CULTURA
Nudez no cinema com elegância e delicadeza
Por Lucas Cunha, A Tarde On-Line
Um dos poucos casos de quase unanimidade entre público e crítica, Selton Mello parece estar no fim de um ciclo e no início de outro. Aplaudido em trabalhos de alcance popular como O Auto da Compadecida e Meu Nome Não é Johnny ( maior bilheteria nacional em 2008) e filmes mais prestigiados como Lavoura Arcaica, Selton diz estar cansado de sua imagem como ator e resolve arriscar suas fichas como diretor.
Seu primeiro trabalho, Feliz Natal, será exibido com sua presença no Cinema do Museu nesta terça, 14, às 20h40, e quarta, 15, às 15h30 (esta sessão seguida de um bate-papo), como parte do 5º Festival de Cinema de Arte. Em entrevista por telefone, Selton fala sobre seu novo momento e tenta evitar comentários sobre a polêmica envolvendo uma cena de nudez presente no filme, que virou assunto na imprensa nacional nos últimos dias.
A TARDE - Feliz Natal marca sua estréia como diretor em um longa. Apesar de você já ter feito o curta Quando o Tempo Cair – com o ator José Loredo, humorista conhecido pelo personagem Zé Bonitinho, que foi premiado na Jornada de Cinema da
Bahia, em 2007 – essa é sua grande apresentação ao público acostumado com o ator. Qual é o Selton Mello que você apresenta no filme?
Selton Mello | Como ator, você fica escondido atrás de uma personalidade, aquilo não apresenta a expressão do seu espírito. Poucas vezes como ator eu pude mostrar que eu realmente era como em Lavoura Arcaica e O Cheiro do Ralo. O Feliz Natal tem várias experiências minhas, ao mesmo tempo não é autobiográfico, mas é uma espécie de retrato do meu sentimento com o Natal, como eu vejo essa festa. Faço aniversário no dia 30 de dezembro, acho muito melancólico fazer aniversário perto de Natal. Em um natal desses, uns três, quatro anos atrás, veio a idéia de fazer um filme em que o Natal fosse o pano de fundo da trama. É uma data obrigatória, reveladora, achei isso muito cinematográfico. Gostei bastante da experiência de estar na direção, tanto que eu já começo a pensar no próximo filme. E também devo começar uma pausa muito grande, passar um bom tempo sem atuar.
AT | Por que isso aconteceu?
SM |Não tenho o mesmo tesão de alguns anos atrás em atuar. Fico incomodado quando percebo que possa existir algum traço de burocracia.
AT | Mas ainda existem alguns projetos inéditos seus como ator, como o filme sobre o Jean Charles...
SM | Estou terminando de rodar algumas cenas desse filme em Paulínea [cidade no interior de São Paulo que começa a se tornar um forte pólo cinematográfico nacional]. De inéditos, tem ainda A Erva do Rato, do Júlio Bressane, e A Mulher Invisível, do Claudio Torres.
AT | E como será essa fase como diretor? Enquanto ator, você trabalhou com alguns diretores que tinham uma procura por um cinema de autor, como o Luiz Fernando Carvalho, o Julio Bressane. É esse caminho que você pretende seguir?
SM | Acho que minha carreira como diretor será mais ou menos como a minha carreira como ator. Ou seja, alguém que pode fazer o André de Lavoura Arcaica, o Chicó
de Alto da Compadecida. Não esperem que um próximo filme tenha algo a ver com o Feliz Natal. Claro que uma coisa ou outra podem estar lá também, mas os próximos trabalhos devem ser bem
diferentes.
AT | O que está por vir ?
SM |Algo que tenho certeza que vou fazer é uma adaptação de O Alienista, de Machado de Assis. É algo que eu sempre quis fazer. Com certeza será um filme de época, com muito humor. Mas esse não será o meu próximo filme, talvez o terceiro ou quarto filme.
AT | Voltando a Feliz Natal, algo que chama atenção é uma câmera sempre muito em cima dos atores, algo quase claustrofóbico. Isso é uma tentativa sua, com sua visão de ator, em extrair o máximo das interpretações?
SM | Essa forma de filmar foi pensada junto com o Lula Carvalho (diretor de fotografia). Curioso que a primeira vez que o Lula fez foco para o pai (o também diretor de fotografia Walter Carvalho) foi no Lavoura Arcaica, e dez anos depois, eu, ele e Leonardo Medeiros (ator, que está no elenco de Feliz Natal) nos encontramos para contar outra história passional. Claro que isso tem muita influência do John Cassavetes, que admiro muito, ainda mais por ele ser, como eu, um ator que dirige. A busca foi retratar aquela família, a incomunicabilidade entre eles, sentir suas dores, quase poder tocar em todas as suas angustias.
