CULTURA
‘Nas Ondas de Dorival Caymmi’ dimensiona o tamanho de gênio baiano
Legado que transcende gerações
Por Grazy Kaimbé*
Um dos pilares da música brasileira, o multiartista Dorival Caymmi (1914 – 2008) é, sem dúvida, uma figura digna de cinema. O quinto documentário sobre vida e obra do compositor baiano, Nas Ondas de Dorival Caymmi, estreou nos cinemas na última quinta-feira. A obra oferece uma viagem pela história do cantor e pela sua grande influência sobre outros artistas da MPB.
O documentário estará em cartaz até a próxima quarta-feira, 04 de dezembro, nas cidades de Salvador, Feira de Santana, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Porto Alegre. Antes de sua estreia nas telonas, o filme participou de diversos festivais, destacando-se inicialmente na Mostra Retratos, da Première Brasil. Em seguida, Nas Ondas de Dorival Caymmi percorreu outros eventos, consolidando sua trajetória no circuito de festivais.
Dirigido por Locca Farias e produzido por Hélio Pitanga, da Bossa Produções, o filme se junta a outros documentários, como Um Certo Dorival Caymmi (1999), Dorival Caymmi – Dê Lembranças a Todos (2018), Dorival Caymmi – Um Homem de Afetos (2019) e Dorivando Saravá – O Preto que Virou Mar (2020). A produção traz imagens de arquivo e costura, com delicadeza, as memórias dos filhos Dori, Nana e Danilo Caymmi, além de depoimentos inéditos de artistas, pesquisadores e amigos que conviveram com o compositor, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Paulo César Pinheiro, João Bosco e Hermínio Bello de Carvalho.
Os depoimentos dos entrevistados são entrelaçados com imagens de arquivo, proporcionando ao espectador a oportunidade de ouvir músicas de Caymmi, tanto na voz do próprio compositor quanto em interpretações marcantes de nomes como Tom Jobim (1927 - 1994), BNegão, Carmen Miranda (1909 - 1955), grupo Casuarina, Djavan, Elza Soares (1930 - 2022) e Nara Leão (1942 - 1989).
Em entrevista ao jornal A TARDE, o diretor do documentário e amigo pessoal de Caymmi, Locca Farias, destacou que seu objetivo foi retratar tanto o lado pessoal quanto o artístico do compositor. Ele explicou que o diferencial da obra está no formato, construído a partir de depoimentos que criam uma narrativa dinâmica e interligada. “Abordei diversos pontos, buscando criar uma narrativa que, quando unida, se parecesse com uma roda de conversa, onde todos contribuem, complementam e, às vezes, até falam uns dos outros”, afirmou Locca.
No ritmo caymmiano
Dorival Caymmi conquistou o público com o sucesso de O Que é Que a Baiana Tem?, interpretado por Carmen Miranda no filme Banana da Terra (1939). A canção não apenas marcou a carreira de Caymmi, mas também foi crucial na construção da persona artística de Carmen, tornando-se um marco na música brasileira.
Consagrado no samba-canção, Caymmi transformou suas letras em verdadeiros retratos dos costumes e comportamentos do cotidiano. O documentário evidencia ainda seu pioneirismo em apresentações de voz e violão, além de resgatar suas canções imortalizadas no cancioneiro popular infantil, como Acalanto e Roda Pião, reforçando sua importância no cenário cultural do país.
A produção mergulha em aspectos marcantes da personalidade de Caymmi, revelando seu meticuloso e paciente processo criativo, que muitas vezes levava até uma década para finalizar uma composição.
O documentário também aborda sua habilidade como artista plástico, ampliando a compreensão sobre o multifacetado legado do baiano. Nos versos de suas músicas, Salvador e a Bahia ganham uma imortalidade única, que se reflete tanto nas imagens exclusivas do filme quanto nos depoimentos de pessoas que conviveram de perto com o compositor, proporcionando detalhes ricos e memoráveis que enriquecem a narrativa.
Para o diretor Locca Farias, produzir o documentário foi um desafio imenso, devido à vasta quantidade de material disponível. “Selecionar o que entraria no filme foi uma das tarefas mais difíceis. Você precisa condensar tudo em uma hora e meia, de forma que, ao final, o espectador sinta: 'Poxa, já acabou?'. Decidir o que incluir e o que deixar de fora foi extremamente desafiador. Muitas vezes, eu queria muito colocar algo, mas não dava”, explicou.
O processo de curadoria também destacou o talento de membros da família Caymmi. A maestria do filho Dori como arranjador excepcional é evidenciada no álbum de 2020, em que sua irmã Nana Caymmi interpreta canções icônicas da parceria entre Tom Jobim e Vinicius de Moraes (1913 - 1980). As cordas orquestradas por Dori nesse projeto refletem sua habilidade como diretor musical e arranjador, reafirmando o legado da família Caymmi na música brasileira.
Locca Farias relembra que, durante o processo de produção, muitas memórias de sua convivência com Dorival Caymmi ressurgiram, especialmente as experiências compartilhadas em visitas à Bahia.
“Lembrei de quando, ainda garoto, ia para Salvador com ele e Stella. As coisas que ele dizia, os passeios pelo Pelourinho, tudo isso revelava a grandeza espiritual daquele ser humano. Era algo que me marcava profundamente”, conta o diretor.
Para Locca, a simplicidade que permeava a vida e a obra de Caymmi foi o principal guia na concepção do filme. “Se ele visse esse filme, acho que diria: ‘Meu filho, você fez algo bonito, interessante, e me mostrou de uma maneira muito linda’. Ele sempre me dizia que o mais difícil na vida é fazer o simples, e Caymmi era exatamente isso: o ícone da simplicidade. Sua obra, com cerca de 105 músicas, reflete essa essência, com letras e poesias que encantam pela profundidade descomplicada”, afirma o diretor.
Essa simplicidade também foi o objetivo principal do diretor na construção da narrativa do documentário, que busca ir além do artista para capturar o ser humano por trás das canções. “Quis fazer algo simples, mas verdadeiro, e acredito que consegui. Acho que ele ficaria feliz com o resultado”, conclui Locca. A obra eterniza a história de Caymmi de forma leve e autêntica, celebrando o legado de um compositor cuja influência transcende gerações.
Nas Ondas de Dorival Caymmi / Dir.: Locca Faria / Salas e horários: cinema.atarde.com.br
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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