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ECONOMIA

38% dos trabalhadores buscam empregos com horários flexíveis

Com a pandemia, assunto ganhou uma dimensão maior em variados setores que até então não pensavam muito nisso

Por Leonardo Lima*

26/03/2022 - 18:06 h
Pedro conta que a equipe da Intera passou a trabalhar 100% remota
Pedro conta que a equipe da Intera passou a trabalhar 100% remota -

O total de 38% dos trabalhadores procuram empregos que permitam horários flexíveis nas empresas, segundo o relatório anual Índice de Tendências do Trabalho, divulgado este mês pela Microsoft. De acordo com a pesquisa, esse é o quarto aspecto mais relevante para quem procura emprego hoje, ficando atrás apenas de características como cultura positiva da empresa, benefícios de saúde mental e senso de propósito.

A possibilidade de uma jornada de trabalho flexível não é um tema novo, nada que tenha surgido durante a pandemia da Covid-19. Mas, por causa das circunstâncias, o assunto ganhou uma dimensão maior em variados setores que até então não pensavam muito nisso. Desse jeito, uma rotina mais ajustável tanto de local, quanto de horário, tem virado um atrativo crescente.

Até 2020 a Intera (@byintera), startup especializada em recrutamento de profissionais das áreas de tecnologia e inovação, tinha uma equipe que trabalhava 100% presencial, em um escritório de Salvador. “Quando veio a pandemia tivemos que rapidamente nos adaptar ao remoto e percebemos que fizemos isso muito bem, nosso serviço conseguia ser prestado com a mesma qualidade”, conta Pedro Gil, que trabalha na área de Clientes da Intera.

A decisão da empresa foi a seguinte: mesmo após as flexibilizações, ela funcionaria 100% remota, e isso abriu possibilidades inclusive de contratar pessoas de outros estados, diversificando o quadro. “Hoje temos gente de todas as regiões do país, espalhadas em diversos cursos e áreas. Além disso, as pessoas trabalhando dentro de casa, com contato com a família e em paralelo com outras tarefas, isso dá um bem-estar melhor para elas, o que impacta no trabalho que executam”, diz Pedro.

Dentre os clientes da Intera estão grandes startups e marcas em transformação digital como o Itaú, o iFood e o Grupo Boticário. Em uma pesquisa de 2021, a Intera analisou as características das vagas que abriram para seus clientes, e identificou que 84% delas eram remotas, enquanto 10% eram híbridas e 6% presenciais.

“Mas a gente observa uma preferência pelo trabalho remoto, principalmente para o profissional sênior, que para ele faz sentido esse modelo, até levando em consideração a questão das famílias em casa. Então ela monta sua rotina frente às atividades que ela tem que entregar”, comenta Pedro.

Mas com a retomada das atividades presenciais, ele ressalta que estão vendo uma maior afinidade das empresas com o modelo híbrido: “Mas ainda não temos sentido 100% um abraço dos profissionais frente a esse modelo híbrido. O remoto ainda é mais preferível”. Os primeiros dados de 2022 mostram que as vagas remotas e presenciais caíram para 76% e 1%, respectivamente, enquanto as vagas híbridas cresceram para 23%.

Outro ponto importante que Pedro menciona é o de dar estrutura para os funcionários, o que ajuda muito na construção de um ambiente bom de trabalho: “Passamos a fornecer as ferramentas de trabalho como computador, apoio de pé, teclado, headphone e auxílio internet, o que for necessário para a pessoas trabalhar melhor em casa”.

Rafaela Magalhães é analista de Alcance e Comunicação Institucional na Solos (@alimentesolos), empresa que busca soluções para diversas marcas, como Ambev e Braskem, com objetivo de ajudar os consumidores dessas empresas a reciclarem seus produtos. “A partir da pandemia acho que as empresas perceberam que estar junto fisicamente é bom para construção de equipe, mas tem formas de fazer isso no mundo virtual”, conta Rafaela.

