RISO EM ASCENSÃO
Stand-up em Salvador atrai públicos, mas ainda precisa ser persistente
Talentos da comédia, muitas vezes, optam por migrar de cidade e buscar o crescimento em outros centros
Por Matheus Calmon
Sob os holofotes das noites soteropolitanas, o stand-up em Salvador tem emergido como uma arte resiliente e vibrante. Entretanto, autores dessa forma de expressão e arte ainda pelejam por reconhecimento, inclusive institucional, o que fica ainda mais difícil pela falta de espaços dedicados ao humor na cidade.
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A cena de comédia em Salvador destaca-se pela sua diversidade e pelo envolvimento de artistas de variadas origens sociais. No entanto, buscando mais e melhores oportunidades, talentos da comédia, muitas vezes, optam por migrar de cidade e buscar o crescimento em outros centros.
Iniciativas como noites de novatos e eventos especiais têm sido essenciais para novos comediantes ganharem visibilidade e experiência, enquanto a criação de produções próprias e espaços dedicados ao humor é constantemente incentivada.
"Comédia aqui, em boa parte, não é valorizada"
Fábio Lacerda começou no Stand-Up em 2021, após anos consumindo humor pela televisão. Certo dia, conversou com uma humorista baiana, conseguiu uma oportunidade e foi bem avaliado. Desde então, ele desenvolve um programa de incentivo a novos humoristas.
"No dia 12, gravei a data: 12 de novembro de 2021, foi quando eu subi no palco pela primeira vez e apresentei meu texto. Paralelo a isso, eu fui organizando produções e acabei me juntando com a Aline França e trouxe aqui para Cajazeiras o 'Humor de Quinta', que era um show para novos comediantes", conta ele.
Sobre os desafios em Salvador, ele ressalta a falta de valorização da comédia em comparação a outras formas de arte. Embora reconheça que há espaços que abraçam o stand-up, ele destaca a necessidade de mais apoio e espaços.
"Acho que a comédia aqui, em boa parte, não é valorizada. São Paulo, por exemplo, tem muitos colegas que foram fazer o nome, carreira de estrada, e depois voltaram dando a volta por cima. Nós hoje, infelizmente, não temos um espaço e a gente hoje faz em outros bares".
Em 2020, Salvador chegou a receber uma casa de comédia, que ficava no Rio Vermelho, a The Comedy House. O espaço tinha programação em vários dias da semana, atraía público considerável e foi palco para dezenas de comediantes. Entretanto, não existe mais desde 2023.
"A gente está em processo de formação, porque o público daqui não nos conhece Ou só conhece uma noite específica, porque já tem um nome consolidado há bastante tempo. Como nós não temos um 'Comedy' específico para que a gente possa centralizar, a gente vai fazendo em todos os cantos".
Apesar das dificuldades, ele considera que a capital baiana tem, sim, potencial para avançar ainda mais. "Eu acredito que tem potencial para novos comediantes, para os que já estão aí e, inclusive, para aqueles que estão em São Paulo e que ainda não tem o valor que merecem. Nós temos muitos comediantes bons aqui e que não estão aqui. Temos esse diferencial de fazer um cotidiano que já é uma coisa cômica, nós já temos algumas situações cômicas. Trazendo isso, aplicando as técnicas, trazendo isso para o dia a dia, tem gente até que não sabe ainda que é um bom comediante, mas ainda vai se descobrindo. Eu acredito muito na comédia, eu gosto da arte".
Arte underground
Presente na cena de comédia de Salvador há nove anos, Matheus Buente é um professor que se envolveu com stand-up ao ser incentivado por seus alunos. Ele destaca a evolução na cidade, apesar de ser uma arte sem reconhecimento institucional significativo.
"Considero que dentro da cultura da cidade é uma arte extremamente underground, marginal mesmo. A gente não tem edital, a gente não tem premiação, a gente não tem espaço na televisão. Mas estamos aí, trabalhando, utilizando a rede social, empreendendo e conquistando o público na atividade".
Matheus enfatiza que o público baiano aprecia comédia, independentemente das condições ou prêmios envolvidos, e destaca a importância de abordar temas sociais e políticos em suas performances.
