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VISUAIS

O simples ressignificado

Walter Queiroz recebe visitantes no Rio Vermelho para conversar sobre a mais recente produção artística

Por Elis Freire*

04/10/2023 - 0:00 h
Waltinho: “Umas das características do meu trabalho é a exaltação das cores”
Waltinho: “Umas das características do meu trabalho é a exaltação das cores” -

Sentado na sala de casa, Walter viu um isopor voar em sua direção e, com um outro olhar, percebeu que ele poderia ser mais do que simples objeto. Com obras coloridas e interativas, o cantor e compositor recém engajado nas artes plásticas recebe as pessoas no íntimo espaço da Confraria dos Saberes, no Rio Vermelho. Às quintas-feiras, chamadas de Quintas das Artes, ele apresenta quadros e objetos artísticos, das 19h às 21h.

Aconchego, cheiro de café, atmosfera contemplativa. Ao ser recebido por Walter na porta, como ao chegar na casa de um amigo, as obras coloridas se apresentam aos poucos, nos corredores, em cima da mesa, ou em tótens apoiados no chão. Com muita cor e glitter, reflexões artísticas e boas conversas são suscitadas pela Confraria dos Saberes, espaço de encontro de ideias, reinaugurado na rua Alexandre Gusmão, 90, Rio Vermelho.

Walter Queiroz, renomado compositor e um folião visceral, viu nas artes visuais uma nova forma de trabalho e de terapia. Fundador do Bloco do Jacu, em 1964, Walter se inspira na infância, nas tardes de Carnaval, nos bailes e nos pós-jogos na Arena Fonte Nova para criar obras, como o cintilante quadro Carnaval e as compridas arraias.

O mote é o encontro de novos significados em objetos que poderiam ser rejeitados por um olhar não interessado, apelidado pelo artista de “Quinquilhartes”. Papéis de bombons, pentes de plásticos, tampas de quentinha: tudo pode se tornar digno de interesse artístico-sensível. E em cada quinta feira, através de cada ângulo da sala, sentado no sofá ou caminhando, o espectador pode encontrar novas formas inusitadas.

“‘Quinquilhartes’ é uma arte feita com coisas simples. Embalagens usadas, fitas, pedaços de papel quando são alçadas com carinho a um patamar estético podem virar obras de arte. É uma questão de ressignificação. O nosso olhar está sempre reinventando o quadro, ele nunca estava estático. O acaso é coautor do processo. Cada vez que você olha, você vê uma forma diferente”, explica Walter.

“O olhar atento que começou a procurar nos pequenos objetos esquecidos no chão um sentido, quase um grito de querer pertencer. E aos poucos Waltinho vai achando o lugar exato de cada objeto. Como se eles sussurrassem no ouvido do poeta para onde querem ir. Essa ressignificação na verdade é a busca constante do encontro do papel abandonado com o novo sentido de pertencer. Cada objeto formado é um poema contado”, escreve Letícia Werneck Streithorst, filha do coração de Walter, em texto de apresentação do projeto.

Surpresa recente

O cantor e compositor de canções populares como a marcha de carnaval No Meio da Rua, No Meio do Povo se aproximou das artes plásticas há um pouco mais de cinco anos. Irmão do artista plástico Lula Queiroz e fruto de uma família de artistas, as obras expostas dentro da acolhedora casa no Rio Vermelho são resultado de uma surpresa boa que chegou na vida de Walter aos quase 80 anos de vida.

“Eu nunca pensei que um dia eu ia lidar com as artes plásticas, embora tenha guardado no meu coração a lembrança do meu irmão que era um artista plástico talentoso; Lula Queiroz. Todo esse trabalho de alguma maneira será sempre uma homenagem à memória dele. Sou de uma família de artistas, tenho um background muito rico, mas artes plásticas não era uma coisa da minha ambição”, conta.

Juntar pedaços, partes, cores e principalmente tudo que brilha virou uma nova prática do artista. Refletindo muito da sua relação com a música e com a cultura baiana, as colagens cheias de informações deslocam o olhar para lá e para cá, como em uma dança de cores. Homenagem ao irmão e à sua própria memória, Walter convida os interessados a conhecer um outro lado de sua subjetividade, no espaço mais íntimo que existe: uma casa.

“Umas das características do trabalho é uma exaltação das cores: as cores como celebração da vida. As cores encontraram no papel glitter seu brilho, como se tivessem vida própria. Trabalhando as cores com intensidade e com paixão fui descobrindo um novo valor terapêutico, perto dos 80 anos. É uma alegria criativa”, afirma Walter Queiroz.

“O afã pela cor é oriunda da minha alegria de folião. Alegria, cor e vida são a segunda propriedade terapêutica desse trabalho. O carnaval está presente em todos os meus trabalhos”, completa.

Casa das cores

As obras são as protagonistas do espaço de paredes brancas e móveis sóbrios que os convida a sentar para tomar um café e observar.

A conversa com o artista, sem tempo demarcado e com direito a um passeio pelos corredores, quartos e espiadinhas nos trabalhos ainda em processo caracterizam a Quinta das Artes.

Uma das obras presentes no espaço são os chamados En Vino, Veritas: caixinhas de papelão com rolhas de vinho – cada rolha carrega uma mensagem: “amizade”, “carinho”, “beleza”. Quem passa pela sala da confraria para ser atendida pela psicanalista e produtora da Quintas das artes, Maria da Conceição Cardoso, ou quem vem apreciar as artes de Walter pode pegar um rolha para guiar seu dia.

“Por ser um apreciador de vinhos, eu colecionava rolhas. Resolvi criar um objeto oracular onde eu as colocava, que chamei de In Vino, Veritas. Para ele se exercitar, cada um encontra uma palavrinha diariamente, tirando o espectador da passividade. Cada dia ele te mostra um sentimento: alegria, dor, paixão. Além de ser decorativo tem um valor existencial e te dá um alô todo dia”, explica.

A Confraria dos Saberes, espaço que reuniu pesquisadores, artistas e psicanalistas, entre as décadas de 1960 e 80, reinaugurou-se em novo espaço, ainda no boêmio e artístico bairro do Rio Vermelho. Com o projeto Quintas das Artes, o local convida o público para uma contemplação, acompanhada de um bate papo com o artista, mas os interessados podem adquirir as obras.

“É uma comercialização de uma maneira mais poética para as pessoas virem se enamorar aos poucos. A pessoa passa uma, duas semanas olhando para uma obra e quando vê está enamorado. Despretensiosamente e sem ansiedade. Não espero nada que não seja autêntico e legítimo. Tudo que o encontro entre as pessoas e os trabalhos demandarem”, ressalta o artista.

WALTER QUEIROZ NA ‘QUINTAS DAS ARTES’ / Quintas-feiras, a partir das 19h / Confraria dos Saberes (Rua Alexandre Gusmão, 90, Rio Vermelho) / Entrada gratuita

* Sob a supervisão do editor Chico Castro Jr.

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