CULTURA
Premiadas, tiras de Tom Gauld fazem humor com a literatura
Foi justamente para o Guardian Books que ele criou a série de tiras reunidas no álbum
Por Chico Castro Jr.
Houve um tempo em que as histórias em quadrinhos eram consideradas o que havia de mais baixo em termos culturais, recomendadas apenas para crianças pequenas e pessoas de baixa capacidade cognitiva. Mas isso caiu por terra há décadas, há pelo menos uns 40 anos. Hoje, leitores de periódicos de alto nível como o Guardian Books (suplemento literário do britânico The Guardian) e The New Yorker se deleitam com as tiras de humor sofisticado do escocês Tom Gauld (autor de Golias e Guarda Lunar), por exemplo.
Foi justamente para o Guardian Books que ele criou a série de tiras reunidas no álbum A Vingança das Bibliotecas (Todavia, 96 pgs., R$ 79,90, e-book R$ 54,90), uma deliciosa coleção de piadas gráficas sobre o mundo literário e suas peculiaridades.
Em A Vingança..., Gauld se diverte (e ao leitor) com escritores e suas manias, críticos e suas crueldades, piadas internas de romances famosos, leitores ansiosos, livreiros em apuros, bibliotecárias ferozes e tudo mais que se possa imaginar envolvendo o mundo dos livros.
Queridíssima dos leitores do suplemento literário britânico, a versão encadernada da série acabou fazendo igual sucesso nos Estados Unidos, sendo premiada com Prêmio Eisner de Melhor Publicação de Humor em 2023.
Lendo sua páginas, é fácil de entender por que. Dono de estilo minimalista (alguns personagens não passam de traços com braços e pernas), Gauld esbanja um humor inteligente e irônico, um biscoito verdadeiramente fino, que desce melhor se o leitor for previamente bem alimentado com um conhecimento mínimo de literatura universal, mas que acaba sendo engraçado de qualquer jeito, dado o absurdo de certas situações.
‘Queimei tudo’
Além dos exemplos aqui reproduzidos, outros podem dar uma boa ideia do estilo “gauldiano” de se divertir com a literatura. Em uma referência à Max Brod, o amigo de Franz Kafka que ignorou seu pedido de queimar todos os seu originais e acabou publicando-os após sua morte, vemos, em uma tira, uma mulher defronte uma fogueira ser visitada por um fantasma. “Voltei da morte para conferir meus textos não publicados”, diz ele.
Muito naturalmente, a mulher responde que queimou tudo, “até o último papelzinho”. Indignado, o fantasma discursa: “Você não ficou petrificada com a luminosidade do meu gênio? Incapacitada de negar tanta beleza e verdade às gerações futuras? Persuadida a ignorar minhas vontades e publicar tudo em edição anotada de luxo”?
“Necas. Botei tudo na fogueira. Quer assar um marshmallow?”, pergunta a mulher, espetando o doce em uma vareta. “Não”, responde o fantasma, indignado.
Como se vê, não é humor para gargalhar, mas certamente faz surgir um riso irônico no canto da boca dos leitores – riso que é difícil de desfazer durante a leitura.
Uma característica que marca diversas tiras é que elas foram produzidas durante a pandemia, então várias delas fazem referência ao período. Nada, porém, que tire o brilho da obra – pelo contrário: no futuro, este pode ser, para pesquisadores e interessados, um bom exemplo do humor gráfico que se produziu naquele tempo histórico.
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