ARTES PLÁSTICAS
Museu de Arte Negra ficará sediado por dois anos em Inhotim
Com o trabalho de Abdias, o Inhotim oferece ao público um recorte valioso da arte negra contemporânea
Por Eugênio Afonso*
Em pleno funcionamento desde novembro do ano passado, depois de ter ficado fechado durante oito meses por questões pandêmicas que assolaram todo o cenário artístico nacional, o Instituto Inhotim (Brumadinho – MG), considerado o maior museu de arte contemporânea a céu aberto do mundo, acaba de inaugurar o Museu de Arte Negra, idealizado pelo artista plástico e dramaturgo paulista Abdias do Nascimento (1914-2011), e a mostra coletiva Deslocamentos, uma exposição com artistas do acervo do próprio Inhotim composta de obras que refletem a ideia de movimento, seja territorial ou afetivo.
“Em 2021, Inhotim completa 15 anos aberto ao público. Essas exposições são, de alguma maneira, uma ponte para pensar o passado e projetar o futuro. Deslocamentos apresenta um recorte da coleção do Inhotim com obras nunca exibidas. Já com o Museu de Arte Negra, Inhotim recebe outro museu dentro de si e coloca as coleções em contato para tencionar questões inerentes a elas”, conta Douglas de Freitas, curador do instituto.
Com o título de Primeiro ato: Abdias do Nascimento, Tunga e o Museu de Arte Negra e curadoria conjunta com o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-brasileiros (Ipeafro), a exposição marca os dez anos da morte de Abdias e fica aberta ao público até dezembro de 2023.
Para Júlio Menezes Silva, curador do Ipeafro, Abdias foi um grande desbravador. “Dentro das artes plásticas, ele foi um dos primeiros a reivindicar um modernismo negro, ou seja, um modernismo que confrontava as narrativas oficiais que diziam que a arte moderna vinha da Europa. Foi um cara que pensou à frente diversas coisas relacionadas à questão da arte, não só da negra, mas da brasileira como um todo”.
O projeto está dividido em quatro atos – cada um com duração de cerca de cinco meses. O primeiro traz 90 obras de arte moderna – 60 do próprio Abdias, em diálogo com o escultor Tunga (1952-2016) – e outras do acervo do MAN. Os outros três ainda estão sendo estruturados e a ideia principal é apresentar outros artistas da coleção do MAN.
“Queremos também abrir espaço para artistas que não necessariamente estejam ligados à coleção do MAN, mas que sejam negros e negras”, acrescenta Júlio.
Nobel da Paz
Indicado oficialmente ao prêmio Nobel da Paz em 2010, Abdias do Nascimento foi poeta, escritor, dramaturgo, curador, artista plástico, professor universitário e parlamentar. Com o tempo, se tornou uma das maiores personalidades brasileiras ligadas à militância negra e à luta contra o racismo.
“Abdias contribuiu com as principais ações político-ideológicas sobre a questão negra no Brasil, trabalhando em todas as frentes de denúncia e criando espaços de preservação das manifestações culturais negras, como a criação do MAN e do teatro experimental do negro. Ele também foi um empreendedor no campo das artes, não só nas artes plásticas como no teatro. O considero, no final do século 20, um dos grandes vultos da cultura negra brasileira”, observa o publicitário Juarez Ribeiro, fundador, no Rio Grande do Sul, do Movimento Negro Unificado e coordenador geral da Ong Centro Ecumênico de Cultura Negra.
Idealizado sob a liderança de Abdias no início dos anos 1950, o Museu de Arte Negra já nasceu com o objetivo de recolher e divulgar a obra de artistas negros, sem distinção de gênero, escola ou tendência estética.
“No MAN, Abdias juntou elementos importantes da produção da arte moderna no país. Ele foi uma figura de vanguarda, ímpar na arte da tradição afro-brasileira. O Inhotim acaba de acolher um tesouro da arte negra contemporânea no Brasil. Uma estratégia fundamental da instituição, até porque são raros os espaços específicos para a arte afro-brasileira”, completa Ribeiro.
Já de acordo com Douglas, a escolha pelo poeta e dramaturgo se deu justamente por sua obra suscitar questões distintas, além do seu próprio trabalho como artista.
“Abdias foi um ativista, receber não apenas o trabalho dele, mas a coleção que ele criou para o Museu de Arte Negra, levanta diversas questões inerentes à sua atuação como, por exemplo, a rede de intelectuais que atuavam em parceria com ele e a construção de um projeto plural”.
Novas configurações
Com obras dos artistas Cerith Wyn Evans, Gordon Matta-Clark, Jorge Macchi, Laura Lima, Matheus Rocha Pitta, On Kawara, Raquel Garbelotti, Rivane Neuenschwander, Rodrigo Matheus, Rubens Mano e Sara Ramo, a mostra Deslocamentos trata de questões relativas à ocupação, ao compartilhamento e à migração em diferentes territórios.
“Essa exposição é importante porque traz trabalhos que causam uma tensão interessante. Todos os artistas trabalham com a sensação de deslocamento, seja de uma natureza inteira para dentro de uma instituição, a partir do esforço humano, até o deslocamento de continentes buscando novas configurações ao longo do tempo”, enfatiza Rômmulo Vieira Conceição, artista visual baiano que tem uma obra permanente (O espaço físico pode ser um lugar abstrato, complexo e em construção) em Inhotim.
Para Douglas, as mazelas e contradições do capitalismo global e o desenho geopolítico das desigualdades sociais estão presentes em alguns dos trabalhos reunidos nessa exposição.
Ainda segundo o curador, a inquietação em relação às questões do meio ambiente, assim como uma crítica severa ao consumismo também permeiam as obras.
Com 140 hectares ocupados por trabalhos de renomados artistas contemporâneos brasileiros e internacionais, o Inhotim tem 23 galerias. Deslocamentos pode ser visitada na Galeria Fonte e Museu de Arte Negra, na Galeria Mata.
*O jornalista viajou a convite do Instituto Inhotim
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