Na Solos, a flexibilidade acontece em relação ao local e horário: “Meu trabalho é totalmente home office, algumas vezes temos momentos presenciais, mas não está dentro da minha carga de trabalho normal. E se eu estiver com todas as demandas em dia, não tem problema que eu marque um médico no meio da tarde, ou que faça coisas pessoais”, aponta Rafaela.

Mas para que o modelo funcione, é importante o uso de ferramentas adequadas e de uma boa cultura de organização entre os funcionários. “O Google Agenda é um mecanismo que usamos muito, então se vou estar ocupada com algo, eu anoto na agenda que nesses horários não vou estar disponível, então ninguém marca reunião comigo”, explica a analista de alcance da Solos.

Pontos positivos

“Para mim essa flexibilidade é boa em todos os aspectos. Mesmo tendo custo de energia com isso, é muito mais barato trabalhar dentro de casa. E o fato de, se tiver uma reunião às 21h e eu acabar dormindo tarde, não precisar levantar 7h para chegar no trabalho, isso dá mais qualidade de vida. Eu consigo viver para além do meu trabalho e isso é percebido bem pelas empresas e pelos próprios trabalhadores", pontua Rafaela.

Com o crescimento de modelos flexíveis em diversos segmentos do mercado, cada vez mais pessoas estão vendo vantagens. O gerente sênior de Parcerias Estratégicas da Robert Half, Vitor Silverio, destaca que os profissionais “percebem que não têm mais desgaste com deslocamento. Já as empresas viram um custo fixo menor, deixaram de alugar escritório, por exemplo”.

Para Vitor, o principal ponto de mudança necessário é o da evolução na forma de gerir os funcionários remotamente. “Antes era feito por meio do controle de horários e de conseguir ver o profissional trabalhando. Agora ele precisou evoluir para uma gestão por performance e indicador, olhando a produtividade do profissional", diz.

Mas ainda há certas limitações e resistências a essa flexibilidade. A primeira delas é em relação ao setor. O varejo e a indústria, por exemplo, têm necessidade de uma presença no dia a dia porque é quando as coisas acontecem. “Mas em alguns casos tem também o medo do novo, medo de dar autonomia e perder o controle do profissional, o que é um modo de pensar um pouco conservador. Isso mostra que o gestor não conseguiu evoluir tanto”, argumenta Vitor.

Para esses profissionais que estão no mercado ou que ainda irão entrar, o modelo em que se dá a jornada de trabalho passa a ser uma preferência determinante: “Aquelas empresas que podem ter flexibilidade, se elas não se adequarem a isso, elas vão ter grandes problemas de contratação e retenção de profissionais”, ressalta o gerente da Robert Half.

“Vão ter excelentes profissionais dentro das empresas que voltaram 100% presenciais que vão olhar para o lado, ver que outra empresa dá oportunidade de um trabalho mais flexível, e vai querer ir para lá. O profissional já viu a vantagem”, explica Vitor.

E há ainda discussões vindas de países da Europa sobre diminuição dos dias úteis de trabalho, mas Vitor diz que aqui no Brasil ele ainda não vê uma flexibilidade nesse sentido: “Pelo menos não em termos de legislação. Falando de CLT, seria uma mudança grande nas 40 horas semanais e 5 dias na semana, e neste momento não existe nada legalmente assim”.

“O que tem acontecido é um trabalho com banco de horas. Então por exemplo, se terminar o trabalho em 4 dias, o próximo dia você tira de banco de horas, então é uma flexibilidade muito mais de entrega por projeto”, comenta Vitor.

Mas com isso, também faz parte da função da liderança instruir a equipe a não misturar o que é tempo de trabalho com o que é tempo para o pessoal, evitando sobrecarregar os funcionários. “A empresa pode fazer um workshop e, na prática, a liderança tem que dar o exemplo. De nada vai adiantar ter esse treinamento se o gestor entrar em contato com o profissional quando ele estiver fora do horário de trabalho, quando estiver de férias ou então afastado", aponta Vitor.

*Sob supervisão da editora Cassandra

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