TRANQUILO E INFALÍVEL
‘Mostra Bruce Lee 50 Anos’ confirma influência e legado deste ícone
Mestre das artes marciais quebrou preconceitos
Por João Paulo Barreto | Especial para A TARDE
Começa hoje, no Cine Glauber Rocha e no Circuito SaladeArte, a Mostra Bruce Lee 50 Anos, evento que reunirá em sessões especiais cinco filmes do ator, produtor, diretor e mestre das artes marciais falecido há meio século. Ao partir de forma precoce, com apenas 32 anos, em 20 de julho de 1973, Li Jun Fan deixou um legado impressionante dentro do estudo do kung fu e outras práticas.
Porém, até alcançar o estrelato, em 1971, ao atuar em seu primeiro filme como protagonista, The Big Boss (ou O Dragão Chinês, como foi chamado no Brasil), uma produção chinesa de baixo orçamento e filmada em Hong Kong, os caminhos percorridos pelo jovem lutador, dançarino campeão de cha-cha-cha (sim, ele dominava outras artes) e ator não foram fáceis.
Nascido em São Francisco, na Califórnia, em 1940, Lee era filho de Lee Hoi Chuen, um ator de Hong Kong e cantor de ópera que, à época, estava em uma turnê de um ano pelos Estados Unidos. Sua mãe se chamava Grace Ho, jovem que se apaixonara por Chuen e com quem teria cinco filhos.
O futuro astro de cinema seria o quarto rebento do casal e viria a nascer justamente quando Grace acompanhava o marido em sua viagem pela América junto aos artistas do Teatro Mandarin. Os três ficariam no país até 1941, quando o casal decidiu voltar para Hong Kong. O timing do retorno acabou não sendo muito feliz, uma vez que, naquele mesmo ano, os japoneses ocuparam a cidade durante a ofensiva da Segunda Guerra Mundial.
Precoce e explosivo
Li Jun Fan cresceria tendo a influência artística do pai como um dos nortes de vida ao participar de diversas produções cinematográficas ainda criança, surgindo na tela em 1941, quando bebê, e continuando a participar, dos seis anos em diante, de vários filmes em Hong Kong. Crescendo, sempre era escalado para papéis pequenos nos quais interpretava garotos briguentos e problemáticos. Isso acabou sendo um espelho para a sua própria personalidade, uma vez que, ele mesmo, quando adolescente, passou a se envolver em confusões e brigas de rua.
Foi após uma surra que levou em uma dessas confusões que decidiu, aos 12 anos, se dedicar ao estudo das artes marciais no intuito de se defender. Durante esse período de cinco anos de foco nas artes marciais, também se dedicou ao citado chá-chá-chá, tendo vencido competições e inserindo o estilo à sua futura marca como artista marcial.
Sua personalidade explosiva, no entanto, acabaria por gerar problemas na cidade onde vivia. Temendo por sua segurança em Hong Kong, seus pais sugeriram que ele fosse tentar a vida no país onde nascera. Assim, em 1959, Bruce Lee desembarcou em São Francisco. De lá, partiu para Seattle, onde começou um curso de filosofia na universidade e, também, onde conheceu sua futura esposa, Linda Emery.
Nesse período, continuou seus estudos de kung fu, chegando a abrir uma escola onde ensinava. Sua primeira chance no audiovisual surgiu de uma participação em um evento de artes marciais, em 1964, no qual apresentou sua filosofia e visão dessa cultura, que passou a ser conhecida como Jeet Kune Do. Para ele, mais importante que a tradição milenar à qual todos estavam presos, era o lutador se adaptar aos desafios, retirando de outros oponentes as características mais marcantes de seus estilos individuais e fundi-los na busca da criação de seu próprio estilo.
Sua paixão ao falar de sua arte para a multidão chamou a atenção de um produtor de cinema. Este lhe ofereceu o papel de Kato, personagem coadjuvante da série de TV Besouro Verde, que foi ao ar entre 1966 e 1967, sendo cancelada após 26 episódios. Bruce chegou a participar de outras produções de TV, mas, eventualmente, retornou para Hong Kong após ter permanecido um tempo em Los Angeles, onde chegou a abrir uma filial de sua escola e treinou astros como Steve McQueen e James Coburn.
A falta de oportunidades no cinema e dificuldades financeiras para pagar sua hipoteca e sustentar dois filhos foi determinante para seu retorno ao oriente no começo dos anos 1970. Mal sabia ele que aquela seria sua melhor decisão.
Desembarcando em Hong Kong, o então anônimo Li Jun Fan percebeu que, na cidade onde cresceu, já era o fenômeno Bruce Lee, conhecido astro de Besouro Verde, série que se tornou popular na cidade por causa de sua presença no elenco. Não demorou muito para que a imprensa local o convidasse para entrevistas em programas de TV, fotos em jornais e revistas.
