CENÁRIO
Para o Verão e além: perspectivas para o teatro de Salvador em 2025
Calendário envolve um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro local
Por Gilson Jorge
Poucos dias antes do Carnaval que vai celebrar os 40 anos da axé music, o grupo Los Catedrásticos retoma o palco para performar Macetando o Apocalipse, a versão 2025 do célebre espetáculo que começou como o Recital da Novíssima Poesia Baiana, em 1989. Com a declamação de clássicos da folia, mas também pagode e até funk.
Um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro local ao longo das últimas décadas, a comédia é um dos destaques do circuito teatral, em uma temporada que traz ainda Frank Menezes, com Aleluia, e Os Argonautas, com a comédia Tartufo, de Molière, entre outros. Depois de um ano em que o teatro foi dominado por monólogos, grandes espetáculos voltam à cena a partir de janeiro.
E na esteira do lançamento de um conjunto de ações de fomento às artes cênicas, pela Fundação Gregório de Mattos (FGM), atores, diretores e produtores voltam a debater uma questão estruturante: como tornar perene a existência de um teatro profissional na Bahia?
O fim do isolamento social por causa da pandemia de Covid-19 trouxe um certo alento à classe teatral. Em um primeiro momento da retomada, houve mais pessoas em busca de ingressos para as artes cênicas do que para as salas de cinema.
Mas como manter o fluxo nas bilheterias dos teatros ao longo de todo o ano? Desconsideradas as políticas públicas de incentivo direto, como os editais, a resposta para esse dilema inclui pelo menos duas vertentes.
A primeira, uma quantidade de salas de teatro que permita aos atores e grupos permanecer em cartaz o tempo suficiente para que o público tome conhecimento da sua existência. A segunda, um valor de ingresso que, mesmo considerando a meia-entrada, permita a remuneração digna do trabalho de artistas e técnicos envolvidos na produção.
Com uma trajetória consolidada, décadas de sucesso de público e o apelo da presença de atores popularizados pela televisão, como Jackson Costa e Cyria Coentro, Maria Menezes e Zéu Brito, o grupo Los Catedrásticos consegue cobrar valores bem acima do mercado local para os ingressos em suas apresentações. Até o fechamento desta edição, os preços para a próxima temporada da companhia não haviam sido divulgados, mas a reportagem apurou que a inteira não deve custar menos do que R$ 80. "Todo o dinheiro arrecadado é dividido igualmente e as despesas são pagas por todos. É um conceito antigo de teatro de grupo, que praticamente não existe mais", declara o diretor do espetáculo, Paulo Dourado.
A bilheteria consegue remunerar minimamente o grupo, mas isso não significa, naturalmente, que a atuação no palco consiga sustentar o elenco. Uma noite de casa cheia no Teatro Módulo, por exemplo, com seus 281 lugares, e no caso hipotético de todas as entradas vendidas serem inteiras, a renda bruta da noite seria R$ 22.480,00. Mas é preciso abater, entre outras despesas, o aluguel do espaço (a pauta) e impostos.
Por isso, todo mundo no grupo toca paralelamente outros projetos. "O teatro tem até dado um certo retorno financeiro nos últimos dois anos, após a pandemia, mas para monólogos e pequenos espetáculos", afirma Dourado, destacando que 2024 foi marcado pelos monólogos. "É um recomeço. Ainda tímido, mas interessante", avalia o diretor. A peça será encenada no Teatro Módulo, na Pituba, a partir de todas as quintas e sextas até o final de fevereiro.
O preço baixo de ingressos para o teatro também é uma preocupação para o diretor do Teatro Vila Velha (TVV), Márcio Meirelles. "Você cobra R$ 30, R$ 15, menos do que um ingresso no cinema para uma coisa que é ao vivo, que os atores estão ali", afirma o diretor.
Meirelles também destaca a importância de haver mais espaços para o teatro em Salvador, o que permitiria a continuidade em cartaz dos espetáculos. "O que está acontecendo é um fracionamento muito grande, são pautas curtas, de dois, três fins de semana, e isso realmente não forma um público", analisa o diretor, que reivindica um programa de mediação que leve público para o espetáculo já em sua primeira semana.
A partir de janeiro, o Teatro Vila Velha, que está em reforma, oferece nas instalações do Museu de Arte da Bahia (MAB), no Corredor da Vitória, as Oficinas Vila Verão, de 6 a 25 de janeiro. Entre as opções, Teatro para Iniciantes, Interpretação em Shakespeare, Afro Fabulação e Arte Drag. "É uma programação intensa e extensa. O verão é longo este ano", afirma. O TVV, que completou recentemente 60 anos, está em reforma e ocupa provisoriamente uma sala no MAB, com acesso pelo estacionamento.
Integrante do grupo Os Argonautas, a atriz Alethea Novaes ratifica a queixa quanto à falta de palcos para o teatro profissional, o que dificulta a continuidade em cartaz. "Às vezes, o público está indo, a produção teria condições de continuar e a gente não tem espaços. As pautas são restritas. Muitas vezes, quando o público começa a ir, a gente encerra a temporada", diz a atriz.
