LITERATURA
Livro resgata memórias do fim da ditadura e início da redemocratização
Obra resgata 17 reportagens e entrevistas exclusivas publicadas pelo Jornal da Pituba
Por Eugênio Afonso
De 1964 a 1985, o Brasil foi palco dos terríveis anos de chumbo, período em que a ditadura militar deu as cartas por aqui, governando com autoritarismo, censura e tortura, sobretudo para aqueles que manifestavam seu descontentamento com as ordens superiores.
Com a chegada da redemocratização e, por tabela, da recuperação da liberdade de imprensa, Salvador ganhou o Jornal da Pituba, último alternativo da imprensa baiana, segundo seus editores. O ano era 1985 e o tabloide circulou, de forma gratuita, durante um ano pela capital baiana.
Agora, passados 37 anos, os jornalistas Césio Oliveira, Vander Prata, José Barreto e o produtor cultural Sérgio Guerra lançam, amanhã, às 18h, na Casa Rosa (Rio Vermelho), o livro A Um Passo da Liberdade – 1985-1986 (editora Maianga).
Uma obra que resgata 17 reportagens e entrevistas exclusivas publicadas pelo tabloide, e de acordo com os autores, “absolutamente oportunas, do ponto de vista histórico, para leitura, análise e reflexão da transição da ditadura militar para a democracia”.
“O livro torna-se oportuno, pois passados estes anos todos a redemocratização não caminhou conforme aquela geração e a sociedade sonhavam e desejavam. O país não avançou, ao contrário, nos dias de hoje regredimos e muito em todos os aspectos, seja do ponto de vista de conquistas sociais ou políticas. E nos últimos quatro anos sobrevivemos à barbárie”, comenta Vander.
De acordo com Césio, o objetivo é ressaltar esse recorte da nossa história e mostrar, principalmente para os mais jovens, que podemos estar a um passo da liberdade. “Vivemos, novamente, um momento de lutar pela democracia e pelas liberdades”, frisa Oliveira.
Caetano e Jorge Amado
Com fotos de Sonia Carmo, prefácio do romancista e antropólogo baiano Antônio Risério, e orelha do cientista político Paulo Fábio Dantas Neto, as entrevistas refletem o que pensavam e diziam importantes personagens da cena política, social e cultural do Brasil à época.
O leitor vai se deparar com impressões de Caetano Veloso, Jorge Amado, João Ubaldo Ribeiro, Darcy Ribeiro, Leonel Brizola, Waldir Pires, Dorival Caymmi, Dom Avelar Brandão Vilela, general Juracy Magalhães, Cid Teixeira, José Carlos Capinan, Mário Kertész, Zélia Gattai, Bemvindo Sequeira, Fernando Gabeira, Grande Otelo, Moraes Moreira, Pierre Verger, Glauber Rocha, Waly Salomão e Theodomiro Romeiro dos Santos, o único preso político condenado à morte pela ditadura, além do silêncio de João Gilberto.
“O Jornal da Pituba era um jornal alternativo. Sua linha editorial era a busca do fato objetivo, chegar perto da verdade o máximo possível. Sem outros interesses, sem amarras partidárias ou ideológicas. A busca da liberdade de imprensa para abordar todos os temas, mesmo os evitados pela imprensa tradicional na época, como a liberação da maconha e a chegada da AIDS na Bahia”, lembra Césio.
Vander conta que tudo era decidido em conjunto. “Todos já haviam trabalhado na grande imprensa e mesmo na alternativa, e conhecíamos bem as amarras conservadoras da imprensa local. Fazíamos jornalismo de conteúdo, fundamentado em reportagens e entrevistas cara a cara sem jamais perder o bom humor”.
Momento revolucionário
Criado para ser um tabloide que oferecesse serviços ao bairro, o Jornal da Pituba passou também a fazer reportagens com teor mais provocativo, desta vez sob o comando de Césio Oliveira, Vander Prata, Renato Pinheiro e Zé Barreto – que se revezavam entre editoria e reportagem – e com Sérgio Guerra na produção gráfica.
Jornalistas como Rogério Menezes, Fátima Barreto, Lage e Zé Américo, dentre outros, também passaram pela redação do periódico. É consenso que o objetivo era fazer um jornalismo livre, informativo, crítico, revolucionário, sem militâncias ideológicas e absolutamente democrático.
Há quase 40 anos era difícil fazer este tipo de jornalismo, segundo Césio. “Contrariava interesses diversos. Era uma luta diária pela sobrevivência. Começou quinzenal, virou mensal, mas o nosso grupo, que tinha pessoas de muito talento e com muita vontade de fazer um jornalismo independente, encara tudo como uma resistência em nome da imprensa livre. Sem perder o bom humor, jamais”.
Para Vander, apesar dos perrengues e dificuldades, o jornal conseguiu boas entrevistas com depoimentos atualíssimos. “Jorge Amado disse ao Jornal da Pituba, em 1985, que a questão da terra no Brasil é crucial. Ele dizia: ‘enquanto não se mudar a forma de exploração da terra no Brasil, o Nordeste, com economia da terra bem próxima da semifeudal, continuará no atraso’”, destaca Prata.
E o jornalista não poupa críticas quando o assunto é o atual momento da imprensa. “Piorou e muito. Misturou-se notícias com fake news, celebridades com vulgaridades. E deixou de lado a prática do jornalismo, a busca pelo fato, a notícia muito além do simples B.O. da delegacia, a checagem das informações”, dispara Vander.
E uma última pergunta: A nossa democracia segue, ou em breve seremos uma teocracia neopentecostal? “Vade retro”, excomunga Vander. “Bote sua boca na maré de vazante”, fulmina Césio. (risos).
Uma coisa é certa. Pode-se até perder a ternura, mas a ousadia e o bom humor jamais. Eles permanecem fiéis aos princípios jornalísticos da turma.
A Um Passo da Liberdade – 1985-1986, cujo projeto gráfico é do designer Jair Dantas, reproduz ainda as capas e contracapas originais do jornal, obras de arte do tropicalista Rogério Duarte e Fernando Borba, além de textos inéditos – feitos exclusivamente para o tabloide – de Caetano Veloso, Glauber Rocha, José Carlos Capinan e Waly Salomão. Tem ainda as peripécias do personagem de quadrinhos Pituboião, criação do saudoso cartunista Lage.
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