ECONOMIA DO MAR
“A Amazônia Azul é guardiã da soberania e riqueza nacional”
Titular da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM) da Marinha detalha as operações na Amazônia Azul
Por Da Redação
Segundo especialistas em Economia do Mar, a chamada Amazônia Azul, que se refere à vasta área marítima sob jurisdição brasileira, tem importância estratégica e econômica comparável à da “Amazônia Verde” (floresta amazônica). Para garantir a soberania e segurança desta região e fornecer subsídios para seu desenvolvimento econômico, a Marinha do Brasil desempenha papel central, por meio de sua Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM). Nesta entrevista a A TARDE, o Contra-Almirante Ricardo Jaques Ferreira, que é secretário da SECIRM, aborda detalhadamente as operações da Marinha na proteção e monitoramento das Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB).
Como a Marinha do Brasil (MB) garante a soberania nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), conhecida como Amazônia Azul?
Com 5,7 milhões de km2 de extensão, a Amazônia Azul é o patrimônio nacional que abrange os espaços oceânicos, costeiros e ribeirinhos localizados no entorno estratégico do Atlântico Sul. Formada pelo Mar Territorial Brasileiro, pela Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e pela extensão da Plataforma Continental para além das 200 milhas náuticas (aproximadamente 370 km), traçada a partir das linhas de base da costa brasileira, sua nomenclatura é uma equiparação com a Floresta Amazônica (“Amazônia Verde”), em termos de dimensões, abundância de recursos naturais e importância ambiental, científica e econômica.
Fonte de riqueza e cobiça, a Amazônia Azul, somada às bacias hidrográficas nacionais, que abrangem cerca de 60.000 km de hidrovias, constitui acervo de ampla biodiversidade, com incontáveis recursos minerais e naturais, de onde são extraídos 95% do petróleo e 80% do gás natural produzidos no País e por onde trafegam mais de 95% do comércio exterior brasileiro. As riquezas existentes na Amazônia Azul conferem a essa extensa área marítima importância inegável, exigindo do País, em especial da Marinha do Brasil (MB), esforços no sentido de fiscalizar as atividades ali desenvolvidas, bem como os de coibir a prática de ilícitos nela cometidos, por meio de atividades dissuasórias desempenhadas interruptamente. Entre as atividades, destacam-se:
- Operações e exercícios de guerra naval: por meio de operações singulares, conjuntas ou combinadas, em cooperação com as demais Forças coirmãs, bem como Marinhas e Guardas Costeiras de países amigos, a MB realiza ações militares com o objetivo de fortalecer o aprestamento das Forças Navais, Aeronavais e de Fuzileiros Navais, capacitando-as para atuar de forma coercitiva em situações que atentem contra a soberania brasileira na Amazônia Azul e os interesses nacionais em seu entorno estratégico;
- Patrulha Naval: executada por navios e aeronaves subordinados aos Distritos Navais, distribuídos ao longo da costa brasileira, bem como por aqueles do Comando em Chefe da Esquadra. Tais meios possuem capacidade e autonomia para patrulhar e aplicar as normas e legislações afetas às diversas zonas marítimas que compõem a Amazônia Azul;
- Monitoramento: executado pelo Comando de Operações Marítimas e Proteção da Amazônia Azul (COMPAAz), em supervisão ao monitoramento regional exercido pelos Distritos Navais e pelas Capitanias dos Portos, Delegacias e Agências, tem a missão de monitorar o tráfego marítimo nas águas da Amazônia Azul, utilizando diversas fontes de dados, de modo a acompanhar os navios e suas atividades em busca de indícios da execução de ilícitos e exploração não autorizada de recursos em nossas águas jurisdicionais. Dentre as fontes de dados utilizadas, destacam-se sistemas colaborativos automáticos de envio de posição da embarcação, dados obtidos pelos canais de inteligência e o fluxo de informações decorrente de acordos com organizações nacionais e internacionais;
- Regulamentação: a Marinha do Brasil exerce protagonismo na regulamentação de aspectos referentes à segurança na Amazônia Azul, bem como auxilia na regulamentação de responsabilidade de órgãos da administração federal. Atuando como Autoridade Marítima Brasileira, a MB é responsável pela concessão da autorização para realização de pesquisas por embarcações nas Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB), bem como por aspectos relacionados ao derramamento de óleo nas áreas marítimas.
Quais são os principais desafios que a Marinha enfrenta para o exercício da soberania nas AJB?
Devido à extensão de sua área, garantir a segurança e a soberania nas AJB, a nossa Amazônia Azul, torna-se um desafio, na medida em que exige um Poder Naval crível, permanentemente aparelhado, com pessoal, navios, submarinos, aeronaves e meios de Fuzileiros Navais aptos ao emprego imediato e eficiente, para coibir atividades ilícitas como tráfico de drogas, crimes ambientais, pesca ilegal, contrabando e descaminho, além de pesquisas científicas e ambientais não autorizadas. A manutenção de um Poder Naval com elevados níveis de preparo e emprego contribui para inibir ações de potenciais agressores.
