SÉTIMA ARTE
Melancolia no velho oeste
Com ‘Asteroid City’, Wes Anderson segue fazendo um cinema de apelo visual marcante
Por Rafael Carvalho*
Wes Anderson tem se consolidado como um cineasta sui generis, atualmente, em Hollywood: ao mesmo tempo em que seus filmes possuem lugar de destaque nos grandes festivais de cinema europeus, também têm um apelo popular interessante, pela grife que o próprio diretor construiu em torno de suas obras, sempre acompanhado por uma gama enorme de atores conhecidos do mainstream.
É certo que o aspecto visual dos seus filmes tornou-se uma marca registrada de um estilo: o uso das cores fortes em tons pastéis, a simetria dos elementos de cena, o cuidado minimalista com a direção de arte e figurinos, os movimentos de câmera estilizados. No plano emocional, não pode faltar aquela melancolia básica a rondar os descaminhos dos personagens.
Todos esses elementos estão presentes em Asteroid City, seu mais novo trabalho, já em cartaz nos cinemas, depois de ter passado pala competição do Festival de Cannes em maio deste ano – o cineasta ainda será homenageado pelo conjunto da obra no Festival de Veneza no próximo mês de setembro. É a consolidação de uma carreira muito fiel a certos princípios estéticos, mas que já demonstra certo cansaço narrativo.
Com Asteroid City, Anderson leva sua estética para o velho-oeste americano, inventando essa cidade fictícia que parece perdida no meio do nada (seria algum lugar entre o Texas e o Arizona), diante daquela paisagem árida e rochosa que conhecemos dos filmes de caubóis.
Chegam ali Augie (Jason Schwartzman) junto com três filhas pequenas e um filho adolescente (Jake Ryan). Augie é fotógrafo de guerra e acabou de perder a esposa, notícia que ele dá para os filhos assim que chegam ao local, onde irá encontrar o sogro (Tom Hanks). Ele logo vai se aproximar da bela Midge (Scarlett Johansson), envolvida em um casamento complicado e violento.
Mas Asteroid City é também uma cidade mítica porque um meteorito caiu ali há alguns anos, atraindo para o lugar um centro de pesquisa científica e espacial do governo – além das redondezas servirem para testes de bombas nucleares (a gente poderia até mesmo esperar que J. Robert Oppenheimer aparecesse de repente em algum momento – mas é outro personagem surpresa que surge aqui e cria uma das melhores e mais hilárias cenas do filme).
Corações partidos
E é claro que num filme de Anderson não são apenas esses os personagens a darem as caras. Há a cientista vivida por Tilda Swinton e o general de Jeffrey Wright, a professorinha (Maya Hawke) e sua turma de criança, além dos jovens cadetes em formação, protótipos de gênios, grupo ao qual se reúne o filho de Augie, que se apaixona pela filha de Midge.
No entanto, é essa obsessão de Anderson pela grande quantidade de personagens de destaque (e, consequentemente, pela escalação de nomes estrelares de Hollywood) um dos problemas de seus últimos trabalhos: ao apostar em tantos dramas individuais, o filme acaba perdendo o foco, tendo de dar espaço para personagens pouco interessantes (como os de Hanks e Swinton) e perdendo de vista outros mais marcantes.
A aproximação de Augie e Midge pode ser visto como o ponto central do filme, mas é constantemente interrompido por uma série de outras situações pouco relevantes. Porém, é com eles que o cineasta consegue implantar o tom de melancolia dos corações partidos, outra de suas marcas expressivas (Os Excêntricos Tenenbaums é o exemplo mais representativo disso em sua obra).
O filme também se beneficia de certa cadência mais vagarosa e menos frenética, como acontecia na obra anterior do cineasta, A Crônica Francesa. Ali, a narrativa era tão apressada que havia pouco tempo para fruir o plano estético do filme. Aqui, pelo contrário, a ambiência do western torna o ritmo mais pacato, menos ágil (mas nunca monótono), o que reforça esse tom melancólico.
Metalinguagem
Asteroid City é também um dos poucos filmes do diretor – se não o primeiro – a expor de forma tão direta o artifício cinematográfico. O filme começa com um narrador em cena (Bryan Cranston) nos apresentando ao dramaturgo Conrad Earp (Edward Norton), que está em seu escritório escrevendo a peça que, na verdade, é a encenação dos acontecimentos de Asteroid City (o filme é uma peça de teatro em forma de filme).
O que parecia, à primeira vista, apenas uma brincadeira metalinguística com o fazer dramatúrgico e audiovisual, acaba ganhando muito destaque no decorrer da narrativa. A trama, volta e meia, retorna para Earp e mostra suas interações com os atores que estão sendo escolhidos para darem vida aos personagens que ele está escrevendo (Margot Robbie faz uma aparição luminosa aqui).
Assim, Asteroid City torna-se também um filme que celebra o poder da narrativa, da encenação, da construção ficcional das vidas e dos sentimentos humanos, mesmo que diante de um conjunto tão artificioso de elementos cênicos. A trama não deixa de ser inchada por conta disso, mas apresenta um Wes Anderson ainda muito consciente do tipo de cinema que ele faz com dedicação e apuro.
*Crítico de cinema
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