ENTREVISTA
‘Sou feliz e tenho gratidão aos colegas que me apoiaram’
Confira a entrevista com o novo presidente da Academia de Letras da Bahia (ALB), Aleilton Fonseca
Por Maria Raquel Brito*

A Academia de Letras da Bahia (ALB) empossa hoje seu novo presidente. Aleilton Fonseca, escritor, professor e ocupante da cadeira de número 20 da casa, administrará a ALB pelo próximo biênio, após ser escolhido por 36 dos 37 votantes. Ele sucederá o professor e antropólogo Ordep Serra.
Aleilton Fonseca sempre foi um homem das palavras. Nascido em Firmino Alves, no sul da Bahia, entendeu logo cedo a pluralidade da literatura baiana: lia Jorge Amado, Adonias Filho, Hélio Pólvora, Cyro de Mattos. Não demorou a se encontrar como escritor e, no fim dos anos 1970, aos 18 anos de idade, já em Salvador, começou a publicar contos e poemas no Jornal da Bahia.
Passou a fazer parte da ALB em 2005, há exatos 20 anos. Duas décadas depois, toma posse novamente na casa, agora como presidente. Segundo Fonseca, tudo em sua vida é assim, em números e intervalos que parecem milimetricamente calculados.
No seu histórico, tem de tudo: poesia, romances, contos e ensaios. Lançou mais de 30 títulos, como o clássico O desterro dos mortos, trabalhado em escolas e vestibulares. Além, claro, da experiência de quatro décadas em sala de aula, que ele afirma que terá impacto no modo de levar seu mandato. Hoje, aposentado, se dedica às letras e ao cultivo de rosas no jardim da casa em que passa a metade dos seus dias, em Feira de Santana. A outra metade é em Salvador. As viagens ficarão mais intensas com o novo cargo, mas o tempo na estrada vale a pena: em cada cidade, está uma paixão. Com exclusividade, inclusive, revelou à reportagem o próximo lançamento: um livro de haicais, em que suas rosas serão as protagonistas.
Entre os principais planos de seu mandato, Aleilton posiciona a parceria entre as academias de letras municipais da Bahia, além do contato constante com as de outros estados e a Academia Brasileira de Letras. Será uma continuidade do que já faz como membro, já que, há quatro anos, coordena a Rede de Integração Cooperativa das Academias de Letras da Bahia (RICA), que promove o contato entre as academias e iniciativas como saraus, reuniões e encontros. Essa integração poderá ser vista já na cerimônia de posse, que terá a presença da ABL, através do secretário-geral Carlos Secchin, além de representantes de mais de 30 academias municipais dos quatro cantos da Bahia, como a Academia de Letras de Ilhéus e a Academia Barreirense de Letras.
O que é uma academia de letras, e o que faz?
A Academia de Letras é um conceito clássico que nasceu na Grécia a partir da ideia de Platão de reunir as pessoas para pensar juntas. Então, o primeiro sentido de uma academia de letras, no sentido mais amplo, que abrange a literatura, o pensamento, a cultura e as técnicas, é de formar juntos uma confraria de pensamento, de discussão, debate de ideias, cultivo das letras, da literatura e filosofia, promover a cultura. Promover eventos, encontros, cursos e palestras, para fomentar as atividades culturais.
Como é o processo de eleição da presidência da ALB?
A presidência de uma academia é um cargo plural, ou seja, são 40 membros e, simbolicamente, todos são presidentes. E um desses, escolhido pela maioria, representa essa presidência. Então, eu fui convocado pelos meus pares para esta missão. Não é um cargo que a pessoa procura. É um cargo que procura a pessoa.
O que podemos esperar da sua gestão?