A relevância em proteger esse legado tem direcionado a MB na consecução de seus programas estratégicos, dentre eles o Programa de Modernização do Poder Naval que inclui o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), com a construção de quatro novos submarinos convencionais e um submarino nuclear convencionalmente armado; e o Programa Fragatas Classe Tamandaré (PFCT), com a construção no país de quatro novos navios modernos e de alta complexidade tecnológica. Tais iniciativas visam dotar a Força Naval com meios de alta eficiência, ampliando a capacidade de dissuasão e proteção de tal área marítima.
Nesse contexto, ainda, a ampliação e aperfeiçoamento do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) propiciará maior capacidade de monitoramento remoto e controle das Águas Jurisdicionais Brasileiras, por meio de sistemas de radares de costa e satélites capazes de detectar embarcações não colaborativas (que não compartilham sua posição e seus movimentos), integrando-os com os meios necessários para atuar na região (veículos não tripulados, navios e aeronaves).
Desta forma, para que a MB cumpra todas as suas atribuições ligadas às atividades de defesa e de segurança marítima da Amazônia Azul, são necessários permanentes esforços visando à manutenção do aprestamento do seu Poder Naval, assim como do monitoramento contínuo dessa imensa área repleta de riquezas e fundamental para o desenvolvimento nacional.
Qual a importância de monitorar toda essa área? O monitoramento é realizado somente por navios ou inclui também satélites? Existem centros específicos para cada região? Afinal, como essa extensa área marítima brasileira é monitorada?
Há um sistema que é estratégico para a Marinha, que é o SisGAAz, Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul. Esse Programa Estratégico de elevada prioridade para a Força é indispensável para a garantia da soberania sobre a “Amazônia Azul” e com potencial imenso para impulsionar o desenvolvimento econômico e tecnológico no País, além de ser um estuário para a geração de empregos.
Ele engloba desde radares costeiros, que são importantes no monitoramento das ilhas oceânicas, sobretudo as ilhas da Trindade, de São Pedro e de São Paulo, até sistemas satelitais, que funcionam como postos avançados de vigilância. Nesse sentido, o SisGAAz integra equipamentos e sistemas compostos por radares localizados em terra e embarcações, além de câmeras de alta resolução e capacidades, todos baseados em rastreamento de posição por via satélite. Dessa forma, os dados captados por GPS são transmitidos por meio de comunicação satelital para centrais de rastreamento para que efetivamente nossos navios possam ser acionados e fazer a interceptação no mar.
O litoral brasileiro é um dos motores da economia brasileira. Ele é responsável por grande parte do escoamento do comércio exterior do país. De que forma a Marinha do Brasil atua no controle e na proteção desse setor estratégico para o País?
A Marinha atua na garantia da segurança do tráfico aquaviário e, com esse objetivo, realiza treinamentos operativos regulares para a proteção de áreas estratégicas como é o caso dos portos responsáveis pelo comércio exterior. A Força atua também provendo as cartas náuticas que garantem a segurança da navegação. Se o Brasil tem hoje um dos menores fretes do mundo, é justamente em virtude da qualidade das nossas cartas, pela segurança de se trafegar dentro das Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB).
Nesse sentido, cabe ressaltar a importância de nossos portos e terminais portuários. O Brasil possui hoje cerca de 35 portos e mais de 170 terminais portuários que escoam tanto a importação quanto a exportação de diversos produtos. Isso significa que mais de 95% do nosso comércio trafega pelo mar. Esse dado é relevante se considerarmos que, hoje, o agronegócio é uma das maiores forças do País.
No entanto, limitado ao mercado interno, o setor estaria limitado a uma população de 210 milhões, de acordo com os dados do último Censo demográfico. E por conta justamente dos portos, dos terminais portuários da Amazônia Azul, a produção nacional atinge um mercado muito maior, um mercado de bilhões de pessoas. Então, a existência dos portos, fundamentais para o escoamento, associado ao apoio da Marinha, garantem, efetivamente, que o nosso produto chegue em todo mundo.
Qual a importância da Economia do Mar para o desenvolvimento do País?
A relevância da Economia do Mar é imensa. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), se os mares do mundo fossem um país, teriam movimentado 1,5 trilhão de dólares apenas em 2010, o que alçaria os oceanos como a sétima economia do mundo. Até 2030, esse mesmo país-oceano deve movimentar 3 trilhões de dólares e gerar 40 milhões de novos empregos. Ou seja, o PIB do mar duplicará em uma janela de apenas 20 anos, o que demonstra a importância da economia do mar a nível mundial. Nesse bojo, há o incremento das atividades tradicionais como a pesca, mas também novas perspectivas, a exemplo da energia eólica offshore.
