gusta e Paula Lima permanecem difundindo de modo próprio essa estética sonora que emergiu no país na década de 1970. “Estão levando o bastão adiante”, completa Sebadelhe.
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