ECONOMIA
"A China ainda tem boa vontade com o Brasil", diz Charles Tang
Por Osvaldo Lyra

A China é hoje o principal parceiro comercial do Brasil. Só em 2019, o saldo comercial brasileiro foi de mais de US$21 bilhões. Segundo Charles Andrew Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China, os chineses "ainda tem boa vontade com o Brasil", após a crise diplomática entre os dois países, aberta com as críticas feitas por integrantes da família Bolsonaro e o governo brasileiro. De acordo com ele, a pandemia abriu novas oportunidades de negócios entre os gigantes da Anérica do Sul e da Asia, mas faz uma ressalva: "nações não têm amizades permanentes, têm interesses permanentes". Portanto, "os brasileiros, que não são patriotas, não querem defender o interesse nacional do Brasil. Talvez eles amem outros países acima do Brasil e queiram sabotar os interesses nacionais do seu país".
A China é o principal parceiro comercial do Brasil. Só em 2019, o saldo comercial brasileiro foi de mais de US$21 bilhões. Como o senhor avalia a relação entre os dois países?
Eu acho que a relação entre os dois gigantes da América do Sul e da Ásia está bem consolidada e bem madura. Então, a relação é muito boa, porque o Brasil necessita da China e a China necessita do Brasil. A China descobriu na guerra comercial com os Estados Unidos que ela necessita de parceiros confiáveis, que não vão interromper o fornecimento para garantir a segurança alimentícia do povo chinês se o presidente acordar de mau humor. Então, o Brasil colheu não só a bonança dessa guerra comercial, porque, nos últimos dois anos o Brasil exportou quase 90% da sua safra de soja para a China; e também teve a bonança de comprar soja americana com 25% de desconto para o próprio consumo brasileiro. Hoje, com o coronavírus, logicamente, como a China detém quase 90% da fabricação dos produtos necessários para combater esse inimigo mortal de toda a humanidade, e os países estão brigando entre si para poder comprar esses suprimentos, porque a China não consegue fabricar o suficiente nesse momento para atender a todos, eu acho que o interesse nacional do Brasil é claramente e obviamente de estreitar relações com a China. E como brasileiro por opção, eu gostaria de dizer que os brasileiros devem, os brasileiros patriotas que amam o Brasil, devem defender os interesses nacionais do Brasil, e não ir contra eles. Inclusive, no passado, quando o Brasil estava no ponto mais terrível da crise econômica do país, a China apostou e confiou no Brasil, investiu naquela época mais de US$20 bilhões, criou um fundo de investimento para infraestrutura de US$20 bilhões, onde ela investiu US$15 bilhões e emprestou US$15 bilhões de dólares para a Petrobras, quando ela estava no fundo do poço, em cima dos US$5 bilhões que já tinha emprestado. E, óbvio, que isso certamente ajudou o Brasil a sair um pouco mais cedo da sua crise e protegeu os empregos de centenas de milhares de brasileiros. As compras chinesas naquela época também ajudaram o Brasil a ter esse superávit invejável de mais de US$350 bilhões.
A pandemia abriu novas oportunidades de negócios para os dois países?
Sem dúvida, abriu novas oportunidades de negócios para ambos. A China ajudou, fez doação para 82 países, não só de material e equipamento, como ela despachou equipes médicas com experiência ao combate do coronavírus para muitas nações, como Venezuela, Paquistão, etc. Ajudou os Estados Unidos, também, com doações de equipamentos e material.
Como contornar ou amenizar o desgaste provocado na diplomacia dos dois países, após as críticas de integrantes da família Bolsonaro e do governo brasileiro? Isso pode atrapalhar a relação comercial entre as duas nações?
Como a Embaixada falou recentemente, o ministro conselheiro, a relação entre os dois países está muito madura. Mas, logicamente, quando pessoas do governo, ministros, começam a falar da China, isso vai desgastando um pouco, não é? Esse pessoal não entende o seguinte: como o Lorde Palmerston, em 1848, falou em um discurso no parlamento britânico, nações não têm amizades permanentes, têm interesses permanentes. E que todo o dever do cidadão é de defender os interesses do seu país. É mais do que evidente que o interesse nacional do Brasil é de estreitar relações com a China, porque no passado recente, na pior fase da crise econômica do Brasil, a China apostou e acreditou no Brasil, como já expliquei. Hoje o Brasil e China são economias complementares. O Brasil e os Estados Unidos são economias de dois concorrentes, porque se a China compra mais do Brasil, vai comprar menos dos Estados Unidos; se compra mais dos Estados Unidos, compra menos do Brasil. Então, no presente, é muito importante, por essas duas principais razões, fora as outras, ter um estreitamento de relações com a China como um interesse nacional dos brasileiros.
