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CULTURA

Premiação do Oscar tenta retomar público perdido no ano passado

Pandemia adiou o lançamento de boa parte dos filmes e a indústria teve que se virar com o streaming

Por Rafael Carvalho

26/03/2022 - 17:06 h
O mais cotado para receber o Oscar de melhor filme é o western intimista  Ataque dos Cães
O mais cotado para receber o Oscar de melhor filme é o western intimista Ataque dos Cães -

Entra ano, sai ano, e a pergunta continua a mesma: o Oscar ainda tem relevância? Dependendo de qual seja o seu lugar na cinefilia (ou na indústria de cinema, que é muito maior que o Oscar), a resposta é: talvez. Entender que se trata de um prêmio voltado para a indústria estadunidense e/ou de filmes falados em inglês, de um certo mainstream cinematográfico, é um bom caminho para se divertir com a disputa, mas sem precisar achar que essa é a totalidade do cinema, ou que só ela importa.

Dito isso, as coisas não andam muito boas para o Oscar. A audiência da premiação ano passado foi pífia, uma das piores da história, desde que a premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood passou a ser televisionada.

Alguns fatores se correlacionam para explicar tal fato: a pandemia paralisou muitas atividades, adiou o lançamento de boa parte dos filmes, a indústria teve que se virar com o streaming, um conflito ainda não muito bem resolvido, e o público se dispersou demais entre concorrentes fracos.

Mas a partir do retorno dos lançamentos presenciais nos cinemas, os filmes foram chegando ao público de modo tradicional, sem ignorar as exibições online. Agora, o Oscar tenta resgatar o seu prestígio e o público mais engajado que torce para seus filmes, atores e profissionais do cinema preferidos dentre os indicados.

Este ano, a disputa pelo prêmio de melhor filme ainda precisa girar ao redor de obras que nem precisariam estar ali. Por vezes é preciso boa vontade para lidar com os indicados, especialmente depois que a lista passou a ser de dez concorrentes. Por outro lado, é sempre possível destacar ótimas obras que fazem jus à indicação de melhores filmes lançados no ano anterior.

Belfast, de Kenneth Branagh, que há alguns meses era tido como o possível vencedor na categoria principal, foi vendo seu favoritismo diminuir – e com certa razão, dado o tom genérico que ele alcança, mesmo sendo inspirado na infância do diretor. Hoje, tudo aponta para uma vitória do western intimista de Jane Campion, Ataque dos Cães (Netflix).

Campion, aliás, é uma das mais cotadas para vencer o prêmio de direção – se isso acontecer, seria apenas a terceira mulher a ganhar o prêmio (as anteriores foram Chloé Zhao, por Nomadland (2020), e Kathryn Bigelow, por Guerra ao Terror (2008). É o trabalho de uma verdadeira autora que compõe aqui um filme cheio de nuances e de não-ditos, revirando do avesso o ideal de masculinidade dentro de um ambiente marcadamente machista, e um dos gêneros cinematográficos que melhor espelha o cinema americano – sendo ela uma cineasta neozelandesa.

Demais concorrentes

Há outros ótimos concorrentes, caso do filme japonês Drive My Car, de Ryûsuke Hamaguchi, que conseguiu romper a barreira dos filmes falados em língua não inglesa e chagar à categoria principal, dominado pelos filmes em inglês. Drive My Car é, sem dúvida, o melhor longa dessa temporada de premiações, uma trama madura, complexa e filmada com talento, cuidado e atenção para as muitas nuances da história que envolve um dramaturgo, os atores da peça de teatro e sua motorista particular. O filme ainda conseguiu uma indicação em Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção.

Por sua vez, Steven Spielberg retorna aos holofotes com a refilmagem de um clássico dos musicais em Amor, Sublime Amor e não faz feio. Outro nome de peso no cinema americano é o de Paul Thomas Anderson, que atacou dessa vez com o delicioso Licorice Pizza, um filme de formação juvenil dos mais inspirados.

Com esses filmes, já se fazia uma bela seleção do Oscar, mas fizeram questão ainda de empurrar bobagens como No Ritmo do Coração – refilmagem americana de um longa francês recente – e o insosso King Richard: Criando Campeãs, sobre o pai e treinador das tenistas Venus e Serena Williams.

Guillermo Del Toro já viu dias melhores e dessa vez, com O Beco do Pesadelo (refilmagem de um filme homônimo de 1947) apenas recria um noir estiloso, mas um tanto insosso. No campo dos blockbusters, Duna, de Dennis Villeneuve, conseguiu uma sofrida vaga, apesar do diretor ter sido esnobado na sua categoria. Fecha a seleção dos dez, Não Olhe para Cima, a engraçada, porém passageira, sátira que Adam McKay faz dos negacionistas de plantão.

Disputas certeiras

Nas demais disputas, algumas coisas parecem bem certas: é bem difícil tirar o prêmio de melhor filme em língua estrangeira de Drive My Car (ainda que o longa norueguês A Pior Pessoa do Mundo, de Joachim Trier, tenha conseguido outra indicação, a de Melhor Roteiro Original, o que fortalece a sua campanha).

Para longa documental, também não parece haver outra possibilidade a não ser a vitória do ótimo Summer of Soul (...Ou Quando a Revolução Não Pôde Ser Televisionada), um resgate impressionante de um dos mais importantes festivais de música negra no EUA, no final dos anos 1960.

Uma curiosidade nesta edição é que o filme dinamarquês Flee – A Fuga foi indicado nas categorias de Documentário, Animação e Filme Estrangeiro, um feito inédito. Também contamos com a presença de um brasileiro, Pedro Kos, codiretor do curta documental Onde Eu Moro (disponível na Netflix).

Algumas categorias de atuação também têm dono certo. Entre os atores, parece que chegou a vez de Will Smith, dessa vez num papel sério, levar sua estatueta para casa. No lado dos coadjuvantes, Kodi Smit-McPhee, de Ataque dos Cães, leva vantagens, ameaçado de perto por Ciarán Hinds, de Belfast.

O que não está nada definido são as atuações femininas. Com o esnobe para a atuação de Lady Gaga em Casa Gucci, o Oscar de Melhor Atriz está em aberto. Kirsten Stewart, vivendo a mítica Lady Di, é uma grande possibilidade em Spencer, mas perdeu um tanto de força nos últimos tempos. Isso abre espaço para Nicole Kidman levar seu segundo Oscar por interpretar a ícone da TV norte-americana, Lucile Ball; ou então mais um Oscar para Olivia Colman, pelo papel da mãe em A Filha Perdida; outra figura materna forte é a de Penélope Cruz, no almodovariano Mães Paralelas; mas pode ser a vez também de Jessica Chastain, vivendo a televangelista conservadora Tammy Faye.

Esperando algumas surpresas, outras nem tanto, o Oscar quer mesmo recuperar seus dias de glória e de prestígio, ainda que siga apostando na força das campanhas milionárias, com algumas poucas ressalvas. As coisas na indústria e nos modos de consumo e recepção das obras estão mudando, então é bom que a Academia de Hollywood mude junto com elas.

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