"O público baiano é muito ligado à comédia. Espetáculos de comédia costumam funcionar bem em Salvador. E no fundo, no fundo, acho que a galera que curte comédia não está ligando muito se é um teatro, um elenco gigante, um diretor famoso... A galera gosta de comédia bem feita".
Buente avalia que a Bahia tem uma cena social diferente de outras regiões. "A galera que dominou o cenário do stand-up é a galera mais branca, playboy. Em Salvador, não sei o que aconteceu, acho que o playboy baiano não gosta muito de comédia, e acabou ganhando esse contato mesmo através de pessoas periféricas, negras, mulheres. Então, a gente meio que tem essa coisa de fazer uma comédia vista de baixo, tem menos medo de se posicionar, de se dividir na mágica de coisa, e se posiciona de uma maneira mais clara, e não se frustra de tratar o que é mais importante para a sociedade, não só fazer aquela comédia que é só leve. A gente também faz isso e faz isso muito bem", destaca ele.
"Mas eu acho legal que tem a piada de mudança, de meu cachorro, de meu médico, mas tem também a piada com a política, tem a piada com a política social, tem ali o alertar o público sobre o que é importante, sobre machismo, racismo, homofobia, enfim".
Matheus pontua que não se imagina saindo de Salvador para seguir carreira em outra região, apesar das dificuldades. Segundo ele, a única casa de comédia que a capital baiana já teve foi um exemplo de qualidade tanto do público quanto dos profissionais.
"Acho que a única coisa que carece seria uma casa de comédia, e, infelizmente, a primeira experiência, digo com muita tranquilidade que não deu certo pela administração, não por falta de público ou por questão de qualidade dos comediantes, porque os comediantes que se apresentavam lá estão lotando teatro. Nem tudo depende só do artista, tem a parte do empresário também. A única coisa que falta seria mais espaços".
Para quem pensa em entrar no ramo do humor, ele deixa um conselho. "Demora para alguma coisa acontecer, para começar a rolar o dinheiro, para você estar realmente com o texto bom, mas quando você consegue, vale muito a pena. Então, é ser persistente".
"Tudo pode ser dito"
Além de comediante, Victor Fadigas é formado em direito e fez seu trabalho de conclusão de curso baseado no limite jurídico do que pode ser dito no palco.
Ele começou em 2020, influenciado por Paulo Papel, participando de um campeonato online promovido pela Prefeitura de Salvador durante a pandemia. Esse foi seu primeiro contato com a escrita e formato do stand-up, levando-o a se apresentar regularmente desde então.
"Você pode falar do seu dia-a-dia, das suas percepções de mundo, do seu posicionamento, do seu comportamento político, por exemplo, para quem gosta de abordar temas políticos. Então, é uma arte muito ampla, você pode falar de tudo", conta ele.
"Na minha opinião, tudo pode ser dito no stand-up, todos os temas podem ser abordados. Eu gosto da ideia e de uma característica do humor que é trazer também uma carga de crítica, você não só ri por rir, Você ri e percebe a dica, tem algo que pode tirar de conhecimento. É um caráter didático que o humor traz às vezes", considera.
Fadigas avalia que a cultura de Salvador em relação à comédia é diferente de outros lugares.
"A gente vem tendo um fluxo de stand-up de pouco tempo para cá. Hoje a demanda em Salvador vem crescendo porque o número de comediantes vem aumentando, grupos de comediantes acabam se juntando e desenvolvendo algumas noites, alguns eventos. Leva um tempo para que o público soteropolitano entenda que não precisam esperar que venha um comediante de fora para cá".
Sobre o futuro, Fadigas torce para que a demanda continue aumentando e para que a área seja cada vez mais profissionalizada.
"É uma característica do nordestino em geral. A gente tem uma aptidão muito grande para o humor. Então, Salvador pode produzir muito mais comediante do que produz hoje e a gente tem potencial para ser enorme".
"Consuma stand-up daqui, venha conhecer a gente, assistir o que a estamos produzindo. Garanto que vai encontrar um comediante pertinho da sua casa que vai lhe agradar tanto quanto comediantes que você vê de fora", completa.
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