Qual a principal demanda hoje dos produtos que os brasileiros buscam na China?
Bem, logicamente, os respiradores são itens que estão em falta e são necessários para salvar vidas. As máscaras, kits de testes para poder testar todo mundo, todo esse material tem que ser comprado na China e eu acho que a China tem uma boa vontade, ainda, com o Brasil. Logicamente, se continuarem atacando a China, a China vai ressentindo cada vez mais.
O governo chinês mantém negócios com o governo da Bahia?
Bem, não digo que o governo chinês tenha negócios, porque ele realmente não participa de negócios, mas as empresas chinesas têm relacionamento com o estado da Bahia e com praticamente todos os estados do Brasil. Na Bahia, os chineses estão fazendo o VLT, a ponte Salvador-Itaparica. No Pará, 7 bilhões foram assinados para uma siderúrgica, ferrovia, etc. Então, eu acho que a China está ajudando a construir a infraestrutura do Brasil e que é a base do crescimento econômico e do desenvolvimento de qualquer nação. Na minha última palestra, na Universidade de Oxford, eu falei que a África, depois de ter suas riquezas sugadas pelos antigos mestres coloniais, foi deixada como um continente perdido por muitas décadas, até que a China começou a investir maciçamente na infraestrutura da maioria dos países africanos e tornou a África um continente de esperança, justamente porque, com essa infraestrutura construída pela China, com os empréstimos que ninguém mais queria emprestar para países pobres, conseguimos ajudar no desenvolvimento desses países.
A Tarde - Há episódios recentes, como a compra de 600 respiradores, que foi feita pelo governo baiano...
Calma, isso é outra história. O governo baiano comprou respiradores de uma empresa de Los Angeles, que não existe. Esse não foi um problema exclusivo da Bahia. Santa Catarina, Rio de Janeiro e o Pará, todos tiveram problemas. Tanto que os governadores desses quatro estados nos procuraram, na Câmara de Comércio Brasil - China, pedindo nossa ajuda na intermediação com essas empresas, devido a Câmara ser um organismo com 34 anos de credibilidade e atuação. O governo da Bahia perdeu esse dinheiro, porque comprou de uma empresa que não existe, uma empresa fantasma. E mais, no futuro, para a economia brasileira voltar a ter chances de crescimento, de quem a gente precisa para ajudar na construção de infraestrutura, de saneamento, etc? Dos chineses. Lógico. Então, é indiscutível que o interesse nacional do país é a China. Os brasileiros, que não são patriotas, não querem defender o interesse nacional do Brasil. Talvez eles amem outros países acima do Brasil e queiram sabotar os interesses nacionais do seu país.
O senhor assumiu a direção da Associação Brasileira de Energia de Resíduos Sólidos. É um organismo novo, mas que vai assumir uma importância grande na produção e no cuidado de energias limpas?
Sem dúvidas. O Brasil tem vários problemas e um dos mais sérios é o problema de lixo. Todos os prefeitos do Brasil são fora da lei, porque não conseguem atender às demandas da legislação e podemos transformar esse grande problema, que também está prejudicando bastante os lençóis freáticos do país, podemos transformar essa dor de cabeça, para defender a ecologia, transformando em ativos de energia. O Brasil, quando terminar essa “pandemonia”, vai ter que voltar a crescer e vai faltar energia. Então, nós podemos atender à demanda energética e também resolver o problema que está afligindo todos os municípios do Brasil. Nós temos já em Paulínia a única planta de grande escala, que já está pronta para funcionar, que é a do doutor Alfredo Malafaia, que é o pioneiro no Brasil dessa modalidade de geração de energia. Existem algumas outras plantas experimentais, mas a dele serve para beneficiar 700 toneladas de lixo-dia, ou seja, 700 mil pessoas é que geram mais ou menos 700 toneladas de lixo-dia. Então, eu acho que ele sendo um pioneiro, eu acho que está prestando um grande serviço ao seu país, ao Brasil.
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