CULTURA
Sai romance de Nelson Rodrigues proibido em 1966
Por Agencia Estado
Único romance que o dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues assinou com o próprio nome, sem recorrer a pseudônimos folhetinescos, O Casamento foi um extraordinário sucesso na época do lançamento, vendendo 8 mil exemplares nas duas primeiras semanas de setembro de 1966, equiparando-se a Dona Flor e Seus Dois Maridos, de Jorge Amado, lançado na mesma época. A obra, relançada agora pela editora Agir, mantém uma assustadora atualidade por sua violência e dramaticidade, ao revelar o brutal apodrecimento de uma família na véspera do casamento da filha.
Escrito em apenas dois meses, O Casamento foi uma encomenda de Carlos Lacerda, que queria um inédito de Nelson Rodrigues para inaugurar sua editora Nova Fronteira. Mas, ao ler os originais, Lacerda ficou chocado e não quis publicá-lo. Então armou um belo estratagema e repassou-o a um amigo comum de ambos, Alfredo Machado, da Guanabara, que o aceitou correndo.
Mesmo assim, Nelson não tinha motivos para comemorar: dias depois de a obra chegar às livrarias, ele foi surpreendido pela morte do irmão, Mário Filho. Com isso, noites de autógrafos, entrevistas, coquetéis, tudo foi cancelado. E, antes que pudesse recuperar-se do impacto, o escritor levou outro baque ao ser informado de que O Casamento fora proibido por Carlos Medeiros Silva, ministro da Justiça do então presidente, o marechal Castelo Branco. Motivo: "A torpeza das cenas descritas e a linguagem indecorosa em que está vazado." Segundo o documento, o romance era um "atentado" contra a "organização da família".
Na verdade, a cegueira cultural da censura militar era latente - o livro conta a história de uma família conservadora que revela o seu desmoronamento na véspera do casamento da filha. A trama é a seguinte: a apenas um dia do casamento de Glorinha e Teófilo, o ginecologista da noiva avisa ao pai dela, Sabino, que seu futuro genro foi flagrado beijando seu assistente na boca. Ardendo na dúvida de revelar a suposta verdade à filha, Sabino vive momentos insuportáveis, especialmente por não poder cancelar o casamento. Afinal, como afirma Nelson, o casamento já é indissolúvel na véspera.
Ao dissecar a família supostamente inatacável, o escritor apresenta seres atormentados por fantasmas sexuais, impulsos reprimidos, complexos e traumas, um coquetel de venenos acobertado pela tradicional hipocrisia. Estão, aparecem frases que se tornaram clássicas como "Só os profetas enxergam o óbvio", "Não acredito que uma mulher possa amar o mesmo homem por mais de dois anos", "Qualquer um pode ser obsceno, menos o ginecologista" e, talvez, a mais conhecida, "Todo canalha é magro".
Seis meses depois, já em 1967, o Tribunal Federal de Recursos liberou o livro, considerando o ato do ministro da Justiça como de "ilegalidade máxima". Mas o destino funéreo de O Casamento estava marcado: sem críticas publicadas na imprensa, o interesse do público desapareceu e a obra só voltou a despertar atenção em 1975, com o filme de Arnaldo Jabor, e, em 1993, com sua republicação pela Companhia das Letras.
A volta da obra às livrarias oferece ao leitor a oportunidade de ter um contato justamente com o inventário de obsessões mais caras a Nelson Rodrigues. Adultério, incesto, assassinato e um austero moralismo pontuam as páginas do livro, que volta a subverter a ordem mesmo no novo milênio.
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