CULTURA
Veja entrevista com Belmonte, diretor do brasileiro A Concepção

Por Greice Schneider,Lucas Cunha
O cineasta José Eduardo Belmonte esteve presente na última segunda-feira, 12, para a pré-estréia do seu filme A Concepção, que entra em cartaz na sexta-feira em Salvador. Antes do início da sessão, o diretor brasiliense alertou sobre a acolhida polêmica que o filme ganha por onde passa e enfatizou a participação do espectador dizendo que o longa era pra ser visto como um jogo de armar. O zelo de Belmonte pode ser explicado pelo teor anárquico do conteúdo, movido a sexo, drogas e rock´n´roll. A Concepção trata de jovens que criam um movimento hedonista cujos objetivos são morte ao ego, ser uma nova pessoa, morrer a cada dia.
Destaque no último Festival de Brasília, A Concepção é o segundo longa de José Eduardo Belmonte. Músico frustrado e formado em cinema pela UnB, o diretor começou a carreira fazendo videoclipes para bandas amigas (como os também brasilienses dos Raimundos), e depois ingressou pela publicidade para bancar seus próprios projetos. Em 2002 lançou Subterrâneos, seu primeiro longa. Confira a entrevista exclusiva concedida por Belmonte ao Cineinsite durante o lançamento do filme em Salvador.
Manifesto Concepcionista
1. Morte ao ego.
2. Ser uma nova personalidade a cada dia.
3. Toda memória deve ser
apagada.
4. O dinheiro deve ser abolido.
5. A humanidade está doente, o concepcionismo é o caminho para a cura.
6. O concepcionista é uma fraude que dura 24 horas.
7. O caminho do excesso leva ao palácio da sabedoria.
8.?
9. Voa!
10. Tudo o que foi dito deve ser esquecido agora
Cineinsite: Como surgiu a idéia do roteiro. O que vem a ser o concepcionismo?
José Eduardo Belmonte: O concepcionismo é e começou como uma brincadeira que eu tive numa aula de filosofia, quando era adolescente, em que eu cheguei à conclusão que os movimentos estéticos (e qualquer movimento que envolvia grupos em geral), eram uma coisa muito anacrônica. Na época já eram, imagina hoje que o processo de individualismo cresceu. Era uma leitura meio torta de Kristina Murti (filosofo indiano) que pregava o desapego ao ego, ser uma nova pessoa, morrer a cada dia. E como eu tinha amigos que faziam coisas como entrar em boate punk vestido de punk, eu resolvi juntar todas essas brincadeiras e criar um movimento que pregava exatamente isso: uma leitura torta em que você cria identidades, é uma pessoa nova a cada dia. O filme narra um pouco essa história de forma concepcionista também. Ele vai mudando a cada instante.
Cineinsite:Apesar desse seu confesso anacronismo, existe uma adesão dos adolescentes ao movimento do filme (há, por exemplo, comunidades no Orkut de jovens que se declaram concepcionistas). Como você lida com isso?
Belmonte: Vou ter que agüentar esse carma (risos). Achei engraçado... Não sei até que ponto as pessoas estão levando isso a sério. Uma vez me perguntaram em uma faculdade: você não tem medo que as pessoas levem isso a sério?. Aí o Milhen ( Milhen Cortaz,ator do filme) disse: Olha, se a pessoa está levando isso a sério é porque nunca pensou em nada e está começando a pensar em alguma coisa. Já é um bom começo. Acho que ela vai errar de certa forma e o erro vai levar a alguma coisa. E o filme é um pouco isso também. Descobre-se alguma coisa meio de brincadeira, mas a brincadeira de repente pode funcionar e você vai errar e tentar e errar e tentar...
Cineinsite: Você já foi um pouquinho concepcionista?
Belmonte: Sou até hoje. Todo mundo é, de certa forma. Chega uma hora em que ficar preso a você mesmo cansa. Você precisa de um pouco de loucura para não enlouquecer. Se você não enlouquece, você não se agüenta de vez em quando. Essa é a brincadeira do filme. Mas não é uma brincadeira, é uma angustia. Essa é uma forma de lidar com ela.
