CULTURA
Transformando vivências em samba, As Ganhadeiras de Itapuã preservam memória e potência de mulheres negras
Por Ashley Malia

A oralidade é uma prática ancestral, que vem de África, berço da Bahia e continente que gerou e vem gerando grandes potências femininas. É desta herança que surge As Ganhadeiras de Itapuã, em Salvador, unindo memórias e costumes antigos, passando umas às outras através da fala, e eternizando a cultura do bairro de Itapuã, casa de ganhadeiras e de poesia, em canções e sambas em vozes de mulheres.
Surgindo em 2004, As Ganhadeiras de Itapuã tiveram a iniciativa com o intuito de preservar a memória cultural de Itapuã e homenagear as antigas ganhadeiras, que viveram no bairro até o final do século XIX, tendo a música como principal forma de expressão.
Dona Mariinha, Dona Jaciara e Juliana Alves representam três gerações de As Ganhadeiras de Itapuã que, com idades diferentes, se mostram dispostas a aprender e se inspirar umas nas outras. A prática de apoiar a própria comunidade sempre esteve presente entre as ganhadeiras, em especial às ancestrais, que viveram em Itapuã no século XIX. Segundo Mariinha, Jaciara e Juliana, o trabalho com lavagem de ganho na Lagoa do Abaeté, vendendo quitutes e peixes na cidade era, além do sustento da família, uma forma de comprar a alforria de suas irmãs pretas que ainda estavam sendo escravizadas.
"Para mim, a união é o que nos mantém. Não tem moderna ou velha, é todo mundo uma coisa só. Quando uma sente uma coisa, a outra sente também. Pra mim, o que nós levamos para elas [mais novas] aprenderem é a união. Tem que ser unida!", afirmou Dona Mariinha, em entrevista ao Portal A TARDE, relatando que As Ganhadeiras de Itapuã buscam passar essa força e união entre as mulheres, das mais velhas para as mais novas.
Para Dona Mariinha, a história com As Ganhadeiras começou quando decidiu, um dia, catar camarão, já que tinha ficado viúva e com bastante tempo livre. Passando pela frente do quintal de uma das primeiras integrantes do grupo, ela foi convidada para entrar.
"Ela falou para eu entrar que não ia demorar, aí quando eu cheguei, lá estava Amadeu, Ana Maria e um monte de pescadores. Disseram para eu fazer uma recordação, resgatar as lembranças de Itapuã, com cada um contando uma história. Os pescadores não foram fortes e saíram, mas como as mulheres são teimosas, eu estou até hoje, desde o primeiro dia que entrei lá", relatou.
Já com Dona Jaciara, a história com As Ganhadeiras de Itapuã começou no samba. Convidada para um evento do grupo em um hotel, ela achou que não iria, pois não daria certo. Com a insistência da vizinha, Dona Jaciara resolveu ir só para ver no que ia dar.
"Quando eu cheguei lá, faltou uma para sambar. Ela me perguntou se eu não queria entrar e me deu uma saia. Aí eu já fiquei no grupo, começaram as reuniões, e nessa história toda já são 15 anos, quase 16", contou.
Mais jovem ganhadeira presente na sala de entrevistas, Juliana Alves representa uma outra geração de mulheres de Itapuã. Segundo a jovem, ela cresceu observando essa história e foi chegando de mansinho. Com nove anos de grupo, Juliana contou que a primeira vez que colocou um figurino de ganhadeira foi no Sarau du Brown, no Museu du Ritmo.
"Alguém me deu [o figurino] a força. Eu queria colocar, mas fiquei bambeando, aí alguém me deu. Comecei a me aproximar das meninas mais jovens também, a amizade foi crescendo e a partir desse sentimento de aproximação foi que eu fui acolhida pelas belezas raras e estou até hoje aqui", explicou.

Homenagem no Carnaval carioca
Com a força do canto e da cultura baiana, As Ganhadeiras de Itapuã foram homenageadas no Carnaval 2020 do Rio de Janeiro pela escola de samba Unidos da Viradouro. O título de campeã do Carnaval carioca veio junto com a emoção de ver a história das ganhadeiras ganhar destaque nacional.
"Desde o momento que a gente recebeu a notícia, isso já deu uma autoestima e alegria grande para nós. Essa expectativa até chegar o momento foi grande. Eu senti uma alegria, as pessoas se sentiram representadas e felizes e para mim, ver o sorriso das pessoas, é uma das coisas que mais temos que dar valor. O itapuanzeiro, o baiano, pessoas de todos os lugares, os sorrisos de orelha a orelha… Isso mostra que essa história tinha que ser contada", contou Juliana, emocionada.
Inspiração
No meio de tantas mulheres, fica difícil As Ganhadeiras não se inspirarem umas nas outras. São tantas vivências e histórias diferentes, que é a partir da força presente na história de cada uma que o grupo se transforma em uma potência baiana.
Quando questionadas sobre quem são as mulheres que as inspiram, cada uma abriu o próprio coração, mostrando mulheres reais e que convivem ou conviveram com elas por muitos anos. A maioria delas relataram que as mulheres que mais inspiram são as mães e tias, filhas e amigas... Umas às outras.
Emocionada, Dona Mariinha não conseguiu responder à pergunta, pois logo as lágrimas vieram. Quem lhe inspira não está mais entre nós. Já Dona Jaciara contou que a mãe, de 80 anos, além da tia, eram suas maiores inspirações.
"Tudo o que eu vivo hoje de ganhadeira, eu tinha uma tia e um tio pescador que já fazia isso também", relatou Dona Jaciara, que trabalha até hoje vendendo acarajé na praia de Ondina, em Salvador.
"Acho que a primeira inspiração de uma mulher é a mãe, né?", questionou Juliana. "A mãe, a avó, as ancestrais, nossa raíz que nos alimenta e nos dá força. E todas nós temos que nos inspirar umas nas outras", concluiu.
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