Ela passou por essa experiência na montagem de Um Vânia, texto de Tchekhov, que não pôde estender sua temporada na Sala do Coro do Teatro Castro Alves, mesmo com as sessões lotadas, porque havia uma concorrida programação de espetáculos para o espaço. "É importantíssimo que os artistas locais usem a Sala do Coro, mas eu ainda noto isso, que a gente tem uma grande restrição de período de temporada", pontua Alethea.
Em março, ela entra em cartaz sozinha, com o projeto Reflorescer Mulher, um alerta sobre a violência de gênero, em parceria com a Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres, Infância e Juventude. "Os editais são fundamentais para a cultura da nossa cidade. Os projetos em que eu estou envolvida são graças a parcerias públicas. Para manter o artista profissional trabalhando essa parceria é fundamental", avalia.
Com 30 anos de carreira profissional, a atriz aponta as poucas oportunidades que o teatro oferece na Bahia. "É com certo pesar que eu digo que quase todos os meus colegas em Salvador têm uma profissão paralela, como professor ou como gestor", comenta a atriz.
Paixão platônica
A demanda reprimida por pautas nos teatros fez com que Frank Menezes só conseguisse agendar a nova temporada de Aleluia para o próximo mês de março. Com texto de Márcio Azevedo e Ricky Hiraoka, e direção de Marcelo Praddo, Aleluia traz uma dona de casa politicamente incorreta que não está feliz no casamento e alimenta uma paixão platônica por um ator pornô, que por coincidência se muda para a sua vizinhança e é convidado pelo casal a passar o Natal com eles. Um preâmbulo para o monólogo que se passa, de fato, em uma delegacia de polícia, que gradativamente vai se confundindo com a residência da protagonista.
"O cenário criado por Maurício é uma mesa de delegacia voltada para o público, como se a plateia fosse o delegado", explica Frank. O ator tem certeza de que o espetáculo, apresentado em outubro e novembro deste ano no Teatro Módulo, volta a cartaz depois do Carnaval. Mas ainda não sabe onde.
Frank reclama que alguns espaços tradicionais do teatro baiano foram abandonados. "Você não ouve mais falar do Espaço Xisto, na Biblioteca Pública dos Barris, que é um lugar legal", afirma o ator, que defende a ideia apresentada pelo presidente da FGM, Fernando Guerreiro, de que os teatros existentes em escolas sejam abertos aos espetáculos profissionais de teatro.
"Um dos maiores teatros da cidade, onde Elis Regina fez um show que se tornou icônico, é o Teatro do Iceia, no Barbalho", declara o ator, afirmando que os gestores desses teatros não tomem a iniciativa de aproveitar os espaços.
"Eu acredito que falta bom senso e um olhar mais delicado sobre quem nós somos", afirma o ator, destacando que Salvador tem tradição cênica e que o mestrado da Escola de Teatro da Ufba é um dos mais respeitados da América Latina.
A Bofetada
Responsável pelo espetáculo A Bofetada, um dos maiores sucessos de bilheteria do teatro baiano, e que teve Frank Menezes em seu elenco, a Companhia Baiana de Patifaria retorna aos palcos, em 11 de janeiro, com Fanta & Pandora, uma folia em cena, com Lelo Filho, Rodrigo Villa e Maurício Martins, no Teatro Módulo.
Com 40 anos de teatro, Lelo Filho participou esta semana do lançamento de um pacote de ações da FGM para incentivar as artes cênicas. “ É um momento de apontar coisas novas, projetos novos, editais novos. Que mais recursos sejam injetados na cultura", declara Lelo.
Sobre a falta de espaços cênicos na cidade, o ator diz: "Sempre que venho em direção ao Centro e passo pelo antigo Teatro Acbeu, agora um prédio, ou a clínica no Rio Vermelho, onde era o Teatro Maria Bethânia, me entristece de alguma forma".
Ele respalda a ideia de que os colégios particulares de Salvador que possuem teatros equipados sejam usados por espetáculos profissionais. "Eu já passei por alguns desses teatros e sei do potencial que eles têm, de estacionamento, de localização, de público", afirma o ator.
Presente ao evento da FGM, a presidenta da Funarte, a atriz Maria Marighella, aposta suas fichas no recém-criado Sistema Nacional de Cultura (SNC) como forma de apoiar a consolidação das cenas teatrais pelas cidades brasileiras.
"É a primeira vez que estados, municípios e o Governo Federal têm uma calha institucional, uma arquitetura institucional para organizar papéis", afirmou a presidenta.
Maria menciona os sistemas setoriais que estão sendo criados dentro do SNC como instrumentos para as futuras políticas públicas para cada setor. "Qualquer política para o teatro, para a dança, para o audiovisual, precisa antes de mais nada reconhecer a ecologia dessa arte. Esse fomento, que hoje é uma realidade, precisa ser dirigido por um sistema que saiba o que quer. Que trate os realizadores no tamanho que cada arte tem", afirmou a gestora.
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