A Academia de Letras da Bahia é uma das mais importantes do Brasil. Ela vem se desenvolvendo há 108 anos com uma tradição profícua de reunião de intelectuais baianos, escritores, juristas, políticos, médicos, advogados, jornalistas, professores universitários, empresários… Ou seja, ela é ampla. E atua nessas áreas priorizando a literatura e o pensamento. Nós vamos, portanto, procurar estreitar as nossas relações com as academias municipais, fazendo eventos para promover a leitura, os encontros dos escritores, em nível estadual e internacional, buscando parcerias com entidades culturais dos municípios, sobretudo as academias, claro, nos estados e também no exterior. Para levar a cultura literária da Bahia para outras áreas, outros estados e países. E vamos retomar o tradicional Concurso Literário da Academia de Letras da Bahia. Vamos ter também uma live internacional mensalmente, a Diálogos d’Além Mar: Literaturas lusófonas no mundo, com escritores de língua portuguesa que vivem em países estrangeiros, principalmente a França. Será coordenada por Dominique Stoenesco, que é um tradutor francês e professor de língua portuguesa na França.
A ALB realiza muitos eventos, como o ‘Sarau das Estações’ e o ‘Simpósio de Jornalismo e Literatura’. O senhor tem planos de inserir alguma iniciativa ou ampliar alguma?
Vamos continuar as atividades consolidadas e vamos ampliar, no sentido de incorporar, uma comemoração do 2 de Julho anualmente, uma comemoração da resistência de Belo Monte, em Canudos, sempre em outubro, e também vamos retomar o Curso Jorge Amado, que é um colóquio de literatura brasileira. Além de outras mesas e iniciativas. Também vamos implantar o Cineclube da ALB, começando já em março.
Quais ações do professor Ordep Serra, presidente que o senhor sucede, pretende dar continuidade?
A administração do professor Ordep Serra resgatou a nossa academia da paralisia da pandemia. A academia ficou fechada, como toda a sociedade, durante a pandemia. Então, ele a resgatou da paralisação e implementou várias atividades que estão consolidadas e que nós vamos continuar. Por exemplo, cursos, encontros e seminários. A comemoração do Dia da Consciência Negra, em novembro, vai ficar fazendo parte permanente do nosso calendário, e os saraus, inclusive o Sarau das Estações. Nós vamos manter esses convênios que foram celebrados por Ordep e que ampliaram as atividades da casa.
O senhor tem uma carreira acadêmica notável, de 40 anos lecionando e dando palestras em universidades nacionais e internacionais. A trajetória nas salas de aula deve influenciar na presidência?
Sim, minha trajetória como professor universitário me acostumou com a convivência diária com alunos, colegas, escritores e obras literárias. Eu tenho 40 anos de professor universitário e 20 anos de Academia de Letras. Matematicamente, minha vida é toda assim: 10, 20, 40 anos (risos). Então, é uma trajetória conjunta, da vida universitária e da vida literária, sempre trabalhando nas duas dimensões. E uma experiência complementa a outra, e vice-versa. Eu sou o professor escritor e sou o escritor professor.
São duas décadas desde que passou a ser membro da ALB, em 2005. Como avalia a sua trajetória até aqui?
Em 20 anos, minha trajetória na academia foi muito positiva, com o convívio com os intelectuais de várias gerações, aprendizado constante nas atividades, e participando ativamente das iniciativas, dos seminários. E há 20 anos que eu coordeno o ‘Curso Castro Alves - Colóquio de Literatura Baiana’, que já produziu mais de mil trabalhos sobre obras, temas e autores da literatura baiana.
Aos 22 anos, depois de publicar o primeiro livro de poemas, Movimento de Sondagem, o senhor recebeu uma carta de Carlos Drummond de Andrade, em que ele te motivava a continuar escrevendo. Qual foi a emoção de receber esse reconhecimento?
