CULTURA
Poesias de Fernando Pessoa são musicadas por brasileiros
Por Verena Paranhos

Fernando Pessoa (1888 - 1935) na cabeceira e violão na mão. Munido dessas ferramentas, o cineasta e músico André Luiz de Oliveira levou 30 anos para musicar os 44 poemas de Mensagem, única obra publicada em vida pelo poeta português.
As canções foram surgindo sem pressa e no mesmo passo ganharam vozes de intérpretes brasileiros e lusos. Algumas das versões chegaram a sair em discos em um LP lançado em 1986 e um CD em 2003.
Agora, todas estão reunidas no projeto Baú Mensagem, luxuosa caixa de madeira com três CDS, dois DVDs, uma nova edição do livro e um caderno de imagens com fotografias de Rama de Oliveira.
"Mensagem é um espaço tão pluridimensional, que você mergulha e nunca mais consegue sair. Comprei as Obras Completas, mas fui direto em Mensagem. Filmei sempre com esse livro na cabeceira. Até hoje ele me acompanha", conta o baiano radicado em Brasília.
"O poeta foi uma instância à qual eu recorria em momentos especiais. Eu encontrava com ele e alimentava essa chama do contato com os ancestrais, toda a mística da Península Ibérica que sempre estive ligado".
O diretor de Meteorango Kid - O Herói Intergalático (1969), icônico filme do cinema marginal brasileiro, tem em sua filmografia documentários biográficos sobre personalidades como Edgard Navarro e Mario Cravo. E, com a finalização deste projeto, sente como se estivesse contribuindo também para a biografia do poeta.
"De repente, a minha teimosia me fez chegar a isso. Tenho um prazer enorme de saber que faço parte dessa história dele, que a poesia dele está viva. Estou fazendo shows, falando de Pessoa e cantando Pessoa", diz André Luiz Oliveira.
A descoberta
No final da década de 1960, André Luiz descobriu Pessoa por meio de Caetano Veloso, quando o cantor recitou um trecho do poema D. Sebastião na apresentação de É Proibido, Proibir, no Festival da Canção. O baiano é um dos convidados do projeto e gravou duas faixas, Padrão e D. João, Infante de Portugal.
"Fernando Pessoa é a justificativa da existência da música portuguesa. É pra isso que existe a língua portuguesa. Mensagem é o livro de Fernando Pessoa da minha preferência desde que eu conheci", confessa Caetano Veloso no DVD que registra os bastidores do projeto.
O tom épico-lírico e até sacro dos poemas que falam do grandioso e glorioso passado de Portugal foi preservado na maioria das músicas compostas por André Luiz de Oliveira. Poucas, como as que cantam Carlinhos Brown e Mariella Santiago, têm a leveza da música contemporânea.
"Quando a gente vai interpretar um poema de Pessoa musicado sente essa identificação, porque Portugal é ancestralidade nossa. Me identifico completamente com essa abertura de exercício da arte, esse cruzamento entre arte e literatura, Brasil e Portugal", comenta Mariella, que interpreta O das Quinas.
Já Brown gravou o poema O Conde D. Henrique. "A poesia começa no ritmo, a fala começa na percussão. Ao homem percutir, ele transforma isso em poesia. Era a melhor coisa que eu poderia oferecer para algo assim, esse gênio lusófono. Ter participado desse projeto me ajuda muito a ter uma compreensão melhor de língua portuguesa. Sou formado por essa oralidade, do Rosa, do Pessoa, do Amado", comenta ele.
Gilberto Gil, Gal Costa, Daniela Mercury e Moraes Moreira são outros baianos que participaram do projeto.
Fagner, Elba Ramalho, Ney Matogrosso, Elizeth Cardoso, Moraes Moreira, Edson Cordeiro, Mônica Salmaso, Milton Nascimento, Zélia Duncan e Cida Moreyra também emprestaram suas vozes à poesia de Pessoa. De Portugal, integraram o projeto nomes como Carlos do Carmo, Dulce Pontes, António Zambujo e a fadista Glória de Lourdes.
"Umas músicas eu já fazia pensando no intérprete, outras só fui descobrir ao longo do tempo. Foi uma coisa muito livre", explica André Luiz, que também interpreta algumas faixas.
Cineasta
Mesmo com o registro audiovisual dos bastidores, entrevistas e até algumas experimentações entre música e vídeo, o lado cineasta de André Luiz ficou de lado nesse projeto.
"Me preocupei com o registro, mas fiquei muito focado na música, nos arranjos, na composição. Não tive grandes pretensões intelectuais, aquele vício do cineasta, que é muito cerebral, que tem que entender e controlar tudo. Lidando com esses dois personagens, deixei o músico ir pela emoção, pela intuição", conta André Luiz, que pretende ainda lançar um documentário sobre os 30 anos do projeto.
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