Cineinsite: O filme se passa em Brasília. Que papel a cidade tem no filme?
Belmonte: O filme podia se passar em qualquer canto. Funciona bem em Brasília porque lá são vários vazios, é uma cidade muito nova, com 45 anos, com pessoas de todos os cantos, com todas as culturas e referências juntas. Ao mesmo tempo, também, nada é construído, nada é efetivo. Você não reconhece um brasiliense na rua. Esse paradoxo, essa situação ambígua funcionam bem em Brasília. Além disso, a arquitetura de Brasília é muito anacrônica. E esse vazio da arquitetura reflete também nas pessoas. Elas têm uma certa melancolia, uma individualidade. É um lugar ideal para a história, mas ela podia se passar em qualquer canto. Podia sem em Boquim (Sergipe), como em Roma. Acho que funciona melhor em Brasília por conta dessa situação particular.
Cineinsite: Você começou sua carreira fazendo videoclipes. Isso reflete esteticamente na sua obra?
Belmonte: Nesse caso de A Concepção, sim, porque é uma apropriação de um monte de coisas. Era um canibalismo de várias estéticas, principalmente a do videoclipe também. É trazer o videoclipe para o cinema e daí virar outra coisa. Sempre gostei muito de música. Eu queria ter sido músico. Eu fui fazer videoclipe porque eu era o cara que tocava muito mal e fazia cinema. Todos os meus amigos eram músicos e me levaram para o videoclipe. Sempre encarei os videoclipes como uma experiência de algumas coisas que eu queria testar, em termos visuais, algumas brincadeiras de linguagem. Quando deixou de ser laboratório e começou a ser algo muito profissional (ter que lidar com gravadora, diretor de marketing...) eu comecei a me desinteressar e larguei o clipe de vez. Hoje só faço para amigo. Agora mesmo vou fazer para o Plebe Rude e para o Câmbio Negro.
Cineinsite: O filme tem recebido críticas ou exaltando ou colocando ele como cheio de citações e gratuito. Como você recebe e avalia essas críticas?
Belmonte: Eu sofro muito. Nunca passei por isso na minha vida, as pessoas gostavam ou não dos meus filmes e variava um pouco a intensidade desse gostar ou não gostar. Com A Concepção, eu não sei medir se deu certo ou não. Em um momento eu leio críticas legais que fazem um diálogo com o filme. E um minuto depois eu recebo uma crítica onde me chamam de retardado, dizendo que o diretor gastou dinheiro pra fazer sodomia, falam umas coisas meio chocantes, ou então dizem que o filme é fetichista, maneirista. Eu acho - e isso é uma leitura minha - que o filme realmente não afirma. Ele não divide a dúvida, ele vivencia. Nesse sentido, é um filme sensorial. Hoje em dia, as pessoas precisam de filmes que afirmem, que te completem em algumas coisas. Se colocar em dúvida, hoje em dia, é algo meio anacrônico. E eu acho que as pessoas se revoltam contra esse certo anacronismo, se indignam e tentam codificar o filme. Só que ele não se codifica. O filme é um grande jogo de armar. E isso irrita um pouco as pessoas. Elas esperavam um filme afirmativo, que dissesse alguma coisa, que se comprometesse com alguma coisa. Existem duas linhas de críticas muito discrepantes. As que dizem que ele é maneirista e moralista ou que o filme é muito ousado e muito coerente. Eu acho que o filme se faz na cabeça de quem vê. A experiência de ver o filme é mais importante do que o filme. Ele está sujeito a apanhar, a ser amado no Orkut e odiado ao mesmo tempo. É a vida. A gente faz o que tem pra fazer. Tem um sofrimento, uma angústia, que te leva a fazer o filme. Eu só não acho legal quando falam que eu quis chocar. Eu não quis chocar. Eu só acho que era a forma de contar aquela história daquele jeito. Era uma busca honesta pra mim. Então o fato de ser chamado de algumas coisas dói.
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