CULTURA
Musical ‘Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz’ desembarca em Salvador
Sucesso de público, musical será realizado na capital baiana pela quarta vez
Por Maria Raquel Brito*
Tributo cheio de emoção a um dos maiores nomes da música brasileira, o musical Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz desembarca em Salvador pela quarta vez no próximo fim de semana. O espetáculo fica em cartaz neste sábado e domingo, no Teatro Jorge Amado.
O musical, que conta com o ator Rogério Silvestre como Gonzaguinha, já foi aplaudido por mais de 200 mil pessoas em todo o Brasil desde que pegou a estrada, há cerca de 15 anos. Ao longo de seus 90 minutos, o diálogo entre canções e textos traça a história do artista, do início da carreira, com letras afiadas e de protesto, passando pelas odes a tempos melhores, até a morte precoce do cantor, em 1991.
Com um elenco de seis pessoas, entre ator, cantores e banda ao vivo, Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz é, ao mesmo tempo, um espetáculo simples e grandioso. “O musical confunde a vida do Gonzaguinha com a vida do povo brasileiro, essa luta, a vontade de crescer e de ser feliz, apesar dos pesares. O encanto começa de uma forma tímida, como quem não quer nada, e de repente as pessoas vão sendo cativadas e percebendo que a história da vida do Gonzaguinha é a história da gente que luta”, defende Silvestre.
A homenagem surgiu como uma produção amadora em 2009, no sul de Minas. Inicialmente, foi concebida em celebração aos 40 anos da Faculdade de Medicina de Itajubá, cidade de Rogério Silvestre. Satisfeito com o resultado, lapidou a produção junto ao músico Rafael Toledo, e eles a tornaram profissional. Começaram, então, a viajar pelo país. A capital baiana foi a segunda parada, atrás apenas de São Paulo.
“Chegando em Salvador, as apresentações eram de sexta-feira a domingo e não tinha vendido quase nada. Então a professora Fernanda Tourinho intercedeu e disse: ‘Rogério, vamos fazer o primeiro dia só para professores’. Depois, no sábado e no domingo nós voltamos e foi um ponto de partida incrível. Eu falo que o primeiro lugar que nós fizemos sucesso com o espetáculo foi em Salvador”, diz.
Sucesso esse que, com o tempo, só cresceu. Silvestre conta, impressionado, que conhece pessoas que já assistiram ao espetáculo mais de cem vezes no Rio de Janeiro, terra onde Gonzaguinha nasceu. Outras milhares são mais moderadas: assistiram entre duas e seis vezes.
A peça tem direção de Breno Carvalho, direção musical de Cacá Franklin e texto do poeta e letrista Gildes Bezerra. Nas performances deste fim de semana, recebe a participação especial da cantora baiana Maira Lins, que dará vida a composições de Gonzaguinha que se tornaram sucesso na voz de cantoras como Maria Bethânia e Zizi Possi.
No repertório, sucessos como O que é o que é?, Explode Coração e Recado, no passeio característico de Gonzaguinha por gêneros como xote, samba, baião e canções românticas, são harmonizados por uma banda ao vivo.
De corpo e alma
Familiar à obra do artista carioca, Rogério Silvestre sentiu a necessidade de ir além para dar vida a Gonzaguinha nos palcos Brasil afora. Se debruçou em entrevistas, livros e filmes para aperfeiçoar a performance, mas, como toda boa obra, não considera o musical finalizado: cada vez que sobe num palco, há um aprendizado, uma adição. Tem sido assim pelas centenas de apresentações desde 2009.
“Ao longo do tempo, eu fui conhecendo pessoas que conheceram Gonzaguinha, como o Wagner Tiso, que tocou com ele e participou do musical, e o Fredera, que foi guitarrista do Gonzaguinha e tocou com a gente também. Conheci a viúva dele, o filho Daniel, algumas ex-namoradas. Tudo isso faz a gente preencher o personagem com mais alguma emoção”, conta.
Um encontro foi particularmente emocionante. Estava recebendo cumprimentos do público depois de uma apresentação extra no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, quando uma senhora pequenina e seu filho, um rapaz alto e com deficiência, se aproximaram. Diferente da maioria das pessoas que esperavam na fila, não era uma foto ou um autógrafo que os dois queriam. “Ela falou: ‘só quero te dar um abraço’. Eu dei, ela virou e me disse: ‘Gonzaguinha foi a única pessoa que me acolheu quando meu filho nasceu. Todo mundo se afastou de mim’. Foi muito forte, porque haviam se passado 30 anos e ela nunca esqueceu disso. Nós dois nos emocionamos”.
