CULTURA
Projeto Musas fixa-se na comunidade do Solar do Unhão
Por Lara Perl

Na mitologia grega, as nove musas que inspiram todas as artes nasceram da união entre Zeus e Mnemosine, deusa da memória. As belas moças cantavam o presente, o passado e o futuro em um coro imortal e viviam em um templo aberto e livre, que levou o nome de museu.
Inspirados nessa ideia original de museu da Grécia antiga, onde a arte estava em tudo, disponível nas ruas, Julio Costa, Marcos Prisk e Bigod Silva, grafiteiros do coletivo Nova 10Ordem, se juntaram para estruturar um movimento de encontros que já vinha acontecendo há anos. No início de 2012, criaram o Musas - Museu de Street Art de Salvador.
A prática de sair para pintar diversos bairros, realizando verdadeiros mutirões de grafite, os levou para a comunidade do Solar do Unhão, curiosamente vizinha ao atual Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM). Pela afinidade com os moradores, escolheram o local para fixar uma sede fomentadora de projetos que unem o grafite às diversas linguagens artísticas.
Museu vivo
Hoje, além dos tradicionais mutirões, eles também realizam atividades com plantas, cinema ao ar livre, brechós, oficinas de fotografia e pintura, exposições e tudo o que surgir, sempre a partir de ideias de amigos e colaboradores que aparecem e propõem algo novo. Por isso eles dizem que o Musas é feito por quem está lá.
"Tudo vai acontecendo muito espontaneamente. Recebemos artistas do mundo inteiro na casa, eles vêm para conhecer a comunidade, pintar e desenvolver projetos", contou Marcos Prisk, integrante do Musas que também reside na sede. Ele acredita que o resultado dos trabalhos pode ser visto nas ruas, em uma exposição natural.
"Na rua, não precisamos pendurar uma tela. A arte pode estar jogada em um canto, alguém pode passar e achar bonito a interação dela com o jardim, com o saco de lixo que está ao lado. É essa interação das coisas com pessoas no espaço que transforma a rua em uma grande galeria", disse Prisk.
Para Julio Costa, essas coincidências caracterizam o projeto como um "museu que guarda o acaso". Na história das musas da mitologia grega, elas também aparecem sempre sem avisar para mostrar seus talentos e qualidades.
Solar como tela
"Viemos desmistificar essa ideia de que a comunidade é violenta, queremos mostrar como ela é linda e nos recebeu de braços abertos. Fazemos parte dela", contou Julio.
A pequena comunidade com cerca de 300 famílias, definida por ele como uma grande casa com muitos quartos, virou tela em branco para os traços do coletivo.
O sapo de Bigod, o letreiro de Prisk e o buda do próprio Julio tomaram as paredes das casas, junto com desenhos de outros artistas.
Há poucos meses decidiram, junto com a comunidade, pintar cada casa de uma cor, sem grafite. "É bom dar uma respirada. Temos os arcos para explorar, mas sempre renovando e respeitando o desejo de cada um. Teve um casamento, pintamos tudo de branco", explicou ele.
Para o artista plástico Eder Muniz, a localização do Musas é muito simbólica por estar ao lado do MAM. "Enquanto a comunidade abraça a arte de rua, o museu ainda não se abriu para isso. Ao mesmo tempo, o Musas reforça a ideia de que o movimento coletivo é o que realmente faz a diferença no mundo. Sozinho ninguém chega a lugar nenhum", considerou.
Os custos do projeto também são cobertos a partir desse coletivo. "Nosso trabalho paga os custos maiores, como o aluguel, e a nossa rede de amigos na internet colabora com as outras coisas menores", contou Julio. Como a polinização das flores, em que as flores se reproduzem espalhando o pólen, o Musas decidiu espalhar suas cores por outras comunidades. Hoje, esse grupo caminha junto e já chegou em outras comunidades como Ladeira da Preguiça, Gamboa, Calabar e Cidade de Plástico, em Periperi.
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