Assim, a recém criada produtora Golden Harvest, que tinha à frente Raymond Chow, produtor que tinha lançado alguns filmes (todos fracassos, porém), se interessou pelo ator. O estrondoso sucesso de The Big Boss (o já citado O Dragão Chinês), mudaria tanto a carreira de Chow quanto a de Bruce Lee.
Era a primeira de duas produções que Lee assinou para fazer na China. Em seu planejamento, a ideia era ganhar dinheiro suficiente para voltar aos EUA, quitar sua casa e se dedicar às produções hollywoodianas. Acabou que Hollywood foi quem veio até ele.
Segunda chance
O Dragão Chinês, desde seu começo, já contava com o punho de ferro de Lee, que chegou a brigar com o primeiro diretor do filme, Chia-Hsiang Wu, que insistia em lutas longas. Para Bruce, o ideal eram as cenas coreografadas com golpes rápidos, que seriam conhecidos como "1, 2, 3-nocaute", algo que ele trouxe de sua experiência como dançarino de cha-cha-cha. O diretor Wu acabou sendo demitido, pois Chow, dono do estúdio, concordou com o astro.
Contratado para seguir a direção, Wei Lo, apesar de algum atrito com Lee, aceitou deixá-lo dirigir as cenas de combate. O Dragão Chinês acabou sendo um sucesso popular na China por, também, abordar questões proletárias e de luta de classes em na história, que trazia um grupo de empregados de uma fábrica de gelo que sofria nas mãos do chefe, um traficante de heroína que, de modo clandestino, transportava a droga dentro dos blocos congelados.
O segundo filme, Fist of Fury (no Brasil, A Fúria do Dragão), lançado no ano seguinte, já tinha Bruce Lee estabilizado na função de líder do projeto e dominando vários aspectos da produção. No longa, também dirigido por Wei Lo, Lee interpreta um pupilo que retorna à cidade por conta da morte inesperada do mestre.
Ao investigar mais a fundo, descobre que ele foi envenenado. Trata-se do primeiro trabalho no qual a versatilidade como ator se torna perceptível, com Lee interpretando outros dois personagens e se valendo de uma veia cômica que tem em Jerry Lewis, um dos ídolos dele, a principal influência (caracterizado, Lee, claramente, homenageia Lewis). Além disso, é um filme que espelha muito a vida pessoal de Bruce por abordar aspectos ligados ao preconceito racial que ele mesmo enfrentou tanto na China quanto nos EUA.
Já com Way of the Dragon (O Voo do Dragão, como foi chamado aqui), filme de 1972 e a estreia como diretor e roteirista, muito da fragilidade da escrita de alguém que estava ainda se aprimorando nesse campo é perceptível. No entanto, nas cenas de luta temos a disciplina como lutador e na direção desses embates físicos a principal proeza. Na história, Lee interpreta Tang Lung, que chega em Roma para ajudar parentes que possuem um restaurante local e sofrem perseguição de gangsters. O encontro de Lee com Chuck Norris no papel do lutador Colt, que representa uma resposta dos bandidos à maestria de Lee/Lung, é, claro, a cereja do bolo, com o dragão chinês demonstrando a marca marcial do Jee Kune Do: adapte-se ao seu oponente e retire dele sua expertise e respostas durante a luta.
Fechando a Mostra Bruce Lee 50 anos, dois filmes lançados de maneira póstuma: Jogo da Morte e Jogo da Morte II. O primeiro, de 1978, cinco anos após a morte do mestre, traz a famosa cena de luta entre ele e o jogador de basquete Kareem Abdul-Jabbar, que era pupilo de Lee antes do estrelato. O longa de qualidade duvidosa foi feito pela Golden Harvest de modo a aproveitar a "Bruceploitation", série de filmes que surgiram no rastro da morte do ator, tendo sósias no papel principal.
O diferencial, aqui, apesar de contar com sósias, reside no fato de que Lee chegou a deixar gravada a cena na qual invade o covil dos assassinos e, subindo níveis de um tradicional pagode (edifício de arquitetura chinesa), enfrenta um a um e absorve suas formas de combate, derrotando-os. Utilizando a marcante roupa amarela que se tornaria um símbolo da cultura pop, a sequência é um clássico.
Em um intervalo de três anos, entre 1971 e 1973, Bruce Lee criou um legado de "apenas" quatro filmes que provaram sua resiliência diante de um mercado cinematográfico ocidental que teve que engolir o preconceito étnico e aceitar a presença de alguém de traços asiáticos como astro. Imaginá-lo sereno e ainda infalível aos 83 é inevitável.
‘Mostra Bruce Lee 50 Anos’ / de hoje à próxima quarta-feira / confira Salas e horários em cinema.atarde.com.br
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