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Nelson Motta reconstitui juventude de Glauber Rocha

Publicado sábado, 22 de outubro de 2011 às 10:48 h | Atualizado em 22/10/2011, 10:53 | Autor: Marcos Dias

“Vou estudar, escrever e também namorar, apesar de não ser nenhum Apolo no físico ou um D. Juan na lábia, porém vou tentar. Acho muito difícil namorar: primeiro, sou tímido; segundo, odeio mocinhas frívolas; terceiro, só me interessam aquelas que forem cultas e inteligentes, e que não andem pensando no topete de Burt Lancaster e em Tony Curtis; quarto, não sou flirt barato e passageiro, quero amar como no século passado: romance ardente e perigoso”.

Esse trecho de uma carta, escrita quando Glauber Rocha tinha 14 anos, tentava acalmar seu tio, Wilson, que queria saber sobre um discurso que ele havia feito recentemente na formatura do colegial.

Glauber havia dado um jeito de sair do protocolar bla-bla-blá das formalidades e disse falar não só pelos que se formavam, mas pelos que não tinham escola e tinham fome. Ali, para o tio, justificava o que seriam os próximos anos, quando iria estudar no Colégio Central, liberto da repressão do Colégio Dois de Julho. Parecia que planejava o que viria.

Primavera - Os anos de formação, a ebulição da criatividade e a obsessão de um dos mais representativos nomes do Cinema Novo, movimento de renovação estética do início dos anos 1960, que utilizava poucos recursos técnicos, estão no livro "A Primavera do Dragão – A Juventude de Glauber Rocha", do jornalista, escritor e compositor Nelson Motta, 67. Em Salvador, o lançamento acontece no próximo dia 6 de novembro, durante a 10ª Bienal do Livro da Bahia.

A biografia não veio à tona antes por uma questão ética. Ele começou com o projeto em 1989, mas, no meio do caminho, soube que seu antigo professor, o jornalista Zuenir Ventura, também estava escrevendo sobre o cineasta. Preferiu abandonar o trabalho. Duas décadas depois, Ventura lhe disse ter perdido os originais e aconselhou-o a retomar o seu.

Entre Salvador e Rio de Janeiro, Motta esteve com pessoas próximas a Glauber, como a mãe do artista (hoje com 92 anos, e que foi ao lançamento no Rio), os escritores João Ubaldo Ribeiro, João Carlos Teixeira Gomes, Fernando da Rocha Peres, a primeira mulher de Glauber, Helena Ignez, além de colegas de trabalho e personalidades como o próprio Ventura e Caetano Veloso.

Cannes - Motta fez uma opção de contar a vida de Glauber do nascimento, em 1939, até os 25 anos, quando é consagrado no festival de Cinema de Cannes — e quando sabe da notícia do Golpe Militar de 1964.

“No Brasil, a cobra estava fumando e onça bebendo água”; “Em Salvador, o bicho estava pegando”, situa Motta, pop, em tópicos frasais. Mas é detalhista com a recepção crítica dos filmes e recheia a narrativa com episódios curiosos.

Num deles, Glauber e os amigos do Central são impedidos de entrar num cabaré e dão nomes falsos, como Carlos Drummond de Andrade, ao escrivão da delegacia. Noutro, a equipe distribui latas de leite para convencer figurantes a regravar uma cena árdua de Deus e o Diabo, em Monte Santo.

Os bastidores das primeiras produções, como Pátio, Cruz na Praça e Barravento, até Deus e o Diabo na Terra do Sol, também são ricos em detalhes, fazendo jus à história de uma geração, inflamada com o poder transformador da arte.

A rebeldia de Glauber, que já se manifestava aos 8 anos (com o histrionismo que o inclinava a querer ser pastor), justifica posições do homem adulto, que acreditava que era preciso ter uma cultura desenvolvida para haver uma revolução econômica e cultural. Acreditou que o cinema poderia fazê-la.

A Primavera do Dragão - Objetiva / 368 páginas / R$ 59

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