AT | Ainda sobre os atores, a escolha do elenco em Feliz Natal foge da obviedade que existe na maioria do cinema nacional, seja por colocar novos nomes ou resgatar alguns atores que estão afastados, como Darlene Glória e Paulo Guarnieri. Isso vai ser uma constante nos seus trabalhos?
SM |O maior fantasma de um ator é o esquecimento. Talvez esteja fazendo o que eu gostaria que fizessem comigo. Muitas vezes as escalações são viciadas e atenciosas. Acho que devemos trazer a luz sobre aqueles que não estão expostos como deveriam. Sempre via muito o Paulo Guarnieri na televisão, quando era garoto, fazendo bastante novela. Quando o pai dele [o também ator Gianfrancesco Guarnieri] morreu, vi umas fotos dele no enterro do pai e fiquei querendo saber onde ele estava, já que não ouvia mais falar dele. Soube que ele tinha desistido da carreira de ator há uns oito anos, atualmente o Paulo tem uma pousada em Búzios, essa é a profissão dele. Conversei com Paulo e, inicialmente, ele não tinha interesse, mas depois que expliquei o filme, ele se sentiu seguro em participar. Apesar de ser veterano, como estava esse tempo afastado, veio sem vícios e, principalmente, com muito prazer.
AT | E a Darlene Glória?
SM |A Darlene Glória foi a minha última entrevista no programa que eu tinha no Canal Brasil, o Tarja Preta, exatamente antes de começar a mergulhar no Feliz Natal. Fiquei impressionado por sua história de vida. Quando conheci a Darlene, queria que ela impregnasse a tela com tudo que eu ouvi. A personagem que ela faz, a mãe dessa família, não existe no roteiro original, mas a sua participação é tão forte que acaba impregnando todo o filme, ela paira por toda essa tragédia da família.
AT | Aqui em Salvador você irá participar de uma sessão de Feliz Natal , seguida de um debate com o público. Você gosta deste tipo de encontro?
SM | Sim, é um dos momentos mais saborosos. Até porque não gosto muito de ficar contando a história antes, prefiro que as pessoas vejam e formem suas próprias opiniões. A arte é algo feito para as pessoas poderem pensar, instigar o público.
AT | Além de John Cassavetes, outra citação sua entre as influências em Feliz Natal é o cinema argentino, especialmente o filme Pântano, de Lucrecia Martel. O que chama sua atenção nesses filmes argentinos?
SM |Não só a Lucrecia, mas também o Pablo Trapero (diretor de Família Rodante) que eu gosto muito. Sou um grande entusiasta do cinema argentino, eles têm uma levada de filmar que a gente aqui no Brasil não tem. Na maioria das vezes, fazemos coisas muito complexas, eles sabem fazer filmes simples, que falam sobre o ser humano, filmes sobre gente, sobre relações pessoais, sem ser roteiros mirabolantes. Mas o barato é ter essas referências e saber transfigurá-las.
AT | Em algumas coletivas que estive, percebi que você acompanha bastante a crítica, conhece bem os principais críticos de cinema. É isso mesmo, você lê muito o que sai sobre o seu trabalho?
SM | Como ator, eu acompanho sim, leio muita coisa. Mas eu vi uma entrevista recente do Fernando Meirelles, que deve ter crítica de seus trabalhos em tudo que é lugar, que ele parou de ler as críticas. Ele estava respondendo sobre as críticas que o Ensaio Sobre a Cegueira tinha recebido em Cannes. Eu acho que nós não fazemos filmes para ganhar prêmios em festivais, sermos criticados, mas sim porque queremos contar uma história. Acho que vou adotar essa linha e, no momento, não tenho lido muita coisa.
AT | Mas imagino que você deva ter tomado conhecimento de um texto do ator Pedro Cardoso sobre a nudez no cinema... [Durante a estréia do filme Todo Mundo Tem Problemas Sexuais, do diretor Domingos Oliveira, na última semana, no Rio de Janeiro, Pedro Cardoso leu um manifesto contra a invasão da pornografia na produção audiovisual mundial. A íntegra do texto está disponível no site: http://todomundotemproblemassexuais.zip.net. Segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo, Pedro estaria namorando a atriz Graziela Morietto, que está no elenco de Feliz Natal e aparece sem roupa em uma das cenas do filme. As críticas de Pedro seriam, segundo esta reportagem, dirigidas, em parte, a Selton Mello]
SM |Sobre este assunto, eu prefiro não comentar nada...
AT | Mas isso me fez lembrar que o filme de maior destaque da carreira de sua protagonista, a Darlene Gloria, justamente leva o título de Toda Nudez Será Castigada. [adaptação de Arnaldo Jabor para a peça de Nelson Rodrigues]. O que gostaria de saber, então, é: você acha que, agora, toda nudez no cinema será castigada?
SM - O que posso dizer sobre isso é que não sou contra, quando isso é expressado com elegância e delicadeza. Do contrário, eu não estaria fazendo filmes, e sim trabalhando em uma produtora pornô.
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