A carta de Drummond teve um grande impacto na minha vida, e o efeito continua até hoje. É uma emoção para a vida toda. Pelo acolhimento, pelas palavras de incentivo, pelo agradecimento por eu ter enviado o livro, uma generosidade intelectual muito grande com um autor iniciante de 22 anos. É uma gratidão eterna. Por isso eu escrevi sobre Drummond, escrevi um poema, escrevi uma crônica sobre essa carta. E fiz uma visita ao túmulo de Drummond no Rio de Janeiro, faz alguns anos, porque não o conheci em vida, infelizmente. Mas fiz questão de visitá-lo no túmulo para, simbolicamente, agradecer pela carta, pelo incentivo. Também Rubem Braga me deu um grande incentivo, ele recebeu o meu livro no Rio de Janeiro e publicou num caderno de cultura que ele publicava nos principais jornais das capitais brasileiras. Ele tinha uma página em que escrevia uma crônica e havia uma coluna, “A poesia é necessária”, e publicava ali um ou dois poemas escolhidos por ele de poetas que mandavam livros para ele. E ele fez isso comigo. Ele publicou dois poemas. Para mim foi uma glória, um grande escritor publicar nos jornais de todas as capitais do Brasil dois poemas de minha autoria. Nélida Piñon também me deu muito incentivo, José Paulo Paes mandou uma cartinha. Então isso é muito importante para um escritor, esse incentivo. Por isso eu estou aqui, mais de 30 livros publicados, membro da Academia da Bahia, de Ilhéus e de Itabuna, professor universitário de literatura já aposentado, muito feliz com o que eu produzi e com as coisas de que eu pude participar. Por tudo isso eu tenho gratidão aos escritores que me apoiaram. Sou muito grato, faço questão de dizer, aos professores, escritores, leitores que me ajudaram neste caminho.
Os eventos da ALB têm também esse poder, não é? De impulsionar novos escritores e colocá-los em contato com os mais experientes.
Exatamente. Fui um desses escritores iniciantes que passou a frequentar academia em 1984, aos 24 anos de idade. E ali naquele ambiente da academia, eu também me situei, também fiz amizades com os acadêmicos. Me lembro de James Amado, Zélia Gattai, Cláudio Veiga, Cid Teixeira. E outros, também muito importantes na minha carreira.
Sobre seus próximos lançamentos, o que nos conta?
Eu estou participando de antologias, de contos e de poemas, e também tem alguns livros que eu organizo. Eu sou um organizador de livros, porque gosto de publicar o texto dos autores baianos. Em maio, vamos publicar um livro de poemas dedicado às mães. E vamos publicar dois livros de artigos de estudiosos baianos, inclusive estudantes de Letras, sobre obras e autores baianos. E vou publicar neste ano um livro de haicais sobre flores, sobre rosas, porque eu cultivo rosas no jardim da minha casa em Feira de Santana e venho fazendo um livro sobre elas. Todas que vão surgindo, eu vou escrevendo poemas. Então vou publicar um livro de haicais florais. São os Haicais florais do meu jardim. E você está sabendo em primeira mão. O livro terá os haicais acompanhados de fotos das rosas reais que deram origem aos versos. Porque eu fotografo e faço o haicai.
Informação exclusiva! Vai ficar bonito mesmo. E já tem previsão de publicação?
Provavelmente será no início da primavera, na abertura da estação.
Como avalia o cenário atual da literatura na Bahia?
A literatura baiana é vasta, criativa e dinâmica. Temos grandes autores, grandes livros, tanto no passado como na atualidade. Nomes que se destacam, nomes que ganham prêmios importantes em nível nacional e internacional, como ultimamente nós podemos apontar o Itamar Vieira Júnior, de Torto Arado e Salvar o Fogo, Franklin Carvalho e Luciany Aparecida, autores baianos que venceram prêmios nacionais e internacionais. E com publicações no exterior, como é o caso de Antônio Torres, que pertence à Academia Brasileira de Letras, à Academia de Letras da Bahia e à Academia Petropolitana de Letras, e é um dos autores baianos mais traduzidos no exterior.
Cerimônia de posse: hoje, 19h / Palacete Góes Calmon (Av. Joana Angélica, 198 - Nazaré) / Apresentação da camerata Quadro Solar / Gratuito
*Sob supervisão do editor Chico Castro Jr.
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