CULTURA
Salvador ganha primeira edição de festival essencialmente feminino
Festival é voltado para os talentos de mulheres negras e indígenas do Norte e Nordeste
Por Eugênio Afonso
Aos poucos e com bastante luta e resistência, o trabalho musical de mulheres negras e indígenas do Norte e Nordeste do País, até então relegado às periferias, começa a sair do gueto e ocupar espaços mais ‘nobres’ da cidade.
Como prova disso, amanhã, a partir das 16h, na Praça dos Coqueiros, em Piatã, Salvador ganha a primeira edição do Festival Frequências Preciosas, um encontro de música inédito, gratuito, e essencialmente feminino.
Nascido na Bahia e idealizado pela cantora e produtora cultural soteropolitana Viviane Pitaya, o festival quer utilizar esse espaço de musicalidade, também, como instrumento de empoderamento, educação e transformação social.
“Vai ser um festival com atrações originárias do Norte e Nordeste do Brasil, com gêneros distintos. Um leque de sonoridades, cores e sabores. Queremos, através desse movimento, despertar nas pessoas a curiosidade pelo novo e apostar que a galera que vai sair da praia, ou vai estar passando, tenha vontade de ver o que está acontecendo”, convida Pitaya.
Esta primeira edição contará com uma grade de programação composta por cinco cantoras – Jôh Ras, Jéssica Caitano, Iuna Falcão, Beatriz Tuxá, Viviane Pitaya – e duas DJS – Lunna Montty e Miss Tacacá –, cada uma com repertório próprio e prováveis convidadas. Vai ter reggae, rap do sertão, repente, embolada, tecnobrega, indie pop, uma verdadeira salada musical.
E graças ao projeto, Viviane vai, enfim, poder realizar seu desejo como artista negra e periférica, que é o de conseguir apresentar, pela primeira vez, um show autoral com banda ao vivo em Salvador.
“Nunca tive estrutura e oportunidade para fazer nada disso. Sempre apresentei meu show em formato pocket, com playback, e nunca apresentei em nenhum festival. Estou aproveitando a oportunidade para realizar meus sonhos e vai ser lindo. Vou cantar minhas autorais, terei backing vocal, dançarinas, participações especiais”, celebra a cantora.
Novas propostas
A ideia do projeto é reforçar a tomada de espaço musical por mulheres que sempre tiveram menos representação nos âmbitos de poder da cena cultural. Uma oportunidade para artistas independentes, e historicamente invisibilizadas, serem reconhecidas pelo público.
Pitaya entende que o ideal mesmo seria não precisar criar projetos para provar que cantoras negras e indígenas povoam o Brasil. “Mas é necessário. Existe, ainda hoje, muito pouco espaço no qual essas artistas estão inseridas e seus trabalhos valorizados. A luta não é só por representatividade, mas também por condições dignas de trabalho e mais recursos que assegurem que essas vozes continuem ecoando”.
“Como artista independente, preciso me virar em mil: compor, produzir músicas e clipes, procurar lugares para se apresentar, gravar um bom material, me inscrever em editais, gerar conteúdo nas redes sociais, ensaiar com músicos. É um trabalho imenso que, muitas vezes, sufoca, pois além dessas demandas, a artista ainda precisa lidar com questões práticas e básicas para sua sobrevivência”, complementa Viviane.
A artista lembra ainda que a jornada tripla e a falta de recursos para investir em bons materiais acaba sendo um dos maiores desafios. “Muitas vezes, é isso que impede que mais artistas consigam ultrapassar as barreiras impostas pela falta de visibilidade e reconhecimento no cenário musical”.
Rap e repente
Natural do Alto Sertão do Pajeú (Pernambuco), a cantora Jéssica Caitano tem um trabalho que transita entre a oralidade sertaneja, a partir das poéticas do Pajeú, indo do rap ao repente e da embolada à cantoria. Tudo isso moldado à música eletrônica produzida por parceiros e parceiras de som e da caminhada.
“Minha participação vai ser marcada pelo encontro com a querida Aiace (cantora baiana). Convido todo mundo pra chegar na Praça dos Coqueiros pra gente celebrar a música e esse encontro lindo”, convoca Jéssica.
Ela lembra que é importante poder ter espaço em um festival em que a palavra e o som de cada artista sejam semeados por mais territórios. “A gente vai sair do sertão de Pernambuco pra capital da Bahia pra somar num festival feito por mulheres e para mulheres. Isso, em si, já é muito potente. Tamo muito feliz”.
Jéssica acredita que uma forma de ver o trabalho musical independente sair da invisibilidade “é ter oportunidade de estar presente num festival como o Frequências Preciosas, que oferece programação gratuita e com uma curadoria cuidadosa que montou essa grade linda”.
Vitrine de talentos
O festival começou a ser desenhado em função das dificuldades enfrentadas por Viviane Pitaya em se inserir nos palcos e espaços culturais da cidade, e para dar destaque a talentos mapeados pelo projeto Cartografia de Cantoras Negras e Indígenas da Bahia.
Em 2020, foi criada a plataforma online Frequências Preciosas que, hoje, conta com mais de 150 cadastros. Foram encontradas artistas em 49 cidades de 11 estados brasileiros e, posteriormente, foi feito um recorte das profissionais do estado da Bahia. Inclusive, a plataforma recebeu o Prêmio Anselmo Serrat de Linguagens Artísticas de Salvador.
“Nosso sonho é catalogar todas as cantoras negras e indígenas do Brasil e, a partir disso, desenvolver ações e políticas públicas dentro dessa missão. Disponibilizamos a plataforma como uma vitrine onde curadores, produtores e afins possam ter acesso aos perfis e conhecer mais seus trabalhos, além de ser o local onde selecionamos as artistas para participar das nossas ações”, informa Viviane.
Qualquer cantora negra ou indígena pode se cadastrar. Basta acessar o site frequenciaspreciosas.com.br, clicar na aba Seja uma Preciosa e enviar material – vídeos, fotos, links de trabalhos e uma minibio.
O Festival Frequências Preciosas tem patrocínio da Natura Musical e do Governo do Estado, através do Fazcultura, Secretaria de Cultura e Secretaria da Fazenda. Para mais informações, acessar o Instagram @frequenciaspreciosas.
Festival Frequências Preciosas / Amanhã (28), 16 h / Praça dos Coqueiros (Piatã) / Gratuito
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