No caso do Brasil, uma nação indiscutivelmente marítima, as diversas atividades que constituem o cluster marítimo nacional são essenciais não somente para o desenvolvimento das regiões costeiras, mas, em última instância, de todo o País. Afinal, considerando toda a riqueza produzida no Brasil, 19% vem da Amazônia Azul segundo a professora Andréa Bento Carvalho, autora da tese de doutorado intitulada “Economia do Mar: conceito, valor e importância para o Brasil”. Isso significa que a cada R$ 5 de riqueza produzida pelo Brasil, R$ 1 vem da Amazônia Azul. Em termos de geração de empregos, atualmente, a cada quatro empregos gerados no País, um está atrelado à Amazônia Azul. Certamente, são dados que ratificam a dimensão da riqueza que nós temos no mar brasileiro.
Quais são as oportunidades para o desenvolvimento da economia do mar no Brasil? Como a Marinha está contribuindo para esse desenvolvimento?
Antes de falarmos da economia marítima no Brasil, seria interessante falarmos da perspectiva de crescimento da economia marítima mundial. Em 2016, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) emitiu um relatório que comenta que se todos os oceanos formassem um único país, ele seria a 7ª maior economia do mundo. O documento também aponta que, em 2010, a soma de todas as riquezas geradas pelos oceanos foi de 1,5 trilhão de dólares e que a perspectiva para 2030 é de duplicar esse valor, chegando a 3 trilhões de dólares. Dentre as atividades marinhas com maior potencial de crescimento, o relatório destaca: aquicultura marinha, pesca, processamento de pescado, atividades marítimas portuárias e eólicas offshore. No tocante à geração de empregos ligados ao mar, a expectativa é que, no período de 2015 a 2030, sejam criados 40 milhões novos postos de trabalho. Nesse contexto, se olharmos especificamente para o Brasil, podemos dizer que as oportunidades para o desenvolvimento da economia marítima são ainda maiores.
Detentor de um extenso litoral de quase 8 mil km e de uma imensa área marítima de 5,7 milhões de km2, denominada “Amazônia Azul”, equivalente à área ocupada por todos os países da Europa Ocidental, o Brasil possui uma diversidade de recursos naturais (vivos e não vivos). Tais dimensões e recursos multiplicam as atividades econômicas diretamente influenciadas pelo mar no Brasil, destacadamente: petróleo e gás, extração mineral, defesa, portos e transporte marítimo, indústria naval, turismo e esportes náuticos, pesca e aquicultura, biotecnologia, cultura popular e culinária.
Em janeiro de 2024, a Comissão Interministerial para os Recursos do Mar (CIRM), órgão colegiado coordenado pelo Comandante da Marinha do Brasil na condição de Autoridade Marítima do País, em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) iniciou os estudos técnicos para implantação do Projeto-Piloto do Planejamento Espacial Marinho (PEM) para a Região Sul do Brasil. O PEM é uma política pública que visa à distribuição das atividades humanas no mar para alcançar objetivos ecológicos, econômicos e sociais, buscando reduzir os conflitos e potencializar as sinergias entre as diversas atividades humanas no mar.
O PEM é considerado o “grande motor da Economia do Mar” de um país, na medida em que promove, simultaneamente, a segurança jurídica, indispensável aos investidores, e a geração de empregos e de divisas, mediante o estímulo de atividades sustentáveis no mar, além de contribuir para a salvaguarda dos necessários serviços ecossistêmicos, para a mitigação de conflitos no ambiente marinho e para o alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da ONU, compromisso internacional ratificado pelo Brasil em 2015. Em 2017, durante a Conferência da ONU para os Oceanos, o Estado brasileiro assumiu o compromisso de implantar o PEM em toda a Amazônia Azul até 2030.
Outro aspecto que ressalta a importância da Marinha e do mar para a economia de um país é o fato de que todas as 10 maiores economias do mundo em 2023 possuíam acesso direto ao mar. A questão de um país deter uma área marítima significa que ele está comercialmente conectado com o mundo. Portanto, ele pode comprar diretamente de outros países e pode acessar um mercado consumidor internacional de bilhões de pessoas.
Por exemplo, o Brasil possui uma população de cerca de 210 milhões de pessoas. O agronegócio brasileiro consegue acessar um mercado consumidor mundial muito maior, de bilhões de pessoas na Ásia, na Europa, na América do Norte e no Oriente Médio, graças à imensa área marítima brasileira, que permite o transporte das mercadorias nos porões dos navios mercantes. Atualmente, cerca de 95% de todo o comércio exterior brasileiro flui pelo mar e a pujança desse comércio marítimo deve-se, em grande parte, à Marinha do Brasil, que provê a defesa da Amazônia Azul, a segurança da navegação, a prevenção da poluição ambiental e apoia sobremaneira a formação de profissionais marítimos para atender às crescentes demandas do mercado aquaviário.
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