Coincidentemente ou obra do universo, a história do ator se cruzou algumas vezes com a do ‘cantor-rancor’. Quando saiu de Itajubá para estudar teatro, Silvestre se viu muito sozinho, longe da família e dos amigos. Seu maior companheiro passou a ser um CD do cantor, que ganhou de presente: Cavaleiro Solitário (póstumo, de 1993). As letras, que ecoam a jornada que é encarar o desconhecido, se tornaram quase um mantra.
“Eu achei que tudo seria um pouco mais fácil, e na verdade foi uma caminhada muito difícil”, diz, emocionado. “Esse CD me acompanhava, e eu acabei me apegando a Gonzaguinha. Mas jamais imaginei que um dia eu faria um espetáculo sobre ele”, acrescenta.
Se não imaginou ao ouvir o álbum, a ideia nem começava a surgir na sua mente no dia em que chegou no Rio de Janeiro, saiu para conhecer a cidade e, numa das primeiras esquinas que virou no centro carioca, estava o Teatro Gonzaguinha.
A manhã segue desejada
Sempre com a ponta da caneta afiada, Gonzaguinha iniciou a carreira em plena ditadura militar – e das mais de 70 músicas que submeteu ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops), 54 foram censuradas. Mas a repressão não conseguiu calar sua voz, dono de protestos como Comportamento geral, que ganhou versões de Ney Matogrosso, Elza Soares e Criolo. As letras lhe renderam o título de “cantor-rancor”.
Mais de quatro ou cinco décadas depois de escritas, suas composições continuam a fazer eco, das mais enraivadas aos gritos de esperança da década de 80. A atualidade das letras é um dos pontos evidenciados no musical. “Os problemas sociais continuam os mesmos. Embora a gente tenha a internet e toda uma facilidade de comunicação, infelizmente essa comunicação chega muitas vezes de forma errada e desigual”, afirma o intérprete do cantor no espetáculo.
“Gonzaguinha tinha essa língua ferina por falar as verdades, e mostrar isso nas músicas é impressionante e muito atual. Tanto que muitos jovens vão nos espetáculo e gostam porque politicamente, ele sempre foi muito engajado. A gente fala disso no espetáculo, como ele foi censurado. Teve um show dele em que uma bomba explodiu, por exemplo. O período da ditadura foi muito sofrido”, lembra .
Tributos dentro do tributo
Com 25 anos de carreira, Rogério Silvestre atuou em 33 peças e produziu 60. A sensação de entrar em cena e a emoção que carrega, porém, é inédita a cada apresentação. Em Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz, isso aparece de forma ainda mais evidente. Em certo ponto da entrevista, o ator revela algo que diz nunca ter contado em outra conversa com jornalistas: toda vez que está prestes a entrar no palco, o faz em homenagem a alguém, como um ‘tributo dentro do tributo’. Mentaliza alguém querido e dedica a apresentação a essa pessoa.
A homenagem das duas datas de Salvador já está definida, e não poderia ser outro nome que não Rafael Toledo, seu parceiro na criação do musical, que faleceu em 2021, aos 50 anos, por complicações da covid-19. Apaixonado por Salvador, Toledo acompanhou a produção na capital baiana nas outras três vezes em que o musical passou por aqui.
“A sensação de voltar é de muita emoção, porque eu estou indo sem o meu parceiro, que começou comigo. A gente teve uma história incrível, todos se impressionavam com a qualidade do músico que ele era”, diz o cantor, com a voz embargada.
As apresentações serão também palco de uma corrente de solidariedade, em incentivo à doação de sangue. Isso porque Pedro, filho da cantora Maira Lins, passará por um transplante de medula na próxima segunda-feira. “Eu vou doar sangue quando chegar em Salvador, e nós estamos promovendo essa campanha do bem, que quem estiver lá com certeza vai sentir. Vai ser tudo muito bonito”, antecipa Silvestre.
Gonzaguinha: O Eterno Aprendiz / sábado (19) e domingo (20), 20h / Teatro Jorge Amado / R$ 120 e R$ 60 / Vendas: Sympla
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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